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15 Anos do Boicote - André Sá elogia gestão Lacerda: 'Cuidou mais do alto rendimento'

Alexandre Cossenza

17/04/2019 09h52

Em 2004, Gustavo Kuerten e os melhores tenistas do país executaram um boicote e não disputaram a Copa Davis. Era uma medida contra a gestão de Nelson Nastás, então presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT). O Brasil acabou rebaixado para a terceira divisão da competição e entrou num turbilhão político que só acabou no ano seguinte, quando o catarinense Jorge Lacerda assumiu a presidência da entidade.

Nesta semana, o blog publica uma série de entrevistas com pessoas ligadas ao boicote e suas consequências. A intenção é lembrar dos fatos de 2004 e analisar o tênis brasileiro nos últimos 15 anos. O quanto o esporte evoluiu no país? Que passos à frente a CBT deu no período? Houve retrocesso em algum setor? Por que Jorge Lacerda, condenado a quatro anos de prisão por peculato, não foi cobrado da mesma maneira pelos melhores tenistas do país?

Depois das entrevistas com Ricardo Acioly, que criticou a falta de gestão e o prejuízo causado ao cenário do tênis juvenil, e Fernando Meligeni, que apontou "policiamento tenístico" e o silêncio dos jogadores, o blog traz hoje um papo com André Sá. Conversamos no Rio Open, e o mineiro lembrou dos eventos que levaram ao boicote e analisou o tênis brasileiro nos últimos 15 anos. Elogiou a gestão de Lacerda, disse que ninguém era proibido de criticar a CBT e ressaltou que o Brasil precisa de mais dois ou três Gugas para desenvolver uma cultura de tênis. Leiam!

Qual a sua primeira lembrança da possibilidade de um boicote?

Acho que foi tudo acontecendo muito rápido. No Canadá, em 2003, na Copa Davis [o Brasil perdeu por 3 a 2, com Daniel Nestor derrotando Guga em cinco sets no primeiro dia e Frank Dancevic vencendo o quinto jogo sobre Flávio Saretta]. Na derrota, no quinto ponto, todo mundo já com as emoções à flor da pele, chamaram o Nelson Nastás e falaram "Olha, está todo mundo descontente com a gestão, está tudo muito distante, a gente não tem acesso nenhum a qualquer tipo de critérios ou processos de tomada de decisão da Confederação e as coisas estão erradas." Em questão de pagamento, demorava o próximo confronto para pagar o confronto anterior… Mas o motivo maior foi a distância entre a entidade e os jogadores. A gente teve a reunião e falou "Não queremos mais." A única força que o jogador tinha e tem é realmente decidir não jogar. Foi uma decisão em conjunto, todo mundo acatou. Obviamente, liderado pelo Guga, que era nosso jogador número 1 na época, e foi basicamente isso. Essas são as minhas lembranças. De estar ali, naquele momento, conversando um pouco com todo mundo no vestiário logo após a derrota e, depois, à noite, no hotel, ter a reunião com o Nelson Nastás.

Lembra onde você estava durante aquele confronto com o Paraguai, na Costa do Sauípe [o Brasil, sem o time principal, perdeu por 3 a 2]?

Eu lembro que assisti. Lembro que acompanhei os jogos.

Queria saber da sua sensação de ver o time jogando, sem vocês, e perdendo do Paraguai em casa…

Sendo sincero, obviamente era uma sensação ruim de não estar lá, mas eu torcia para eles ganharem. Querendo ou não, seria bom para o tênis brasileiro ter esse espaço na imprensa. Não tinha nenhum rancor, nenhum sentimento negativo com os jogadores que decidiram jogar. Eles tinham as razões pessoais deles, que a gente tem que respeitar, do mesmo jeito que a gente tinha as nossas razões para não jogar. Minha lembrança é essa. Eu não tive uma sensação negativa, de os caras serem traidores e nada disso, não.

