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Serena encerra 2018: mãe inspiradora fora de quadra, polêmica demais dentro dela

Alexandre Cossenza

26/09/2018 05h00

Serena Williams anunciou que não disputará o WTA de Pequim e, por isso, encerrou sua temporada fora da lista de classificadas para o Finals. Se voltar à quadra este ano, será para uma rara aparição na final da Fed Cup. Com isso, o momento é propício para um balanço do 2018 da americana. Um ano com poucos torneios e que deu muito assunto – não só pela nova experiência da maternidade, que a ex-número 1 vem compartilhando com o mundo.

Dentro de quadra, Serena disputou 24 partidas. Foram 18 vitórias, seis derrotas e 2.976 pontos conquistados. Os números, porém, dizem pouco aqui. A ex-número 1 sofreu algumas derrotas decepcionantes – entre elas, a pior de sua carreira -, mas também teve momentos brilhantes e alcançou duas finais de slam. E, em seu último jogo, protagonizou a maior confusão do tênis feminino na temporada. Voltemos, então, a janeiro para o começo deste balanço.

Retorno mais duro do que o esperado

Serena foi até Abu Dhabi no dia 30 de dezembro para uma partida de exibição com Jelena Ostapenko e, pelo ritmo do jogo, mesmo com a letã dando uma forcinha, ficou claro que não estava pronta para um slam tão cedo, depois de dar à luz em setembro. Cinco dias depois, anunciou que não iria ao Australian Open, adiando seu retorno oficial para a sequência Indian Wells-Miami.

A volta logo se mostrou mais difícil do que muitos imaginavam. Em março, Serena ainda estava muito acima de seu peso normal de competição (algo que ela tentava disfarçar com um outfit todo preto). Com sua movimentação comprometida, perdeu na terceira rodada de Indian Wells para Venus Williams (6/3 e 6/4) e na estreia em Miami para Naomi Osaka (6/3 e 6/2).

Mais tarde, Serena admitiu que precisou parar de amamentar para retomar a forma física. Foi uma decisão difícil, tomada após pressão de Patrick Mouratoglou, seu técnico, mas necessária para as pretensões de Serena dentro de quadra. Afinal, nem todo talento do mundo (e ninguém tem mais talento na WTA do que ela) conseguiria compensar a dificuldade de movimentação. Depois de IW-Miami, Serena ainda pesava 93 quilos.

Sharapova e a primeira polêmica

A ex-número 1 do mundo levou mais dois meses para voltar a competir. Pulo quase toda temporada de saibro e voltou em Roland Garros, ainda longe da forma ideal. Ainda assim, mais na garra do que qualquer outra coisa. Serena alcançou as oitavas de final em Paris. Virou um jogo complicado contra Ashleigh Barty e, em seguida, fez sua melhor partida no torneio. Prestes a encontrar a rival Maria Sharapova, abandonou o torneio citando uma lesão num músculo peitoral, sofrida em uma partida de duplas no dia anterior.

Dada a rivalidade entre ambas, a desistência deixou muita gente questionando a decisão de Serena. Afinal, todo mundo sabe que Sharapova é alguém para quem ela especialmente odeia perder. Será que a americana teria continuado no torneio se a adversária daquele dia fosse outra? Nunca saberemos.

O que sabemos é que, mesmo sem o duelo dentro de quadra, as duas protagonizaram uma polêmica nas salas de entrevistas coletivas. Começou com Serena criticando a biografia de Sharapova, dizendo que muitas das coisas escritas ali eram "100% boatos". A russa rebateu: "Acho que há muitas autobiografias por aí, especialmente no mundo do esporte, que não necessariamente falam sobre se houve rivais ou alguém contra quem se competiu." Entre muitas coisas ditas sobre Serena, o livro de Sharapova contém a passagem "Não muito depois [de Wimbledon/2004], eu ouvi que Serena disse a um amigo, que em seguida me contou: 'Eu nunca mais vou perder para aquela [bitch] de novo'."

Segunda polêmica: o antidoping

Antes de voltar às quadras, o que só aconteceu em Wimbledon, Serena reclamou do número de exames antidoping aos quais foi submetida. "É só junho e já fui testada cinco vezes." Disse também que "tudo é questão de igualdade. Se estiverem testando todo mundo cinco vezes, vamos lá. É só uma questão de igualdade e não centralizar em uma pessoa. É só que, por causa dos números, parece que estou sendo mais exigida."

Só que os números de exames antidoping só fazem sentido quando somados entre as diversas agências que os fazem. Serena, aparentemente, só havia visto os números da Usada, a agência antidoping americana. Os números da Federação Internacional de Tênis (ITF) não são publicados durante o ano (só ao fim da temporada). Por isso, Madison Keys, durante o mesmo torneio de Wimbledon, achou ruim. "Meu primeiro pensamento foi [saber] por que ela [Serena] só foi testada cinco vezes enquanto eu fui testada oito ou nove vezes."

No fim de julho, Serena voltou a se queixar (vide tweet acima), dizendo que achava ser vítima de discriminação. Joga contra essa tese, porém, o depoimento de Roger Federer, que disse ter sido testado sete vezes só naquele mês de junho. O ex-número 1 comentou que o cidadão responsável por coletar amostras de urina mora na mesma vila que ele na Suíça, o que torna tudo muito conveniente. Roger disse ainda que raramente recebe visita de algum agente quanto está treinando em Dubai. "Nos 15 anos que tenho ido lá, houve um teste." De qualquer modo, os muitos testes de Federer antes de Wimbledon e a declaração de Madison Keys parecem derrubar a teoria da americana.

