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Saque e Voleio

Defender Serena é injustificável (mais uma vez)

Alexandre Cossenza

09/09/2018 05h00

A decisão feminina do US Open teve um fim muito menos feliz do que poderia para todo mundo. Para o público, para Serena Williams e, especialmente, para Naomi Osaka, 20 anos, que conquistou seu primeiro título de slam e foi a primeira japonesa a levantar um troféu de simples em um dos quatro torneios mais importantes do mundo.

A jovem fazia uma bela partida e derrotava Serena Williams "na bola" quando a americana iniciou uma série de reclamações acaloradas contra o português Carlos Ramos, árbitro de cadeira da partida. O vídeo abaixo mostra os melhores momentos da partida e toda a sequência que culminou com a tenista da casa sofrendo três punições e até perdendo um game após chamar o juiz de ladrão. Vejamos, um por um, os incidentes e lembremos de como eles não foram tão diferentes assim de outros episódios envolvendo uma das maiores tenistas da história no US Open.

2018: Final contra Naomi Osaka. Serena Williams sacava em 2/6 e 15/40

1. Coaching – advertência

Tudo começou quando Ramos aplicou uma advertência por "coaching" – violação da regra que ocorre quando tenista e técnico se comunicam durante a partida. Serena vai até Ramos (a partir de 0'30" do vídeo acima) e diz que ela e seu treinador, o francês Patrick Mouratoglou, não têm códigos combinados e que quando ele mostra os dois polegares para cima, está apenas a incentivando. Ela ainda diz: "Eu não trapaceio. Prefiro perder."

Aqui, há três pontos a levantar. Primeiro, Mouratoglou admitiu após o jogo que fez sinais e que faz o mesmo em todos os jogos. Ele critica a regra e diz que é hipocrisia. Dá para debater isso por horas, mas não dá para atacar um árbitro que cumpriu a regra e que faz isso com frequência – em jogos masculinos e femininos. A segunda questão é: Serena poderia não estar olhando para Mouratoglou e, por isso, fez uma defesa tão enfática, só que isso não muda o fato de que houve coaching. E mais: se Serena não estava olhando, por que disse que Mouratoglou apenas deu "thumbs up" para ela? Por fim, o terceiro ponto: na virada de lado, tenista e árbitro tiveram uma conversa mais amigável em que Ramos disse saber que ela não trapaceia, e Serena agradeceu. Assunto encerrado, então, certo?

2. Abuso de raquete – point penalty

Depois quebrar o saque de Osaka e abrir 3/1 no segundo set, Serena perdeu seu serviço ao errar um backhand. Na raiva, atirou a raquete ao chão (1'40"). Por isso, levou uma indiscutível punição por abuso de raquete. Como era a segunda violação do código de conduta, a punição era um point penalty. Por isso, a americana perdeu um ponto no game seguinte.

Só depois disso é que Serena resgatou o assunto do "coaching", a primeira punição. Ela diz que sempre que joga lá tem problemas e começa a responder "eu não tive coaching, eu não tive coaching!", "como você pode dizer isso?", "você me deve um pedido de desculpas", e "eu tenho uma filha e defendo o que é certo por ela."

3. Abuso verbal – game penalty

Na virada de lado seguinte, após perder o saque novamente (coincidência?), Serena volta a se descontrolar. "Você atacar meu caráter é errado, você está atacando meu caráter. Você nunca mais vai pisar em uma quadra minha enquanto viver." Até aí, tudo bem. A tenista da casa, contudo, ultrapassou o limite quando disse, ao se levantar, que "você roubou um ponto de mim. Você é um ladrão também." Aí, não.

Chamar um árbitro de "ladrão" é gravíssimo. A regra é bem específica quanto a isso. Qualquer comentário que sugira desonestidade de um árbitro constitui abuso verbal (vejam o trecho no tweet abaixo). Por isso, Ramos puniu a tenista com "abuso verbal", e a terceira violação ao código de conduta significa a perda de um game. O placar foi de 4/3 para 5/3 a favor de Osaka.

Se alguém achou que Ramos foi rigoroso demais, basta pesquisar e ver que casos semelhantes tiveram tratamento parecido. É famoso o episódio em que John McEnroe foi "expulso" nas oitavas de final do Australian Open de 1990 por três violações. Um por intimidar uma juíza de linha, outro por quebrar a raquete e o último por abuso verbal. Outro caso que repercutiu muito na época foi o de Jeff Tarango, em Wimbledon/1995, que levou um point penalty (era a segunda violação) após chamar o árbitro de "o oficial mais corrupto do esporte". Sem discussão.

