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Saque e Voleio

A gloriosa leveza de Naomi Osaka

Alexandre Cossenza

09/09/2018 05h30

Pernas velozes, um saque enorme e golpes potentes e precisos dois dois lados. Seu tênis mistura a inteligência de bolas com alta margem de segurança e a potência de quem pode terminar o rali a qualquer instante. Uma mistura letal tem como origem um pai haitiano, uma mãe japonesa e a escola americana de tênis, onde Naomi Osaka vive desde os 3 anos de idade.

Nascida no Japão e residente de Fort Lauderdale, na Flórida, a tímida jovem de 20 anos, que até hoje tem dificuldade de olhar no rosto das pessoas com quem conversa, mostrou todo seu potencial durante os primeiros 40 minutos da final do US. Nesse período, dominou a gigante Serena Williams. Primeiro porque foi melhor do fundo de quadra, suportando a potência da rival e fazendo a americana se mover mais do que o desejado. Segundo porque sacou melhor, disparando contra Serena saques com velocidades que a ex-número 1 do mundo não está acostumada a ver.

De certo modo, Osaka fez Serena provar do próprio veneno. A japonesa não só registrou o serviço mais rápido do duelo (191 km/h, contra 189 km/h do saque mais rápido de Serena), como acumulou média geral mais alta: 174km/h a 170 km/h. E não foi só isso. Enquanto a americana encaixou apenas 55% de primeiro saque (pífios 38% no set inicial), Osaka acertou 73% e ganhou 73% dos pontos quando o fez.

Tecnicamente, Osaka já havia se mostrado capaz de vencer a final deste US Open. Faltava provar que era possível suportar mentalmente a pressão de uma rival buscando uma reação diante de um estádio Arthur Ashe lotado, barulhento (teto fechado) e querendo a vitória de sua compatriota. E isso num contexto em que a japonesa sempre disse abertamente que Serena era uma das maiores inspirações de sua vida. Depois de sua mãe e sua irmã.

A americana começou a tumultuar o jogo (de forma injustificável, como analisei neste post) no início do segundo set. Logo, abriu 3/1. Era o primeiro momento de vulnerabilidade de Osaka. O estádio fazia cada vez mais barulho. Serena disparava "come on" nos momentos mais importantes. A jovem cresceu vendo sua inspiradora vencer jogos assim. Era a hora de mostrar a força mental, ignorar as partidas vistas na TV e encontrar uma saída. Pois Naomi Osaka brilhou gloriosamente nesse momento.

Devolveu a quebra, empatou em 3/3 e, como se estivesse alheia à fúria de Serena com Ramos, soltou uma direita vencedora para chegar a um break point. Outra direita, no ponto seguinte, deixou a rival sem ação junto à rede. Osaka, com 4/3 no placar, só precisaria confirmar seu serviço até conquistar o título. Faltava "apenas" superar os nervos dos momentos decisivos. E foi aí que Serena deu um empurrãozinho, chamando o árbitro de ladrão e tomando um game penalty. Com 5/3, Osaka só tinha mais um game de serviço pela frente.

E esse último game veio, sem drama. Osaka sabia o tamanho de sua tarefa neste sábado. Sabia que precisava deixar de lado a idolatria e competir de igual para igual com a mulher que acompanhou como fã durante anos. Sabia que Serena jogava pelo recorde de 24 slams. Viu os comerciais na TV. Ouvia o estádio lotado. Pois jogou com a leveza dos ignorantes e levantou o troféu merecidamente. Sem discussão.

Coisas que eu acho que acho:

– No vídeo do tweet acima, Osaka disse, com seu jeito tímido: "Quando eu entro na quadra, eu me sinto uma pessoa diferente. Não sou uma fã de Serena, sou uma tenista jogando contra uma tenista de elite." E contou isso com toda simplicidade do mundo, como se fosse algo fácil…

– Quando escrevo "leveza dos ignorantes", digo apenas que Osaka atuou sem peso algum nas costas, como se desconhecesse todos os elementos que lhe dariam uma carga emocional enorme na partida. Não distorçam, por favor.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.