Guilherme Clezar: do desânimo à busca por versatilidade com a mente aberta
Alexandre Cossenza
04/10/2017 07h00
Mais pelos motivos errados do que pelos certos, Guilherme Clezar ganhou holofotes indesejados nas últimas semanas. O episódio da Copa Davis em Osaka terminou com muitos comentários negativos e uma multa de US$ 1.500 para o gaúcho de 24 anos. Mas o que ele, Clezar, tirou daquele confronto? E como vem encarando o circuito? Minha visita ao São Paulo Challenger de Tênis, em Campinas, a convite da organização do torneio, era o momento ideal para bater um papo, e foi o que fizemos.
O gaúcho falou sobre a recente parceria com Larri Passos, sobre o momento do tênis brasileiro quase sem torneios no país, a diferença de nível que encontrou quando precisou atuar mais em eventos europeus e, principalmente sobre maturidade. Clezar lembrou do momento duro em que precisou voltar a jogar Futures e de como vem aprendendo a ver o circuito e sua carreira de outra maneira. Do começo ao fim, há várias declarações interessantes. Leiam!
O que se tira dessa viagem para Osaka? Dentro de quadra, fora de quadra, tudo…
(risos) Foi uma semana complicada, né? Não digo no aspecto tenístico. Mais pelas coisas extraquadra que aconteceram, mas já passou. Estou tentando seguir minha vida, que é o que todo mundo está tentando fazer e espero agora poder focar no meu jogo, como eu vinha fazendo. Estava jogando meus Challengers, estava melhorando aos poucos. Aí surgiu a convocação ali, não sei exatamente o que aconteceu, se foi um erro de comunicação ou enfim… Não cabe a mim julgar. Aí fui lá, fiz o melhor que eu pude, acabei cometendo um equívoco, totalmente inconsciente da minha parte, mas agora é vida que segue. Espero que eu possa conseguir o ritmo que eu vinha tendo mais ou menos nos últimos Challengers.
Olhando agora, depois de tudo, você se arrepende de aceitar a convocação?
Ah… Não.
Eu pergunto porque você estava no saibro, na altitude e de repente tem que cruzar o planeta para jogar em quadra dura e com pressão…
Claro, tinha toda essa função ainda. Ter pegado uma coisa que teoricamente era difícil no lugar do Thomaz ou do Rogerinho, que são os melhores tenistas do Brasil, que estão em momento melhor do que o meu, enfim… Mas o João [Zwetsch, capitão da Copa Davis]… Teoricamente, o país precisava de mim. O Feijão estava ali com suas tarefas, a filha dele tinha nascido, era um momento complicado, então acho que ficou complicado de opções para o João. Eu senti, no fundo do meu coração, que eu precisava fazer isso e não me arrependo, não.
Eu lembro que teve gente em rede social perguntando pra mim "o Clezar é o melhor que tem?", e eu disse "entre as opções, é."
(risos)
E ele disse "mas isso é uma merda", e eu disse "esse é que é o problema."
Pois é, não é culpa minha. Infelizmente, é o que nós temos aí.
Falando mais de você agora, 2015 foi o ano que você deu um salto legal, chegou a 153 e comentava-se que você estava para deslanchar e entrar nos 100. E a coisa não foi na direção que, imagino, você queria. O que aconteceu?
É difícil de analisar assim. Tênis é um esporte complexo, você não consegue sempre tirar o teu melhor quando tu quer. Talvez eu fosse ainda um pouco imaturo para as coisas que aconteceram comigo naquela época. Teve também a função de ter muito mais torneios no Brasil e na América do Sul. Querendo ou não, era um pouco mais fácil fazer o que eu faço hoje. Agora tem que ir para a Europa. Todas semanas são muito competitivas. Meus pontos eram basicamente aqui na América do Sul.
Eu vi que em 2013 seu calendário teve 11 Challengers aqui no Brasil.
Em 2015, ainda tinha bastante.
E a gente está em 2017, em outubro, e é o primeiro Challenger no país.
