Diagnosticado com depressão, Marcelo Zormann se afasta do tênis
Alexandre Cossenza
02/10/2018 05h00
Como juvenil, Marcelo Zormann foi um dos atletas mais condecorados da história recente do tênis brasileiro. Conquistou o título de Wimbledon nas duplas, ao lado de Orlando Luz e, com o mesmo parceiro, ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude, também em 2014. O jovem nascido em Lins (SP) alcançou a 12ª posição no ranking mundial juvenil e foi uma das maiores promessas do país.
Dentro de quadra, os resultados não vieram com a velocidade desejada. Hoje, com 22 anos, Zormann é o número 857 no ranking mundial. Só que fora da quadra também havia algo errado. Algo que o paulista passou um bom tempo sem entender. Até que, na última semana, o jovem se abriu e foi procurar ajuda. O resultado foi um diagnóstico de depressão moderada e, por isso, Zormann decidiu se afastar do tênis.
Conhecido pelo bom humor (é um dos tenistas mais brincalhões que conheço), o paulista ficará sem competir pelo menos até o fim do ano. É o tempo que ele se dá, pelo menos por enquanto, para botar as coisas em seus devidos lugares e fazer o tratamento correto. Desde a recente decisão de se afastar do circuito, vem aproveitando para retomar os estudos – pretende terminar o Ensino Médio – e usando o tempo livre para jogar Counter Strike – "muito na questão de volume, já que na qualidade estou tentando melhorar ainda" -, ver filmes e séries. "Mas, às vezes, estou vendo uma série, pauso e fico pensando muita coisa. É um pouco estranho, ainda estou meio sem concentração."
Nesta segunda-feira, conversamos na Sociedade Hípica de Campinas, onde o Instituto Sports realiza um torneio da série Challenger (viajei para o torneio a convite do Instituto). Zormann, que está na cidade para acompanhar amigos como Orlandinho e Rafael Matos, contou como foi o processo até o diagnóstico e quais serão seus próximos passos. Tudo começou a vir à tona em julho, quando Zormann viajava sozinho e disputava Futures na Alemanha. Leiam abaixo seu depoimento, separado por tópicos.
A descoberta
Antes de entrar para a primeira rodada na penúltima semana, me veio uma sensação meio de pânico, de tristeza, de "que estou fazendo aqui?", sabe? Eu, por mim, não tinha nem entrado em quadra. Eu estava sozinho, mas na hora mandei mensagem para o Thiago [Alves, treinador] e para o Chico, que é um cara com quem eu fazia trabalho de coaching. Eu lembro de estar muito mal mesmo. Foi um dos piores momentos da minha vida. Mas eu sabia que tinha que seguir. Ganhei ainda um jogo porque o menino era muito fraco mesmo. No outro jogo, o cara era muito melhor, mas eu não tinha condições.
Quando eu voltei, treinei, fiquei um tempo parado e me senti um pouco melhor. Daí eu ia para a Argentina, e decidi não ir de última hora. Já tinha comprado a passagem de ida. Tirei mais meia semana de descanso até que chegou terça-feira passada, e eu vi que não dava mais. Eu senti que, da maneira que estava jogando e treinando, não iria dar certo. Eu não tinha vontade de fazer nada. Não queria sair de casa. Na terça, eu fui treinar de manhã… Estava qualquer coisa assim… E realmente decidi me abrir, falar o que eu achava que tinha. A primeira pessoa foi minha namorada. Eu fui para academia, acabei nem fazendo o físico e liguei para conversar com ela. Foi quando eu realmente peguei e falei. Demorou para eu aceitar que eu realmente tinha isso e também foi um pouco de vergonha. Eu também não queria, tipo, aceitar que isso está acontecendo comigo. "É só um momento", "eu vou conseguir encarar e passar por cima disso."
Na quarta, fui na psicóloga que tem parceria com o centro de treinamento, aí a gente conversou. Eu me abri bastante com ela, falei coisas que não tive coragem de falar nem para minha namorada nem para o meu pai. Ela fez um teste comigo e falou que estou com depressão em nível moderado e também com ansiedade. E foi isso. Ela falou "A melhor coisa que você fez foi ter parado de jogar, dar um tempo." Porque primeiro eu tenho que cuidar disso para, depois, tomar uma decisão se sigo jogando, se realmente paro ou não. Eu tenho a certeza que não tenho condições de tomar uma decisão, sabe? Se alguém chegar agora e falar "Cara, ou você para ou você joga." Hoje, eu não estou bem o suficiente para tomar esse tipo de decisão. Não quero tomar uma decisão precipitada, passar um ano e eu me arrepender. Aí vai ser muito mais difícil eu conseguir voltar a jogar.
