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Confederação de Basquete busca credibilidade que a CBT não se movimenta para ter

Alexandre Cossenza

25/04/2019 14h16

Uma notícia do mundo do basquete chamou atenção nesta semana. Ótima reportagem de Thierry Gozzer revela que a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) foi à Justiça contra o ex-presidente da entidade, Carlos Nunes, pedindo indenização por danos morais e ressarcimento "diante do desvio de verbas para uso pessoal e da deficiência de informações em suas prestações de contas."

Trata-se de uma ação contra um dirigente que deixou a CBB ser suspensa pela Federação Internacional de Basketball (FIBA), acumulou dívidas e perdeu patrocinador máster (e ainda está sendo processada pela Eletrobras). Uma ação que manda um recado claro: a administração do atual presidente, Guy Peixoto, tenta organizar a casa e trazer de volta ao basquete a credibilidade necessária para negociar com uma empresa forte e séria um patrocínio máster com valores dignos.

É uma medida de gestão e uma medida necessária. Nenhuma empresa vai bater na porta ou sentar à mesa com potenciais investidores se seu nome está sujo na praça, manchado pelas ações de diretores que se envolveram em escândalos – de qualquer tipo – em um passado recente. E se empresas privadas, com diretorias e todo tipo de stakeholders, não fazem isso, federações e Confederações também não deveriam fazê-lo.

A FIFA, recentemente, fez algo parecido. Com a imagem danificada pelas ações corruptas de integrantes do Comitê Executivo, a entidade máxima do futebol processou todos, pedindo indenizações milionárias.

Logo a FIFA, que para muitos é a entidade mais corrupta do planeta. A mesma FIFA que, após escândalos, aplicou punições pesadas a seu ex-presidente Sepp Blatter, seu secretário-geral Jérôme Valcke e Michel Platini. Por quê? Para mandar o mesmo recado: não pode haver impunidade. Quem causa prejuízo à imagem do esporte deve pagar por isso. Impunidade significa menos credibilidade, que significa menos espectadores, que significa, no fim das contas, um valor mais baixo de cotas publicitárias. É uma lógica simples.

O que isso tem a ver com tênis? Infelizmente, nada. No caso do tênis brasileiro, porém, tudo. A Confederação Brasileira da modalidade (CBT) vem de um passado recente em que um presidente (Nelson Nastás) deixou o cargo acusado de irregularidades, após intervenção e entrada da Polícia Federal na sede da entidade. Seu sucessor, Jorge Lacerda, acaba de ser condenado a quatro anos de prisão em regime aberto por crime de peculato. Um crime, ressalte-se, não cometido em sua vida pessoal, mas sim enquanto presidente da CBT.

Só que antes de provocar a condenação na Justiça Federal, a ação de Jorge Lacerda, em parceria com o ex-tenista e ex-comentarista Dacio Campos e o empresário Ricardo Marzola, obrigou a CBT a ressarcir a União em mais de meio milhão de reais (R$ 537.873,02 – o pagamento foi feito em 2013).

O que aconteceu depois todo mundo sabe. Lacerda, apoiado por Guga e a maioria dos tenistas de destaque do Brasil desde o início de sua gestão (inclusive quando alterou o estatuto para esticar seu mandato até 2016), deixou a CBT sem dinheiro em caixa, e os Correios não renovaram o contrato de patrocínio (que foi citado nesta investigação). Funcionários foram demitidos, e o atual presidente, Rafael Westrupp, conterrâneo e apadrinhado político de Lacerda, instalou a entidade em sua Florianópolis, alegando que não havia dinheiro sequer para pagar o aluguel em São Paulo.

Afundada numa crise de credibilidade (algo apontado por ex-tenistas como Fernando Meligeni, Ricardo Mello, André Sá e Flávio Saretta em entrevistas recentes), a CBT sobrevive sem patrocinador máster e não conseguiu sequer vestir todos integrantes da delegação da Fed Cup com uniformes iguais.

Credibilidade ou amizade?

Como reconquistar essa credibilidade na praça? Mais transparência nas contas seria um começo. No entanto, Westrupp parece satisfeito em meramente cumprir a lei e publicar no site da CBT um balanço anual que diz quase nada sobre a gestão da CBT. O balanço de 2018, por exemplo, diz que a entidade gastou cerca de R$ 1,5 milhão em despesas administrativas. Que tal ser mais específico? Quanto se gasta com advogados, por exemplo? Em que eventos a CBT gastou os R$ 3 milhões citados no balanço? Quanto se investe na base? Nos sêniores? No feminino? Quanto custam Orlandinho e Felipe Meligeni para a CBT? E o encontro de fim de ano, quanto pesa aos cofres? Ah, prestou contas para as federações? Beleza, cumpriu o estatuto, mas federação não é patrocinador.

Outra medida interessante seria fazer o mesmo que CBB: ir à Justiça contra Lacerda, pedindo indenização pelo menos por danos morais. Se sua condenação – repito: por um crime cometido enquanto cartola maior do tênis – causou prejuízo ao tênis brasileiro, que ele pague também por isso. Uma ação como essas mandaria um claro recado ao mercado em busca da credibilidade perdida. O que não ajuda é ter Lacerda, condenado, como convidado de eventos como o Roland Garros Junior Wild Card Series.

Se Westrupp falava sério em buscar a "desjorgificação" de seu mandato, a hora de mostrar isso está passando. O discurso da entrevista linkada acima já envelheceu e não convenceu. É preciso deixar claro que a amizade e o antigo laço político com Lacerda não vai interferir mais na Confederação. De que adianta falar em afastar sua administração do antecessor se, dias depois da notícia da condenação de Lacerda, os dois estão juntos, passeando de barco, e mostrando isso no Instagram? A comunidade inteira do tênis viu a postagem, e todo mundo sabe a mensagem que isso passa.

Sim, o país vive uma crise financeira, e não é fácil atrair interesse de empresas privadas sem projetos que usem a Lei de Incentivo – algo que a CBT também deve considerar, desde que alguém competente se encarregue do planejamento e, principalmente, da prestação de contas. Só que ainda antes disso a CBT precisa se ajudar: abrir as contas e mostrar que existe uma gestão com metas bem traçadas e alcançáveis. Até que isso aconteça, como Ricardo Mello bem disse, nenhuma empresa forte, com valores institucionais sérios e departamentos de compliance competentes, vai colocar dinheiro em uma entidade como a Confederação Brasileira de Tênis.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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