Vencer aquele confronto mudaria algo politicamente? Daria força ao Nelson?

Acho que não. Todo mundo já sabia. A mensagem que a gente queria mandar já estava exposta. A infelicidade com a gestão, por isso que os jogadores não estavam jogando. Obviamente, a gente quer defender o país. Copa Davis é super importante para qualquer jogador. Optar por não jogar nunca é ideal. A razão era muito forte. Essa era a mensagem. Era indiferente vitória ou derrota.

Quando vocês souberam que o Jorge era candidato, você conhecia ele? Você já morava em Santa Catarina, aliás?

Morava, eu mudei em 2003. A gente conhecia ele através do Guga e do Larri. Ele já era uma pessoa do tênis. Eu lembro que a primeira vez que vi o Jorge eu estava treinando na academia do Larri com a equipe lá, e ele chegou. Apresentou todo mundo, "aquele está concorrendo à presidência da Confederação", e ele tinha o apoio de basicamente todo mundo. O apoio do Neco [Nelson Aerts], o apoio do Jorge Paulo Lemann, o apoio do Guga, do tênis catarinense, que estava explodindo. Essa era nossa referência. Foi assim que eu o conheci.

A gente está 15 anos depois, e a CBT volta a ter problemas financeiros. Não tem um patrocinador… Não há indício de irregularidade nem nada na gestão Westrupp, mas o que o tênis andou para frente nesses 15 anos? E o que andou para trás? Eu sei que você tem uma boa relação com o Westrupp, não quero te colocar numa posição delicada, mas preciso fazer isso.

Acho que é falar a realidade. Só tem positivos, né? A razão inicial de a gente fazer o boicote foi justamente para criar um laço maior e uma clareza maior entre a entidade e os jogadores. Isso aconteceu depois do boicote. Tanto com o Jorge [Lacerda] quanto com o Westrupp. Com o Jorge, um pouco mais difícil. O começo foi excelente, mas depois foi mais difícil pela maneira dele de ser, mas nada… Acho que foi muito melhor na questão de apoio ao infantojuvenil, muito melhor na questão de clareza nas contas ou no pagamento de Copa Davis. Pelo menos as que que joguei até 2009, foi muito melhor. E hoje vejo isso também. Não estou dentro da Copa Davis, não sei como é que é a questão de pagamento, mas o principal é a questão de apoio. Isso aí ninguém pode negar. Eu, particularmente, tive o apoio da Confederação através dos Correios por mais de oito anos. Isso era uma coisa que nunca existiu antes. Uma vez que acaba, é ruim, mas a gente não pode esquecer do que foi feito no passado. Muita gente tem a tendência de fazer isso. "A Confederação agora não apoia mais." Mas te apoiou durante anos! Um apoio vitalício, às vezes, não é possível. Por esse lado, melhorou muito. Projetos que vêm por aí, com transição de juvenis e um envolvimento muito maior do alto rendimento com o infantojuvenil, o desenvolvimento de treinadores, está bem melhor do que no passado. Era cada um por si e deus por todos. Hoje em dia, há muitos pontos positivos. E a condição financeira? Cara, qualquer federação do mundo… Se você não tem um grand slam, uma fonte de renda fortíssima, todo mundo está no bolo.

Você não acha que as acusações contra o Jorge e a condenação [Lacerda foi condenado por crime de peculato a quatro anos de prisão por regime aberto] pesam contra na hora de sentar na mesa e negociar um patrocínio?

Pesam contra. Com certeza. Tudo que é negativo… Tudo que sai na imprensa e é negativo mancha o tênis. Isso é indiscutível. Vai ficar mais difícil de atrair patrocinadores, sempre cria uma imagem negativa do esporte. Já tem que lutar contra isso por causa do passado, com história de boicote. É uma mancha enorme que você tenta minimizar, mas cada vez que tem uma acusação, obviamente essa mancha volta.