Causas que vão além das quadras e dos torneios
Com certeza, eu não ter alcançado certos objetivos e metas que eu tinha no tênis contribuiu para isso. É muito difícil falar "ah, não foi". Mas, com certeza, não é o principal fator, sabe? Não é uma coisa recente. Ano passado, eu já tive alguns momentos assim, de não me sentir bem, de várias vezes acordar para ir treinar e pensar em inventar alguma coisa para não ir treinar, mas porque eu sabia que não estava bem, sabe? Eu só queria ficar em casa, na minha casa. Não queria fazer mais nada. E também por outras coisas. Às vezes, eu combinava de ir para a casa de um amigo… Combinava alguma coisa na segunda para fazer no fim de semana, aí chegava o fim de semana, e eu não queria sair de casa… Acho que isso foi agravando. Não é só tênis. É uma série de coisas, um pouco de tudo.
O primeiro passo foi o mais importante
O mais difícil foi mesmo eu aceitar comigo mesmo. É uma coisa comum e que muita gente tem tabu em aceitar, como eu tive, e por isso resolvi falar abertamente. No começo, quando perguntavam porque não eu estava jogando, dizia que era porque estava machucado. É um pouco complicado sair falando assim para todo mundo. Ms agora estou dando entrevista e falando disso, e não tenho problema. Depressão é uma coisa que muita gente pode ter e não entende ou não aceita e é algo até comum. O quanto antes você procurar ajuda, é melhor. Talvez se eu tivesse feito isso antes, estaria em um grau menor, mas é acontece e faz parte. Não tem problema nenhum você procurar um psicólogo e conversar. É muito bom, um alívio muito grande.
Os sintomas difíceis de entender
Ainda é muito difícil porque… Eu falo "ainda" porque há muito tempo eu sei que tenho essas sensações e não sei lidar com isso. Agora [durante a entrevista] estou muito bem, mas em cinco minutos eu posso me sentir muito mal. Eu acho muito estranho isso porque não é da minha pessoa, sabe? E às vezes acontece. É muito esquisito. Eu não consigo entender. Tem dia que eu acordo muito mal. Eu acabei de acordar, sabe? E como no tênis eu estou acostumado a estar sempre resolvendo problema – é uma característica do tenista porque no jogo você tem muitos problemas a resolver – eu também, fora da quadra, se tem alguma sensação, eu faço isso e melhoro, sabe? São coisas que eu ainda não sei lidar. Tenho que achar alguma forma de combater isso. Mas estou fazendo o tratamento, tomando remédio também, e acho que isso, a longo prazo, daqui a alguns dias, eu acabo melhorando. Também tenho que encontrar formas de sair dessas sensações.
Aceitação da família
Todo mundo me apoiou muito e entendeu a razão por eu estar parando. E muita gente próxima, como minha avó, minha namorada e alguns amigos, disseram que estavam vendo que eu não estava bem, que me sentiam um pouco apagado, meio para baixo. Acho que eu demorei mesmo para me abrir e falar sobre isso. Para muita gente, foi meio que um choque quando eu falei que não ia jogar mais tênis nesse ano, mas todo mundo ao meu redor me apoiou, e isso é muito importante. Tem gente que pode ver como uma fraqueza, mas é um negócio muito sério. Eu tenho tudo: saúde, apoio da família, oportunidades de poder jogar. Estava na Europa para jogar e me questionava como eu poderia estar me sentindo mal.
Problema comum, porém pouco diagnosticado
Na realidade, é um problema mais comum do que parece. Tanto é que foi o que a psicóloga me falou. "Olha, eu entendo isso, mas você não precisa se desesperar porque hoje em dia acontece com 70% da população." Fora as pessoas que têm e não aceitam, não cuidam disso. Eu falei para ela que sinto isso desde o ano passado, e ela disse que tem paciente que chega lá há cinco, dez anos se sentindo assim, e a pessoa não sabe [que tem depressão]. Depois, eu fiquei mais tranquilo. Eu acho muito estranho que é um negócio que eu ainda não sei lidar, sabe? Mas fiquei mais tranquilo por isso. Por ser uma coisa, teoricamente, comum.
Pensando no tênis
Minha prioridade é cuidar de mim agora, mas quero até o fim deste ano definir o que vou fazer no começo do próximo. Mas, se precisar de mais tempo, não quero cometer o erro de voltar antecipadamente e talvez ter uma recaída. O tênis é uma coisa a que dediquei minha vida inteira e não quero tomar uma decisão errada em relação a isso. Se eu tiver que parar ou dar aula, eu estou tranquilo.
A sensação de visitar um torneio
Faz bem, sim, porque tem meus amigos e pessoas que eu gosto muito. A maioria das pessoas é legal, e tenho boas relações com quase todo mundo. Então me faz bem sim. Não é uma coisa que eu viria aqui e me sentiria muito mal por não estar jogando, porque atualmente o que eu sinto falta é algo como ontem, quando estava vendo o Orlandinho batendo bola para aquecer. Isso eu sinto falta, mas a falta da competição não existe no momento. Sei da pressão e da responsabilidade de estar controlando o nervosismo e a pressão o tempo inteiro. Sei que isso é muito difícil, e é algo que não tenho muito controle agora. As lembranças disso nos últimos meses são muito ruins, mas o ambiente do torneio eu gosto bastante.
Sobre o autor
Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org
Sobre o blog
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