Para nós, dificulta bastante, tanto pela qualidade do jogador como pelo quesito de viagens, gastos, tudo fica um pouco mais difícil. Eu já sabia disso naquela época. Se for ver, meus resultados eram bem ruins na Europa. Acho que eu não tinha quartas de final. E este ano eu estou 230, mas basicamente todos meus torneios foram fora do país. Torneios de nível que, naquela época, eu não ganhava jogo. Não sei se estou jogando melhor ou pior, acho que pelo menos o mesmo nível eu tenha mantido. Talvez eu esteja um pouco melhor, mas os torneios que eu tenho jogado são mais difíceis e meu ranking está um pouco pior, mas não é tanta diferença assim.
E não é só você. Com o fim desses torneios no Brasil, o ranking de muita gente despencou.
É. Excluindo Thomaz e Rogerinho, sim. Não tem mais Future no Brasil também, né? Eu lembro que no ano que eu joguei só Future, que foi o ano que acabei 208, acho, teve 40 semanas de Future no Brasil. Hoje, não tem mais nenhum. É mais uma coisa que complica pro pessoal que está começando a jogar.
Você disse há pouco que talvez fosse fosse imaturo para algumas coisas que aconteceram na sua vida. Que coisas são essas?
Aspectos da quadra mesmo. Eu não sabia controlar muito meus nervos, não sabia jogar muito bem o jogo. Ler o jogo, saber os momentos em que "agora tenho que pagar um pouco mais pra ver, agora tem que atacar um pouco mais". Julgo eu que não sabia controlar muito meus nervos. Ficava muito nervoso para jogar, isso acabava refletindo na qualidade do que eu apresentava em quadra muitas vezes. Acho que a imaturidade e muito mais nesse sentido. Obviamente, você vai ganhando experiência e tu vê que vai ganhar um jogo e não vai ser o Federer e tu vai perder e não vai ser o pior jogador do mundo. É vida que vai seguindo. Tem que jogar jogo a jogo, ponto a ponto. Perdeu, não é o fim do mundo. Tem o dia de amanhã. Essas coisas eu ainda venho aprendendo a lidar um pouco melhor.
Não sei se você lembra exatamente, mas um ano atrás você estava numa sequência que terminou com seis derrotas seguidas. Começou com o US Open e terminou…
Eu furei o quali do US Open e depois perdi o um monte de jogo. Acho que aí foi um pouquinho de erro de calendário. Eu tinha passado o quali do US Open e "pô, estou jogando bem em quadra dura, vou aproveitar essa sequência nos EUA e jogar em quadra dura". Fui jogar lá em vez de jogar na América do Sul. Os torneios lá estavam um pouco mais fortes, mas eram mais homogêneos. Por exemplo: aqui tinha um tenista muito bom, e o último era 400 do mundo. Lá era todo mundo entre 150 e 200. Não tinha nenhum furo na chave. Acabou acontecendo isso. Eu também nunca tinha ido jogar lá, tinha vontade de conhecer esses torneios… Não me arrependo. Foi uma experiência que eu tive. Não foi das mais felizes, mas eu precisava passar por aquilo em algum momento.
E qual foi o momento mais duro dessa queda no ranking? Foi quando você teve que voltar a jogar Future?
Acho que sim. O pior não foi nem eu jogar. O pior foi quando eu perdi. Nossa, foi uma coisa assim… Dava vontade de dizer "Meu deus, o que estou fazendo aqui? Vou voltar pra casa no próximo voo que isso não é pra mim."
Bate meio que uma deprê nessa hora, né?
Bate, bate, bate… Forte! Pesado.
E como se sai disso? A motivação é "quero sair daqui, então preciso ganhar"?
Eu tinha esse pensamento, mas aí como comecei a jogar esses torneios, eu vi que o nível era bom. Tinha tenista que sabia jogar. Não era só que eu ia chegar lá e ganhar um torneio com a mão nas costas. Pode ver que eu fiquei um mês sem jogar, depois do Challenger de Francavilla. Eu estava bem chateado nessa época. Tinha programado mais dois torneios, mas "não, vou dar um tempo."
E voltou pra casa?