Duas críticas que normalmente fazem – e uma até o Pardal falou na entrevista que fiz com ele aqui, é que o Nelson não aproveitou a Era Guga. Que o tênis não estava pronto e que ele se mexeu muito pouco para aproveitar o boom de gente procurando o esporte para jogar. E que o Jorge não criou uma estrutura durante o momento em que houve maior entrada de dinheiro no esporte, que foi aquele período pré-Rio 2016. A crítica é que ele não preparou a CBT para ser sustentável e conseguir buscar receita depois daquilo. Você concorda?

É muito difícil opinar de fora. Acho que a estrutura do tênis é sempre [um tema] complicado. É muito investimento, e o retorno nunca se sabe. A chance de se ter um mega jogador profissional é muito pequena. É complicado. Acho que na época do Nelson nem se conhecia tênis aqui no Brasil, então eu sinto que não dá nem para culpar ele. Ele não sabia como fazer. De repente, deu um boom. "E agora, como a gente faz?" Foi todo mundo aprendendo naquele momento. A gente sempre brinca que aparecia gente para jogar em tudo que é lugar para jogar tênis. Academias surgindo de qualquer lado, professores surgindo de tudo que é lado. De repente, não-qualificados, mas surgiam porque a demanda era alta. E, realmente, o que pega para a gente é a cultura tenística. A gente precisa de mais dois ou três Gugas até que o pessoal volte a pensar em tênis em uma maneira cultural, fazendo parte do cenário esportivo do Brasil, entendeu? Então é difícil na parte dele. Na parte do Jorge, é difícil… O alto rendimento, os profissionais que tiveram chance de disputar Olimpíada foram beneficiados, tiveram apoio durante todo o ciclo olímpico. Ele, de certa maneira, estava fazendo a coisa certa. Agora… O resto é difícil. Vai criar o quê? Uma equipe? Um centro de alto rendimento? O custo é altíssimo. Na minha visão, pelo menos, antes de fazer um CT tem que ter professores capacitados para colocar lá. Qual é o conceito de tênis do Brasil? Qual é a metodologia de tênis do Brasil? Acho que ninguém tem uma resposta clara para isso, então de que adianta você ter um elefante branco como o Centro Olímpico se você não sabe o que vai fazer ali dentro. Ainda falta um pouco para o Brasil estar preparado para poder lidar com tudo isso. O Jorge, dentro da maneira dura de levar a gestão da Confederação, do alto rendimento ele cuidou. O resto, que também vejo que parte da proposta da Confederação é fomentar o tênis. De repente, aí faltou um pouco. Mas é um esporte não muito popular no Brasil também. Tem isso.

No mundo inteiro, é um esporte de mais alta renda, né?

Concordo.

Aí varia de acordo com o país…

Varia porque na questão de estrutura, o que mais pesa é quadra pública. Essa é a razão número 1 de o pessoal não ter acesso ao esporte. No Brasil, não tem quadra pública. Na Argentina, tem. Na Espanha, tem. Nos Estados Unidos, nem se fala. Na Europa, também tem. Ou, se não é pública, é 2 euros a hora. Aqui no Brasil, é R$ 250 a hora. Ou você tem que ser sócio de um clube que seu pai paga a mensalidade, que é entre R$ 600 e 1.500 por mês, então já afunila 90% na oportunidade. E você tem esses meninos que têm uma vida garantida, um plano B. Se você tem que tentar colocar toda a determinação, trabalho duro, disciplina que precisa para ter um tenista numa cabeça que já tem plano B, não é tão fácil.