A primeira final

Dentro de quadra, o panorama era bem diferente. Na grama de Wimbledon, um ambiente muito mais propício para seu jogo de potência e (ainda) mobilidade reduzida, Serena começou a se encontrar. Em uma chave acessível, perdeu apenas um set até a final. Bateu Rus, Tomova, Mladenovic, Rodina, Giorgi (única a lhe tirar uma parcial) e Goerges. Faltava superar Angelique Kerber para levantar o troféu.

O título, contudo, não veio. Diante de uma alemã bastante sólida, Serena somou 23 winners e 24 erros não forçados. Venceu muito pouco com seu segundo serviço (31%) e não conseguiu nem se aproveitar do frágil saque da oponente. Kerber, que somou 11 winners e 5 erros não forçados, venceu rapidamente, em 1h05min.

A pior derrota da vida

Serena voltou a jogar no fim de julho, quando já se esperava um nível competitivo mais alto e consistente. No entanto, sua primeira partida no verão americano, no WTA de San Jose, terminou com um revés doído por 6/1 e 6/0 para Johanna Konta, que nem atravessava um momento tão bom, mas fez uma bela apresentação naquela ocasião.

Foi a pior derrota da carreira da americana (em número de games vencidos durante dois sets completos), e ela só deu uma explicação alguns dias depois, quando usou sua conta no Facebook para revelar que vinha lidando com a sensação de não ser uma boa mãe. Naquela semana, já no Premier de Cincinnati, fez uma ótima estreia contra Daria Gavrilova (6/1 e 6/2), mas foi eliminada num jogão contra Petra Kvitova na segunda rodada (6/3, 2/6 e 6/3). Viria, então, o US Open.

O US Open e a maior das confusões

A maioria de vocês, leitores, vai lembrar o pandemônio que foi a final do slam americano, com a discussão com o árbitro Carlos Ramos e a derrota para Naomi Osaka. Não vou me alongar novamente no tema porque já dei minha opinião em um longo post, onde abordei também a acusação de sexismo que Serena fez contra o oficial português.

Lamento, entretanto, que essa tenha sido a última impressão deixada pela americana em 2018. Até a final, Serena Williams fez um belíssimo torneio em Nova York. Atropelou a irmã na terceira rodada, foi dominante contra Karolina Pliskova nas quartas e venceu fácil, fácil a semi contra Anastasija Sevastova. Mostrou que tinha tênis para ganhar algo ainda este ano, classificar-se para o WTA Finals e, por que não, encerrar o calendário com um título grande. A decisão por não jogar em Pequim só vai manter por mais tempo na memória de todos a última impressão deixada em Nova York.

A última entrevista

Serena concedeu uma exclusiva poucos dias depois da final do US Open para a Ten Network, da Austrália. Foi uma entrevista marcada antes do torneio, com a intenção de ajudar a divulgar uma campanha de prevenção contra câncer de mama (Serena canta parte da letra de "I Touch Myself" , do grupo australiano Divinyls). Só que era preciso falar sobre o que aconteceu na final.

Em um momento, a conversa é interrompida pela assessora de Serena, que tentou limitar o número de questões sobre o US Open, mas a tenista, acabou aceitando falar sobre sexismo e oportunidades iguais. Ela, no entanto, evitou repetir a acusação contra Carlos Ramos. Assista abaixo.

Mãe inspiradora

Outra coisa que também se perdeu – ou, pelo menos, perdeu força – após o escândalo da final do US Open foi o belo papel de "mãe pública" que Serena exerceu durante o ano, compartilhando seus sentimentos e suas fragilidades nas redes sociais, mostrando que alguns dos momentos mais duros da maternidade são extremamente comuns e que todas mães passam por isso.

Já escrevi em um post este ano, mas repito para enfatizar: é nesses momentos que Serena se faz mais importante, que se mostra uma pessoa com a qual muitas podem se identificar. Não é qualquer um que pode ser uma supertenista, mas quase todas mães vivem, em um ou outro momento, os dilemas da mamãe Serena. E compartilhar isso vale mais – para mim, pelo menos – do que mostrar que pode ganhar mais tantos troféus.

Pena que tenha usado o "ser mãe" como argumento no meio da discussão com Carlos Ramos. Ser mãe ou pai, infelizmente, não isenta ninguém de trapaças ou qualquer tipo de erro cometido por seres humanos. Não faltam pais esportistas dando maus exemplos, tentando enganar árbitros de futebol ou usando doping em competições. Serena pode não ter trapaceado, mas ser mãe – ou pai – não isenta ninguém de nada.

Coisas que eu acho que acho:

– Eu gostaria de ter feito outro post sobre a Laver Cup, mas tive alguns problemas pessoais nos últimos dias. Resumindo, achei um evento ótimo de ver, com um belo nível de tênis. E mais: se no primeiro ano a competição teve Federer-Nadal para badalar e encher os noticiários com cenas lindas de ambos, não houve o mesmo com Federer-Djokovic. A "química", digamos assim, não é a mesma. E, ainda assim, a Laver Cup foi um sucesso. Ou seja, não foi pelos virais nem pelos bastidores, mas pelo tênis jogado, o que é ótimo, pensando a longo prazo.

– A comparação mais óbvia será sempre com a Ryder Cup, evento tradicionalíssimo do golfe. A Laver foi criada com algumas características semelhantes e já de discute se sua relevância no mundo do tênis é comparável à da Ryder no golfe. No Twitter, Kelsey Anderson, esposa de Kevin, debateu com um jornalista do Daily Mail, que era contra as comparações. Segundo Kelsey, Kevin disse que "o ambiente da Laver Cup foi o melhor e mais intenso em que ele competiu como profissional, incluindo suas duas finais de slam. O tweet acima é só uma parte da conversa, que vale ser lida do começo ao fim.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.