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'Ressurgindo': doc visceral mostra as dores e incertezas de Andy Murray

Alexandre Cossenza

04/12/2019 04h00

Melbourne, 10 de janeiro de 2019. O planeta inteiro viu e se emocionou com a entrevista coletiva de Andy Murray no Australian Open. Antes de estrear no torneio, o britânico foi às lágrimas, contemplou aposentadoria e falou sobre a hipótese de passar por uma segunda e mais delicada cirurgia no quadril. Ali, Murray considerou a possibilidade de se aposentar em Wimbledon deste ano, mas frisou que não havia garantia alguma de que isso seria possível.

Duas horas antes daquela coletiva, porém, ninguém viu o mesmo Andy Murray nervoso, ansioso e inseguro sobre o que e quanto deveria revelar aos jornalistas. Seria mais adequado levar anotações? Ele lembraria o que queria dizer? Talvez o melhor fosse não fazer anúncio algum. É em cenas assim que "Andy Murray: Ressurgindo" (do original Andy Murray: Resurfacing) brilha.

O documentário, lançado há pouco pela Amazon e disponibilizado no Prime Video, seu serviço de filmes e séries sob demanda, mostra a luta do britânico contra uma grave lesão no quadril e é, no fim das contas, uma bela e feliz história sobre a garra de um atleta profissional. Ainda assim, que ninguém se engane: é um filme pesado, de emoções fortes e que mergulha nas incertezas e dores de um Andy Murray que perdeu o posto de número 1 do mundo e precisou lidar com a hipótese de deixar o tênis muito antes do que gostaria.

Trata-se de um documentário feito ao longo de quase dois anos e obviamente realizado com a permissão de Murray e sua família. Não é, contudo, altamente filtrado e marqueteiro como filmes recentes lançados por Maria Sharapova e Serena Williams. A equipe de filmagem acompanha o atleta não só em suas sessões de fisioterapia e treino físico, mas nas consultas médicas, no pré-operatório e até na sala da segunda cirurgia. Andy abre o jogo em momentos de solidão, usando o celular para gravar depoimentos e sensações, e nas conversas com o time, quando era preciso colocar as cartas na mesa e pensar nos próximos passos.

"Ressurgindo" mostra Murray em seu pior – em vários momentos diferentes. Do sofrimento antes da primeira operação, passando pela frustração de não se recuperar como o planejado após a cirurgia e chegando ao sofrimento de disputar o Australian Open de 2019 sem saber o que seria de seu futuro. A reação após um telefonema para Lleyton Hewitt, que também operou o quadril, mas voltou a jogar muito mais rápido, é particularmente doída. As lágrimas no ATP de Washington, quando as dores voltaram com força total e o fim da carreira parecia próximo (enquanto o estádio tocava "Closing Time", do Semisonic), marcam um trecho igualmente forte para o espectador. A sequência ainda inclui um depoimento gravado por Murray, falando para a câmera do celular às 5h da manhã, no quarto do hotel, às lágrimas, dizendo que "estou chegando ao fim e estou muito triste com isso porque queria continuar, mas meu corpo está dizendo 'não', então dói."

O filme é recheado com relatos de Kim, esposa de Andy, e de Judy, mãe do tenista. Jamie, o irmão, também deixa uma mensagem bonita. Durante a 1h48min do documentário, o espectador minimamente sensível é quase forçado a se identificar com o sofrimento de alguém que luta para exercer sua profissão. E, depois de ver tudo que leva o tenista a encarar uma segunda operação – inclusive uma cena com o britânico vendo um vídeo do procedimento, que é altamente invasivo – o fã se sente recompensado com a simples cena de Murray chegando em casa após vencer na primeira rodada de duplas em Queen's. A emoção de vê-lo andando na direção da câmera, sorriso estampado no rosto e dizendo frases como "sem dor" e "sinto que venci", é tão forte quanto qualquer momento ruim da história do escocês.

"Ressurgindo" é visceral nos dois extremos, e é isso que faz do documentário um filme excelente e, mais do que isso, relevante – algo em falta nos docs caça-níqueis que vêm entupindo serviços de vídeo sob demanda. E melhor ainda por se tratar de uma jornada com final feliz. "Ressurgindo" é tão imperdível quanto os próximos capítulos da carreira de Andy Murray.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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