Você falou que o Jorge talvez tenha deixado um pouco a desejar na questão do fomento… Alguns técnicos com quem eu conversei criticam muito o que ele fez no circuito juvenil, que – também motivado por uma briga pessoal com o Neco [Nelson Aerts, depois de apoiar a eleição de Lacerda, deixou de fazer parte do grupo que liderava a CBT. Depois disso, Lacerda passou a considerá-lo oposição e tomou medidas contra os eventos promovidos por Aerts], enfraqueceu os circuitos Unimed, Banco do Brasil e Credicard lá atrás… Para criar um circuito só forte que era o Circuito Correios. Os patrocinadores saíram, os outros circuitos bons acabaram, e os técnicos dizem que tirou a competitividade, diminuiu o número de gente jogando, reduziu a abrangência dos torneios e sumiram etapas fora do centro tenístico de São Paulo, Porto Alegre, Minas, Rio, etc. Com essa crítica você concorda?

Eu não sei os números, mas se a questão é essa, que diminuiu a oportunidade de jogar, aí sim é uma falha. É como eu falei, não tenho esses dados exatos, estou indo pelo que você me falou. Se acontece, é uma falha. A primeira coisa que precisa haver é oportunidade de jogar. Por questão pessoal, de briga, não sei o que lá, não está certo.

E aí eu entro em outro assunto. Não digo só por causa do boicote, mas o Nelson foi muito mais cobrado do que o Jorge. Isso tem a ver com o contratos dos Correios que proibia vocês de falarem ou é o caso de "estamos sendo bem cuidados no alto rendimento e não estamos olhando com tanta atenção para o resto"?

A gente não tinha nada de questão de contrato, de ser obrigado a não poder criticar a CBT. Acho que a crítica tem que vir quando é necessária. Já escutei muito disso: "Mas também ele paga os jogadores, eles ficam de bico calado." Não era o caso. Toda vez que tinha alguma coisa que a gente pensava "isso aqui está errado", a gente reivindicava. Mas, como eu falei, ele cuidou mais do alto rendimento e fez o jogo político da maneira certa. A gente tinha o apoio, a gente recebia em dia, então a única coisa que a gente poderia questionar seria isso como atletas do alto rendimento. O infantojuvenil vai ter suas dúvidas e suas críticas; o alto rendimento, as suas; os cadeirantes, as suas; os sêniores, as deles. É tudo do momento em que você está. No alto rendimento, estava tudo certo. Mas não tinha nada de que a gente era proibido de falar qualquer coisa.

Como você viu os primeiros anos do Westrupp?

Positivos. Acho que ele está mais próximo ainda dos jogadores. É tudo claro, tudo ele mostra o que está fazendo, o que está buscando. Ele está com equipe nova, trouxe o [Eduardo] Frick [gerente de esportes e eventos da CBT, braço direito de Westrupp] também, que é um cara super próximo dos jogadores. É um trabalho obviamente difícil, desafiador, mas vejo com olhos positivos. Vejo que a gestão dele está preocupada com todas as esferas. Infantojuvenil, transição, alto rendimento, beach tênis, cadeirantes… Tem que esperar e ver qual o legado que ele vai deixar, quais são os objetivos dele nos próximos anos para a gente ter uma ideia melhor.

Para você, qual é a maior necessidade do tênis brasileiro hoje?

Quadras públicas e treinadores capacitados. Isso aí é o que faz o tênis girar, é o que faz ídolos aparecerem. E, como eu disse antes, para a gente criar uma cultura de tênis, a gente precisa de mais uns dois ou três Gustavos Kuertens nessa próxima época. Não é fácil. Esse esporte é desafiador mesmo, mas a prioridade tem que ser essa. É o que eu mais vejo de diferente do exterior para cá. A oportunidade de jogar… Não desmerecendo nenhum treinador do Brasil, de maneira nenhuma. Mas eles (estrangeiros) têm mais banco de dados. A gente precisa desenvolver. Ainda é muito jovem o tênis aqui no Brasil. Eles têm mais banco de dados. A gente precisa ir para fora, ter jogadores no circuito profissional para treinadores terem a oportunidade de ir e aprender com o alto rendimento, e trazer um conceito e uma metodologia clara para o Brasil. É isso.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.