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Saque e Voleio

Conversas curiosas e inconclusivas, parte II

Alexandre Cossenza

14/12/2015 08h00

No bar de um famoso clube, tenistas amadores discutiam os méritos de Gustavo Kuerten até que o assunto "Roger Federer como melhor de todos os tempos" veio à tona. O diálogo entre os amigos identificados aqui como Catê Imoso e Jessé Tico começou no post da semana passada e continua a seguir…

Catê: Qual o problema agora?
Jessé: O mesmo de sempre.

C: Não entendi.
J: Sua necessidade de usar "melhor de todos os tempos" nas frases.

C: Você não acha que Federer é o melhor da história?
J: Eu não disse isso.

C: Você não disse nada.
J: É verdade (risos sonsos).

C: Então quem você acha que é o melhor?
J: Ninguém.

C: Como assim?
J: Não dá para estabelecer, não dá para comparar.

C: Mas os números do Federer são imbatíveis!
J: Será? Você realmente acha isso?

C: Ele ganhou 17 Slams, mais do que qualquer outro.
J: É verdade, mas quantos Grand Slams de fato ele completou?

C: Ele ganhou três Slams no mesmo ano algumas vezes.
J: Pois é. Rod Laver fechou o Slam duas vezes. Ganhou os quatro em 1962 e 1969.

C: Mas Laver nem chegou perto de ganhar 17 Slams!
J: Verdade, ele ganhou 11, mas ficou cinco anos proibido de jogar Slams porque se profissionalizou. Imagina quantos Slams ele teria vencido nesses cinco anos!

C: Mas aí você está especulando.
J: Verdade, estou. A gente nunca vai saber. Mas o que quero dizer é que esse número de 17 Slams não prova essa supremacia absoluta que você prega. E tem a questão da porcentagem, que…

C: (interrompendo) Que porcentagem?
J: (pesquisando no celular) Federer ganhou 17 Slams, mas jogou 66, o que dá um aproveitamento de 25,7%

C: Ou seja, a cada quatro Slams disputados, ele ganhou um! Isso é espetacular.
J: Sim, mas Nadal, por exemplo…

C: (interrompendo outra vez) Isso aí é baloeiro, rapaz! Maratonista empurrador de bola! Jogo feio.
J: Bom eu discordo da sua avaliação sobre o jogo dele, mas eu ia citar um número só.

C: Que número?
J: Nadal ganhou 14 Slams em 43 disputados. Ou seja, 32,5% de aproveitamento. É um número bem maior que o do Federer.

C: Federer não tem culpa se esse baloeiro vive machucado.
J: É verdade, mas eu não menosprezaria tanto Nadal se fosse você.

C: Por quê?
J: Porque isso não ajuda seu argumento.

C: Meu argumento é que Federer é o melhor da história. Nadal nem chega perto.
J: Tudo bem, mas faz sentido dizer que o melhor tenista da história jogou 34 vezes e perdeu 23 para um baloeiro, maratonista e empurrador de bola?

C: Mas a maioria desses jogos foi no saibro.
J: É verdade, mas repito. Abre aspas, o melhor da história, fecha aspas, pode perder tanto para um baloeiro-maratonista-empurrador-de-bola? Não sei. Acho que seu argumento se perde aí.

C: Tudo bem, eu admito, Nadal é um bom tenista.
J: E tem a questão do indoor, né?

C: Como assim? Federer atropela ele no indoor.
J: Justamente por isso. Se você descontar o saibro, que é a melhor condição para Nadal, e o indoor, que é a melhor condição para Federer, como fica essa conta?

C: Não sei. Quanto?
J: Deixa ver no Google (abrindo o celular)… 9 a 4!

C: Você está querendo dizer que Nadal é melhor que Federer?
J: Não.

C: Então o que quer com esses números?
J: Te mostrar que os números também podem jogar contra seu argumento de "melhor da história". E tem outra pergunta que não quer calar, né?

C: Hum. Qual?
J: O melhor da história pode ter retrospecto tão negativo contra um rival de sua geração?

C: Mas Nadal é muito mais novo que ele. Não é a mesma geração!
J: Você está querendo dizer que dois caras que se enfrentam todos os anos há 12 anos não estão na mesma geração?

C: É que Nadal leva vantagem por ser mais novo e ter mais perna.
J: Esse também é um argumento discutível e derrubável.

C: Por quê?
J: Porque Nadal tinha 17 anos e pouquíssima experiência quando enfrentou Federer pela primeira vez. O suíço, inclusive, já era número 1 do mundo e campeão de Slam. Estava no auge, voando, e já perdia do espanhol.

C: Não entendi aonde você quer chegar.
J: Simples. A idade, que você argumenta, deveria pesar a favor de Federer quando Nadal ainda estava se desenvolvendo no circuito. Mesmo assim, Nadal sempre teve vantagem nos confrontos diretos. Desde aquela época.

C: Eu discordo de você.
J: Tudo bem. Eu não disse que é a verdade absoluta. Só disse que seu argumento era questionável. É questão de opinião mesmo. E olhe que nem citei Djokovic…

C: O que tem Djokovic?
J: É um ano mais novo que Nadal. Penou contra Federer nos primeiros ano da carreira. Ou seja, a experiência do suíço pesava contra o sérvio. E olha o retrospecto dos dois hoje em dia…

C: Estão empatados!
J: Pois é. Volto àquela linha de raciocínio: alguém pode ser o melhor da história quando não tem vantagem nos confrontos diretos nem contra os caras da geração dele?

C: Mas Djokovic não é da geração dele!
J: São quase seis anos de diferença entre eles, mas foram 44 jogos em dez anos. Não sei se é justo dizer que eles são de gerações diferentes.

C: Mas a diferença de idade é enorme.
J: É, mas a gente já discutiu isso, né? Se Federer continua fazendo final de Slam contra Djokovic até hoje, a gente não pode colocar os dois em gerações diferentes.

C: Mas isso só acontece porque Federer é um fenômeno e continua jogando um tênis espetacular aos 34 anos.
J: Nisso eu concordo.

C: Ufa, concordamos em algo!
J: Concordamos! Só que ainda não cheguei no dilema Djokovic.

C: Calma, vamos ali jogar um setzinho antes?
J: Vamos!

(continua em um post futuro)

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.