Quando a história mudou
Alexandre Cossenza
21/01/2014 11h59
Desde 2006, eram 14 vitórias seguidas sobre o adversário. As últimas duas de Grand Slam (Melbourne e Nova York em 2013) terminaram em cinco sets. Desde o ano passado, eram 28 triunfos consecutivos. Em Melbourne, desde 2011, eram 25 partidas com comemoração no fim. Não, não parecia que Novak Djokovic seria derrotado por Stanislas Wawrinka. Não pelo freguês. Não pelo rival que já parecia esgotado após 4h de jogo nesta terça-feira. Não por um oponente com uma longa lista de derrotas doloridas no currículo. Hoje não? Hoje sim! Neste 21 de janeiro de 2014, a história mudou. E como mudou!
E de que maneira! Depois de quatro árduos sets e de uma inesperada (ainda que breve) chuva na parcial decisiva, Djokovic e Wawrinka duelavam brilhantemente. O suíço parecia pregado, já não corria com a velocidade dos sets iniciais, mas se sustentava porque seus golpes do fundo de quadra seguiam sólidos. Nole, por sua vez, compensava a imprecisão de golpes com defesas elásticas e devoluções de saque improváveis. Até que aconteceu o inacreditável. Sacando em 7/8, 30/30, o número 2 do mundo cometeu duas falhas imperdoáveis. Veja no vídeo.
E assim, senhores, a história mudou.
E começou a mudar quando o habitualmente agressivo Wawrinka resolveu bater um pouco menos na bola. Depois de um set inicial abaixo do esperado, com 16 erros não forçados, Stan tentou calibrar os golpes, encontrar um ritmo capaz de levar um jogo contra um adversário tão perigoso. Tática perfeita, execução idem. E bastou uma quebra no sétimo game para despertar a esperança – de todos. Quando o suíço venceu a parcial e empatou o jogo, voltava à mente do público a lembrança do jogaço de 2013, que terminou com o sérvio vencendo por 12/10 no quinto set.
Wawrinka encontrou um ritmo fantástico. E não só isso: no segundo e terceiro sets, foi impecável mesmo quando sacou pressionado. Em quatro vezes, viu-se com 0/30 no placar. Nas quatro vezes, encontrou um ace, dois aces, uma direita vencedora, uma subida à rede, uma esquerda na paralela… Stan fez de tudo. Levantou a Rod Laver Arena, deixou todos nas beiras de seus sofás, poltronas, cadeiras. Fez até eu abrir uma cerveja às 8h. E, claro, fez Roger Federer tuitar.
Nole forçou o quinto set e quebrou Wawrinka cedo: 2/1 e saque para o sérvio, que parecia forte como sempre. Depois de uma virada dessas, o triunfo obviamente estava assegurado. Afinal, o adversário não era forte mentalmente, certo? Errado. Muito errado! Nole jogou um game ruim: 2/2. Stan estava de volta. Visivelmente desgastado, mas lutando com todas as forças, com saques fazendo estrago, com forehands jogando o oponente de um lado ao outro. Sim, Stan estava de volta. E precisava ser assim, com drama, com o improvável, com a chuva interrompendo o duelo quando o placar mostrava 5/5. Sim. Para compensar os sete anos, as 14 derrotas seguidas, os dois traumatizantes quintos sets, precisava ser assim. E aconteceu, da forma mais inacreditável possível. Com Djokovic, um dos melhores e mais bravos tenistas de nossos tempos, falhando em dois lances bobos, banais. Errou uma curta por muito, errou um voleio com a quadra aberta. E com dois lances inconcebíveis, acabou: 2/6, 6/4, 6/2, 3/6 e 9/7. Foi assim, porque precisava ser assim, que a história mudou.
So deserving for Stan the man #nevergiveup #whatamatch #sohappy
— Roger Federer (@rogerfederer) January 21, 2014
Sem ir na toalha (para ler em até 20 segundos):
– Hoje, a diferença de Nadal para Djokovic no ranking é de 870 pontos. Com a eliminação do sérvio, que defendia o título, o espanhol já tem garantidos 2.870 pontos de vantagem. Caso seja campeão, Rafa terá 4.510 pontos a mais do que Djokovic, uma distância que, fora um afastamento por lesão, deve lhe manter na liderança até depois de WImbledon.
– David Ferrer perderá o posto de número 3 do mundo. A posição ainda não tem dono, podendo ficar com Juan Martín Del Potro, Andy Murray, Tomas Berdych, Stanislas Wawrinka ou Roger Federer.
– Djokovic vinha de 14 semifinais de Grand Slam consecutivas. Desde Roland Garros/2010, quando foi derrotado por Jurgen Melzer, também em cinco sets, o sérvio sempre esteve entre os quatro melhores nos Majors. É a segunda maior sequência da história. O recorde, 23, é de Roger Federer.
Coisas que eu acho que acho:
– Obrigado, Papai Noel. Já posso riscar o penúltimo item da lista.
– Alguém antes do torneio apostaria em uma semifinal com Wawrinka e Berdych? Pois é. Este Australian Open fica mais interessante a cada dia que passa. E do outro lado da chave, ainda nas quartas, restam Nadal x Dimitrov e Federer x Murray. Quem quiser palpitar, fique à vontade para usar a caixinha.
Sobre o autor
Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org
Sobre o blog
Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.