Topo

Saque e Voleio

Sobre valores, conflitos de interesse e agendas pessoais

Alexandre Cossenza

06/05/2019 07h00

Sir,

Os últimos seis meses foram agitados para a ATP e o tênis profissional masculino. Infelizmente, a política roubou os holofotes do que aconteceu dentro de quadra, e me sinto compelido a expressar minha opinião sobre este período deplorável de nosso esporte. Este episódio deixou muitos jogadores, inclusive eu, preocupados com a direção que o tênis está tomando.

Comecei a jogar com 6 anos, filho de um fazendeiro. Meus pais e este esporte me ensinaram valores verdadeiros como lutar com paixão, comprometimento e determinação, mas sobretudo com integridade e honestidade. Sempre aprendi a defender o que acredito, e acredito que qualquer um ligado ao tênis deveria abraçar esses valores.

O que testemunhei nos últimos meses foi um preocupante declínio de padrões morais.

Estou aliviado com o fato de que Justin Gimelstob finalmente teve a decência de deixar a diretoria da ATP após ser condenado por agressão, mas estou desolado com o quanto isso demorou para acontecer. Também me preocupo com os muitos dentro deste esporte que acreditam que esse episódio está terminado e estão simplesmente aliviados de terem evitado repercussão negativa contra si mesmos na imprensa. Isso não é o suficiente. Somos TODOS responsáveis e devemos TODOS aprender com isso.

Não há lugar em nosso esporte para quem se comporta como Justin. A falta de respostas das pessoas envolvidas no esporte, especialmente no começo dessa saga, quando ele foi acusado em dezembro, foi alarmante. É uma situação em que o silêncio significa cumplicidade.

Meus colegas tenistas no conselho nunca deveriam ter sido colocados em uma posição em que eles teriam a responsabilidade de decidir se Justin deveria continuar em seu cargo. É dever dos representantes na diretoria liderar por exemplo e proteger os jogadores. Eles deveriam imediatamente ter gerenciado essa controvérsia. Em vez disso, vergonhosamente votaram em dezembro para que Justin continuasse a exercer suas funções.

Muitos tenistas não se sentiram representados devidamente nos últimos meses, período em que muito aconteceu politicamente. Concordo com eles. Não quero estar associado a ninguém que tenha participado disso, muito menos ser representado por eles. Quero ser representado por pessoas com valores éticos claros e fortes.

Algumas pessoas acreditam que a estrutura de governança da ATP não funciona, que é muito complexa, que é impossível representar tanto tenistas quanto torneios. Mas eu acredito fundamentalmente nesse sistema. A culpa não está na estrutura, mas no calibre das pessoas dentro dela. Há vários conflitos de interesse para abordar no esporte como um todo.

Tênis é um esporte egoísta. As pessoas estão inerentemente preocupadas demais com seus próprios interesses. Isso, inevitavelmente, causa problemas na gerência do circuito, o que aumentou nos últimos meses.

No fim do ano passado, vimos resultados recordes para a ATP e o tênis masculino. Agora olhem para nós. Este caos político é causado por um punhado de pessoas com agendas pessoais e, de forma ainda mais preocupante, sem plano alternativo para dar sequência à sua conspiração para remover Chris Kermode, presidente e executivo-chefe, este ano.

Essas questões morais não existem só no tênis. De fato, parece que hoje em dia a cada vez que se abre um jornal, outro escândalo está se desdobrando, seja no política, em Hollywood ou no mundo corporativo. É mais importante do que nunca que uma plataforma pública lidere dando o exemplo e demonstre valores de verdade – honestidade, bondade, confiança, amizade.

Não sou perfeito, nem como homem nem como atleta. Já passei por um divórcio e cometi muitos erros durante minha carreira de 17 anos como profissional.

Mas sou apaixonado pelo tênis, orgulhoso de fazer parte deste grande esporte e determinado a levantar a voz quando observar que estamos nos decepcionando. Este é um esporte com apelo global a homens, mulheres e crianças de todas idades e culturas. Temos a responsabilidade de sermos o melhor que pudermos.

Espero que nosso esporte consiga colocar esse período terrível no passado, caminhe para a frente e abrace o futuro.

Stan Wawrinka, jogador de tênis profissional, Suíça

O jornal britânico "The Times" publicou no último fim de semana a carta acima, escrita por Stan Wawrinka. Reproduzi – em tradução livre – porque, além de abordar um período importante e problemas graves do tênis mundial, é uma mensagem bonita, que serve a todos nós.

Coisas que acho que acho:

– "Somos TODOS responsáveis e devemos TODOS aprender com isso." Vale para tanta coisa na vida, não?

– Quando Wawrinka diz que "algumas pessoas acreditam que a estrutura de governança da ATP não funciona, que é muito complexa, que é impossível representar tanto tenistas quanto torneios", é um recado claro para quem pensa como Djokovic, que fez essa análise naquela coletiva polêmica de Indian Wells (aquela em que ele não quis revelar sua opinião sobre a permanência de Kermode). E Stan está certíssimo ao apontar as tais "agendas pessoais" e os muitos conflitos de interesse no tênis.

– "O silêncio significa cumplicidade." Não consigo ler isso sem pensar no momento do tênis brasileiro e nas entrevistas publicadas recentemente aqui no blog, na série 15 Anos do Boicote.

– Exemplos de conflito de interesse no mundo do tênis? Esposa de empresário entrevistando o cliente do marido dentro de quadra, no pós-jogo, em horário nobre; diretor de programa nacional comentando na TV partida de jovem tenista excluído do tal programa; amigo de cartola comentando jogo de Copa Davis e elogiando a entidade comandada pelo amigo; funcionário de federação dando clínica de tênis quando deveria estar em outra cidade, tocando torneio juvenil… A lista é longa e universal.

– No fundo, bem no fundo, tudo volta aos valores. Não importa função, salário, influência, etc. Quem os pratica será respeitado e reconhecido por isso.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.