Voltei. Eu estava bem cabisbaixo. Eu precisava ficar um pouco em casa para clarear as ideias. Aí voltei para lá e foi mais relax, assim, sabe? Sem me cobrar tanto. Fui tentando aproveitar um pouco mais. "Vou ver se consigo dar uma volta, ver a cidade, não ficar enclausurado no tênis" porque isso estava me fazendo mal. Minha namorada foi comigo, ficou duas semanas lá, ficou super legal. Joguei melhor, estava com a cabeça mais tranquila. É isso que eu tenho tentado fazer. Não ter cobranças tão excessivas sobre mim, aproveitar o circuito, aproveitar os torneios… Isso é uma coisa que vai acabar em algum momento, né? Não vou poder fazer a vida inteira.
O Larri entrou no cenário quando?
Lá na Austrália, eu ainda estava com meu antigo treinador, o Pablo Fuente, um argentino. O Larri estava lá com a Alizé Lim, aí eu estava sozinho porque é complicado levar um treinador para a Austrália. Os gastos são impressionantes. O Larri disse "estou só com a Alizé, vi que tu tá sozinho, se precisar, te dou uma força…" Eu disse "claro", e gente passou essa semana lá, ele me ajudou nos treinos, e a gente manteve contato. Depois, nesse momento que eu disse que passei um mês em casa, comentei com ele que estava meio desanimado. É ele disse "eu vi, mas é uma fase", e citou um caso de um momento parecido com o Guga. Nesse momento, ele meio que deu uma parada com a menina [Lim] e disse que de repente a gente encaixaria umas semanas. Aí a gente combinou e concilia uma semanas que a gente pode. A gente vai encaixando.
Vocês treinaram semana passada juntos em Camboriú?
Sim. Ele vai embora agora para Miami porque ele tem o compromisso dele com a Sony, e assim a gente vai indo. Eu consigo viajar sozinho e, quando pode, pontualmente, ele me dá uma ajuda. Vamos indo nessa.
O que ele fala mais sobre o seu jogo? É um trabalho mais técnico ou mais mental?
A gente trabalhou nesse primeiro momento algumas coisas técnicas. Tenho que melhorar um pouco meu slice tentei variar mais as alturas do jogo, preciso tentar abrir um pouco mais os espaços na quadra. Vou trabalhar um pouco essas coisas. No aspecto mental, ele também fala bastante que eu tenho que me bancar um pouco mais, acreditar que eu posso galgar coisas maiores. Está sendo um trabalho legal. Além de tudo, a gente se deu super bem como pessoas. A gente sai pra jantar e conversa o tempo inteiro. É uma relação muito boa.
Comparando com três, quatro anos atrás, você se vê muito diferente? Muito mais tranquilo em quadra?
Eu me vejo com a mente mais aberta. Tênis é muito do dia a dia. Tem dias que você está jogando bem e vai ter que ganhar ou dias que está jogando mal e vai ter que encontrar um jeito de ganhar. Nesses Futures que eu te falei, eu via todo mundo batendo bola e todo mundo jogava bem. Foi aí que eu me dei conta que preciso trabalhar variações no meu jogo. Não posso só jogar igual. Tenho que dar slice, tenho que ir à rede, tenho que dar balão, sei lá. Ter mais opções de jogo. Isso me deu uma motivação para evoluir nessas coisas. Eu não trabalhava assim. Nessa época, eu estava muito burocrático, não tinha muita variação, e isso me fez falta. Ainda tenho 24 anos, tenho tempo para melhorar essas coisas.
Eu lembro de um jogo seu no Rio, contra o Thiemo De Bakker, em que você ganhou o primeiro set…
E perdi 6/2 e 6/1.
Eu fiquei com a impressão que você passou da metade do segundo set até o fim do jogo brigando mais com você mesmo do que pensando no jogo.
É, é que eu tive tantas fases assim… Mas agora estou tão tranquilo… Não me estresso com árbitro, adversário, nada. Sem reclamar, aproveitando o jogo. Até se você pegar o jogo inteiro da Copa Davis, eu não dei um pio em nenhum momento. A única coisa que ficou marcada foi aquele gesto infeliz. Até o cara da ITF veio comentar "poxa, você não fez nada o jogo inteiro…" De repente, por estar tão assim, tão tranquilo, acabei fazendo aquilo. E acabou dando toda essa coisa que deu. Foi uma infelicidade. Mas é isso. Estou tentando manter a mente mais aberta.
Sobre o autor
Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org
Sobre o blog
Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.