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Saque e Voleio

Federer e Nadal unem forças na política (e, possivelmente, contra Djokovic)

Alexandre Cossenza

14/08/2019 10h44

No que diz respeito ao conturbado cenário político da ATP, a grande notícia da última semana foi a volta de Roger Federer e Rafael Nadal ao Conselho de Jogadores, atualmente presidido por Novak Djokovic. Os dois, juntamente com Jurgen Melzer, entram nos lugares de Jamie Murray, Robin Haase e Sergiy Stakhovasky, que pediram para sair após uma reunião não-tão-amistosa em Wimbledon, quando foi decidido o substituto de Justin Gimelstob como representante dos jogadores na diretoria (Board) da ATP.

Rafa comentou o assunto na semana passada, em uma coletiva durante o Masters de Montreal. Agora, no Masters de Cincinnati, foi a vez de Federer e Djokovic falarem sobre o momento político. Todos os três adotaram discursos polidos, mas é possível ler nas entrelinhas (e também no que não foi dito) qual é exatamente a dimensão do dilema, e tudo leva a crer que Rafa e Roger entram em uma disputa de poder com Nole – não pela presidência do Conselho, mas para influenciar decisões que, recentemente, não vêm sendo tomadas ao gosto da dupla Fedal.

O mais forte indício disso é que Federer e Nadal deixaram algo bem claro: um só voltaria ao Conselho se o outro também retornasse. Não me parece questão de ego ou dividir tarefas, mas simplesmente de juntar forças. Talvez Federer, sozinho, não teria o poder de persuasão para virar a mesa em determinadas questões. Rafa, certamente, não teria. Juntos, porém, o cenário é outro.

Comunicação

A divisão política na ATP ficou clara em março, durante o Masters de Indian Wells, quando foi decidido que o presidente da entidade, Chris Kermode, não teria seu contrato renovado. Embora não tenha falado publicamente, Novak Djokovic era contra a continuidade do cartola. Rafa e Roger eram a favor. Na ocasião, ambos reclamaram que não foram consultados. Ontem, em Cincy, Federer falou sobre o problema da comunicação, entre outras coisas.

"Quando eu ouvi que alguns caras saíram após uma reunião difícil em Wimbledon…" … "Robin Haase estava lá, e estive conversando com ele nos últimos anos para saber o que rolava no Conselho. Ele me informava. Meu primeiro pensamento foi 'Que pena. Não é bom que exista a vibe incorreta, potencialmente, no Conselho.' … Conversei com Rafa e falei 'não sei, podemos pelo menos estar no Conselho, ver o que está acontecendo e se podemos ajudar com algo.' Existem problemas de comunicação, talvez? É isso que eu acho que está faltando mais. E talvez o que esteja acontecendo seja o certo, mas talvez seja completamente errado. Acho que é uma época importante e pode ser errado ficar fora." … "No fim, o Conselho nos escolheu. Eles poderiam facilmente ter dito 'não'. É claro que não pegaria bem para eles, mas eles ainda tinham esse poder e, certamente, outros nomes em mente. Provavelmente, não esperavam que quiséssemos. Mas no fim, Rafa disse 'sim', os caras disseram 'sim' e teremos nossa primeira reunião antes do US Open."

O caso Gimelstob

Se Indian Wells marcou o começo da crise, o caso de agressão de Justin Gimelstob estabeleceu outro momento crucial no cenário político da ATP. Um dos três representantes dos jogadores no Board, o ex-tenista americano foi levado à Justiça em um caso seríssimo de agressão física, em que socou a nuca de um senhor uma dúzia de vezes em frente à esposa e à filha de 2 anos da vítima (ouça em detalhes no podcast Quadra 18). Enquanto nomes de peso como Andy Murray e Stan Wawrinka pediam a saída de Gimelstob, Djokovic, o presidente do Conselho, ressaltava as qualidades de Gimelstob e sua capacidade de brigar pelos atletas nos bastidores do tênis.

Na prática, enquanto Gimelstob permanecia no cargo as vésperas de uma votação que definiria seu futuro, a disputa política tornou-se uma espécie de brigas entre moral e dinheiro. Quem estava mais preocupado com prize money e a disputa com os torneios por mais dinheiro ficou do lado de Djokovic (e, claro, Gimelstob). Os mais preocupados com valores éticos, do outro. No fim das contas, Gimelstob pediu para sair por conta própria, mas o estrago já estava feito. O Conselho estava mais dividido do que nunca. E, no fim, o eleito para substituir Justin no Board foi o ex-tenista Weller Evans, conhecido amigo de Gimelstob. O grupo de oposição, do qual faziam parte Murray, Stakhovsky e Haase, apoiava Nicolás Lapentti e saiu derrotado. Foi essa votação que frustrou os três que deixaram seus cargos.

Transparência

E Djokovic, aliás, segue evitando criticar Gimelstob publicamente. Sempre reforçando que o americano era um importante "ativo" dos tenistas nas conversas por mais premiação, o sérvio disse até que não chegou a ler, meses depois da publicação, os relatos sobre o caso de agressão de Justin. O sérvio, é bom lembrar, não só não admitiu sua posição contra Kermode lá atrás, em Indian Wells, como também não quis revelar sua opinião na votação para o substituto de Gimelstob.

É provavelmente esse tipo de postura que Federer aborda (e não só ela!) quando diz que é preciso melhorar a comunicação. Por que não se pode saber a opinião do presidente do Conselho? Qual o motivo do mistério sobre quem votou em quem (relatos dizem que houve um empate em 5-5 na reunião de Wimbledon, que teria durado 5h)? Quem ganha com isso?

O que muda?

As maiores decisões – como no caso de Kermode – não são tomadas pelo Conselho, mas pelos representantes dos jogadores no Board. O Conselho, porém, faz a sua recomendação. Quando há um impasse entre os Jogadores, a responsabilidade é do Board (foi o que aconteceu no caso Kermode, quando Nole era contra a permanência do dirigente, mas o Conselho estava dividido).

Suponhamos que o Conselho siga dividido, com a "turma" de Djokovic mantendo os cinco votos, e Rafa-Roger-Melzer chegando para recompor os cinco votos da "oposição". Será que o Board voltaria a votar com Nole tendo Nadal e Federer do outro lado? Tenho aqui minhas dúvidas.

Além disso, vale imaginar a influência que Rafa e Roger terão na composição do próximo Conselho. A turma atual fica até Wimbledon 2020. Depois disso, tudo pode mudar. Quem fica? Quem sai? Qual será o legado da dupla neste período de pouco menos de um ano? A próxima reunião, pouco antes do US Open, talvez deixe as coisas mais claras. A conferir…

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.