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Uma grande vitória dos 'pequenos'

Alexandre Cossenza

06/08/2019 04h00

No amanhecer deste 5 de agosto, um novo sol brilhou para milhares de tenistas profissionais e juvenis ao redor do globo. Apesar da tremenda pieguice da primeira frase deste texto, a metáfora vale. Na manhã de segunda-feira, a ATP voltou a computar em seu ranking os pontos dos torneios "de entrada" do circuito mundial, os chamados M15 (antes conhecidos como Futures com premiação de US$ 15 mil).

De um dia para o outro, a lista da entidade "ganhou" 1.309 nomes. Os 684 tenistas listados até domingo viraram 1.993 na segunda. E talvez o mais adequado seja dizer que a ATP reposicionou esses mais de mil nomes que foram marginalizados no fim do ano passado. E antes de explicar o tamanho da vitória desses "pequenos" e "desconhecidos", é preciso relatar todo o processo que fez a Associação dos Tenistas Profissionais e a Federação Internacional de Tênis (ITF) agirem como se estivessem acionando uma máquina do tempo fictícia numa caverna alemã.

A intenção das entidades que controlam o tênis era mostrar que não havia tanta gente assim pagando para jogar tênis. Tratava-se de uma reação a alguns estudos que apontavam que, entre os quase dois mil profissionais ranqueados, apenas cerca de 300 conseguiam viver do tênis – e olhe lá. Só que a melhor resposta encontrada pela ITF (em conjunto com ATP e WTA, é bom que se diga) foi diminuir o número de profissionais.

Em um comunicado elitista divulgado no ano passado, a ITF dizia estar criando um processo mais simples e mais viável para os "profissionais de verdade" – sim, a ITF usou essa expressão, dando um tapa na cara das centenas de atletas que, mesmo sem o talento de um top 100, ralam todo dia, dia e noite, para avançar em uma modalidade que amam. O novo e remodelado circuito retirou os pontos somados nos Futures com premiação de US$ 15 mil e passou a somar pontos apenas para quem alcançasse, ao menos, as finais dos torneios com US$ 25 mil em prêmios. Esses seriam os "profissionais de verdade".

E foi assim que as entidades brincaram de Thanos em dezembro do ano passado. Como num estalar de dedos, gente como Rafael Matos, um dos 20 melhores tenistas do Brasil na época, sumiu do ranking. O gaúcho de 23 anos era o #611 da lista antes de virar pó para os senhores do tênis. Durante o W15 de Curitiba, onde estive a convite do Instituto Sports, conversamos sobre isso. Matos, ainda fora do ranking na época, falou sobre a estranheza da situação e como foi acordar excluído do grupo dos "profissionais de verdade".

"Foi meio estranho porque… Sei lá. Teoricamente, eu era e me considero um jogador profissional. Vivo disso, treino bastante todos os dias e no ranking oficial, que é o da ATP, eu não estava mais. Continuei trabalhando igual, não mudei nada, e montei o calendário parecido com o que eu vinha fazendo, com o que eu podia jogar."

Onde jogar era outra grande parte do dilema – e ainda é. Como a ATP praticamente excluiu os qualifyings dos Challengers, impediu que muitos tenistas do nível imediatamente abaixo (os atuais W15 e W25) tentassem saltos rápidos em eventos mais fortes. Os "pequenos", portanto, foram esmagados nos W15 e W25. Subir para os Challengers exigia vencer muito nesses torneios menores e somar pontos no – outra aberração – ranking paralelo da ITF.

A queixa foi geral. Os tenistas marginalizados protestaram, e os promotores de Futures de US$ 15 mil se viram tentando atrair patrocinadores para torneios que nem davam pontos no ranking da ATP. Textões surgiram por toda parte, e abaixo-assinados foram enviados aos senhores do tênis. Se é verdade que evoluímos apenas no precipício, a modalidade chegou ao seu ponto de crise. A lição estava aprendida. Os chefões, enfim, cederam.

Os pontos voltaram aos W15 e W25 – em formato um pouco diferente, mas estão lá, retroativos. Os atletas profissionais – todos eles – estão novamente no ranking. Os qualis dos Challengers não foram restaurados ao que eram antes, mas a ATP terá um Challenger mais "popular" a partir de 2020. Serão os Challengers 50, aprovados para algumas semanas específicas, com premiação de US$ 30 mil.

"Era um pouco injusto. Ficou melhor, com essa diminuição de pontos [W15 e W25 darão menos pontos do que antes em relação aos Challengers]. Antes alguém conseguia chegar a um ranking bem alto, 200-e-alto, só com Future. E agora, com essa mudança, o cara pode chegar a um certo ponto, mas depois vai ter que fazer resultado em Challenger. E esse novo nível de Challenger [CH 50] vai ser bom, vai ajudar bastante quem está no meio do caminho ali", explicou Matos, que voltou ao ranking como #508 – subiu mais de cem posições em relação ao posto antigo graças a bons resultados em torneios da série W15 no primeiro semestre de 2019.

Parece pouco, e para a maioria dos fãs casuais de tênis, será irrelevante. Entretanto, para quem não tem o talento de um Roger Federer e precisa escalar a face mais árdua da montanha para alimentar um sonho – ou apenas ganhar o pão dos idealistas que buscam sobreviver fazendo o que amam – o dia 5 foi especial. Uma grande vitória dos pequenos.

Coisas que eu acho que acho:

– A jogada de marketing das entidades, com a intenção de mostrar em seus PPTs que uma porcentagem maior de profissionais vivia confortavelmente jogando tênis, foi um enorme tiro no pé. Que órgão com a finalidade de estimular o crescimento de uma modalidade pode pensar que o melhor é ter um número menor de atletas?

– Em termos mais mundanos, o que os senhores do tênis fizeram foi como naquele velho exemplo do marido que chega em casa e encontra a mulher com outro no sofá. Para resolver o problema do casamento e não se lembrar mais daquela cena, o cidadão traído jogou fora o sofá.

– Concordo que o ranking só com pontos de Challengers dava uma noção melhor de que atletas pontuavam nos torneios maiores, contra adversários de mais alto nível, mas fazer isso às custas da exclusão de mais de mil atletas foi insano. Parece-me muito mais razoável o cenário atual, com os W15 e W25 distribuindo pontos, mas em uma proporção menor em relação aos Challengers. Lição aprendida.

– O velho papo de "preservem os ricos" porque são eles que empreendem e criam empregos é muito bonito na teoria. Se, na prática, as regras criam um sistema elitista (tanto técnica quanto financeiramente) que permite a geração de subempregos, algo precisa mudar. ATP, ITF e WTA entenderam que a classe na base da pirâmide precisa ter a chance de chegar ao topo.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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