Diante de um caso desses, é também inevitável lembrar das cenas lamentáveis anteriores envolvendo Serena Williams no US Open. A primeira ocorreu na semifinal de 2009, contra Kim Clijsters, que tinha match point. A segunda foi na final de 2011, contra Sam Stosur, que venceu o primeiro set por 6/2. Três episódios no mesmo estádio, sempre com Serena atrás no placar.

2009: Semifinal contra Kim Clijsters – Serena sacava com match point contra

Em 2009, diante de Kim Clijsters na semifinal do torneio, Serena Williams levou um point penalty no match point. Depois de uma chamada de foot fault (pisou na linha durante o saque), a americana ameaçou a juíza de linha, que a denunciou à árbitra de cadeira. As cenas depois disso são até parecidas com as de 2018. O árbitro geral do torneio [o mesmo Brian Earley de hoje] entra na quadra, conversa com a juíza de linha e a árbitr. Entre outras coisas, Serena diz "muitas pessoas falam coisas muito piores", "eu não disse que mataria você. Você está falando sério?"

2011: Final contra Sam Stosur – Serena perdeu o primeiro set por 6/2

Na final de 2011, depois de perder o primeiro set por 6/2 (mesmo placar da final de 2018), Serena é advertida com uma marcação de "hindrance" – interferência apontada nesse caso porque a americana gritou "Come on" no meio do ponto, quando a bola ainda estava em jogo. Em sua reclamação com a árbitra de cadeira, a grega Eva Asderaki, Serena pergunta "não foi você que me prejudicou da última vez?" entre outras coisas ditas longe do microfone. Em outras viradas de lado, Serena ainda disse coisas do tipo "você é uma hater", "pouco atraente por dentro", "eu nunca reclamo", "uma violação porque eu expresso quem eu sou?", "estamos nos EUA da última vez que conferi", "nem olhe para mim porque não estou no clima" e "não olhe na minha direção". Veja a partir de 5'00" do vídeo acima.

Coisas que eu acho que acho:

– Nos três casos acima, Serena estava perdendo os jogos, foi corretamente punida e teve reações desproporcionais. É impossível defendê-la.

– Há várias coisas questionáveis nas regras do tênis e como elas são aplicadas. Quem lê este blog sabe bem da minha implicância com árbitros que aplicam time violations em momentos delicados (em torneios sem shot clock, claro) e que sou contra a entrada de técnicos em quadra. O coaching é daquelas infrações que rolam muito e passam sem punição porque, na maioria das vezes, o árbitro não vê (técnicos costumam se sentar na arquibancada atrás da cadeira do oficial) ou não tem certeza. No caso de Serena, a violação foi clara. Se outros árbitros não punem, não cabe reclamar de Carlos Ramos, que fez seu trabalho.

– Serena argumentou que muitos tenistas dizem coisas muito piores e não são punidos. Notem que ela fez a mesma afirmação em 2009 (quando ameaçou enfiar a bola garganta abaixo da juíza de linha) e em 2018, mas acusando Ramos de sexismo desta vez. Faço dois pontos aqui: se meu vizinho sonega R$ 100 milhões de imposto, eu posso sonegar R$ 100? Acho que não. E nem me daria o direito de culpar a Receita Federal. Por isso, não tiro a razão de Ramos neste sábado. O outro ponto: não me lembro de um tenista chamar um árbitro de ladrão ou corrupto sem ser punido.

– Alguns tenistas, quando furiosos, dizem impropérios em idiomas desconhecidos dos juízes. Nesses casos, obviamente, o árbitro de cadeira não pode punir o que não entende (a não ser que algum dos juízes de linha entenda e faça uma denúncia). É justo com quem só fala inglês? Não, mas é assim que é para todo mundo. Parafraseando o parágrafo acima, não vou culpar o policial que me parou numa blitz da Lei Seca só porque minha vizinha atravessou a cidade dirigindo na canjebrina sem que ninguém a flagrasse.

– É compreensível que Serena, numa final de slam, tenha ficado tão nervosa a ponto de perder a cabeça? Talvez. Para mim, a reação e as acusações são completamente desproporcionais. Vindo de uma atleta tão grande e tão consagrada, foi muito feio. Um papelão que estragou a final dos sonhos de Naomi Osaka, uma menina fofa, excelente tenista, que só vinha fazendo seu papel na quadra. E fazendo melhor do que Serena.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.