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Conversas curiosas e inconclusivas, parte III

Alexandre Cossenza

21/08/2017 11h32

O diálogo a seguir aconteceu (ou não) numa rede social. Duas pessoas, identificadas aqui como Catê Imoso e Jessé Tico, discutiam a volta de Rafael Nadal ao topo do ranking mundial. Hoje com 31 anos, o tenista espanhol ocupou o posto de número 1 do planeta pela última vez em julho de 2014. A semana que começa nesta segunda-feira, 21 de agosto de 2017, é sua 141ª como líder da lista da ATP. Nos últimos nove anos, apenas Novak Djokovic ficou mais tempo como número 1 do que Rafa Nadal.

Jessé: Você viu? Nadal é número 1 outra vez! Que coisa fantástica.
Catê: E daí?

Jessé: Como assim "e daí"? O cara tem 31 anos, as pessoas estão há dois anos dizendo que ele estava acabado, e olha aí!
Catê: Sorte.

Jessé: "Sorte:"? Você endoidou?
Catê: Sorte. Só chegou a número 1 porque Federer se machucou e jogou pouco.

Jessé: Não entendi.
Catê: Simples. Federer não jogou o segundo semestre de 2016, então ele não soma nada no ranking por esse período inteiro. Além disso, ele disputou poucos torneios em 2017. Só por isso está atrás de Nadal.

Jessé: Eu entendo seu raciocínio, mas…
Catê: (interrompendo) E, mesmo assim, mesmo com esse calendário pequeno, se Federer não tivesse se machucado em Montreal, teria conquistado o número 1 em Cincinnati. Ele é claramente o melhor tenista de 2017.

Jessé: Olha, eu concordo com você que ele é o melhor tenista de 2017, mas…
Catê: (interrompendo de novo) Mas o quê? Não tem desculpa. Acabou a freguesia. Ele ganhou três vezes do seu espanhol.

Jessé: Verdade, ganhou. Mas não estou discutindo nem diminuindo os méritos do Federer em 2017. Estou só dizendo que Nadal fez algo enorme e mereceu, sim, voltar ao número 1. Mesmo que perca a posição na semana que vem.
Catê: Mereceu??? Como mereceu se o outro se machucou?

Jessé: Ah, não acredito que você vai dar essa desculpa de lesão.
Catê: Não é desculpa. É fato.

Jessé: Peraí, agora mudou tudo. Um fã de Federer vai querer me dizer que Nadal não tem mérito porque o suíço se lesionou?
Catê: Exatamente. Se Federer não tivesse se lesionado, já seria número 1.

Jessé: Isso muda tudo.
Catê: Claro. Muda o ranking completamente.

Jessé: Você quer mesmo insistir nessa linha de argumentação?
Catê: Claro. É o justo.

Jessé: Então tá. Vamos fazer uma continha aqui…
Catê: Pode fazer a conta que você quiser. Federer é o melhor da história e nenhuma conta vai mudar isso.

Jessé: Tudo bem, mas deixa eu tentar raciocinar de acordo com a sua lógica.
Catê: Vai. Vê se aprende.

Jessé: Vamos pensar num caso parecido aqui… Em 2009, Nadal jogou Roland Garros lesionado e ficou fora de Wimbledon. Aí Federer virou número 1, certo?
Catê: Certo.

Jessé: Federer não teve mérito?
Catê: Claro que teve. Ele foi lá e ganhou Roland Garros e Wimbledon.

Jessé: Mas, segundo a sua lógica, isso aconteceu "porque Nadal se lesionou".
Catê: Não interessa.

Jessé: Aaaaaah, viu só? E tem mais! Esse raciocínio de "fulano ganhou porque o outro se machucou" faria um estrago danado nos números do seu suíço, viu?
Catê: Como assim?

Jessé: Olha só… Nadal não jogou o ATP Finals de 2008, deixou de ganhar Roland Garros em 2009 e ficou fora de Wimbledon, onde ele foi vice em 2006, 2007 e 2011 e foi campeão em 2008 e 2010. Além disso, Nadal se machucou no Australian Open de 2010. Tudo isso ajudou Federer a assumir e se manter como número 1 do mundo de julho de 2009 até junho de 2010.
Catê: E daí?

Jessé: E daí que se não fosse esse período, Federer não teria quebrado o recorde de Sampras de mais tempo como número 1. O americano teve 286. Seu suíço, que chegou a 302, teria apenas 254 semanas. Viu como faz diferença? É um dos maiores recordes da carreira dele.
Catê: Nem ligo pra um recordezinho. Federer tem tantos recordes que é incontestável seu lugar como maior tenista da história.

Jessé: A gente já discutiu isso antes, não?
Catê: Já, e você continua teimando que isso não existe.

Jessé: Não vou entrar nesse mérito agora, mas quer ver outro número interessante?
Catê: Hum. Diz aí.

Jessé: Se não fosse esse período que Federer foi número 1 por causa das lesões de Nadal, ele teria ficado apenas 17 semanas como líder do ranking nos últimos nove anos. NOVE ANOS, amigo.
Catê: Nove, é?

Jessé: É. E olha só que interessante: Com essas 17 semanas, o seu Federer, que você chama de melhor da história, teria ficado menos tempo como número 1 do que outros três tenistas nesse período. De agosto de 2008 até hoje, Djokovic ficou 223 semanas como número 1. Nadal ficou 141 e, não fosse a lesão, teria ficado 189. E Andy Murray, aquele cara que você diz que nem merece estar no Big Four, ficou 41 semanas. Mais do que o dobro do suíço se não fosse essa lesão de Nadal.
Catê: Mas Nadal se machucou, e Federer não tem nada a ver com isso.

Jessé: Pois é. Federer se machucou em 2016, e agora é Nadal que não tem nada a ver com isso. Número 1 com muito mérito.
Catê: Peraí que vou ali abrir uma cerveja (desconecta).

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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