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No vigésimo título, o Federer mais divertido de ver

Alexandre Cossenza

28/01/2018 10h41

Era o penúltimo dia de 2017, e a Sheila Vieira escrevia profeticamente: "a única coisa boa de 2018 vai ser o Rogério de boas, e Rogério de boas é sinônimo de momentos tiozão e adoramos." O tweet vinha acompanhado de um gif de Federer fingindo tocar um bongô durante a Copa Hopman. Uma brincadeira lembrando a cena do ano passado, quando o suíço foi parar na Bongo Cam do telão em Perth.

Não foi uma cena isolada e nem aconteceu só porque a Hopman é um torneio que não conta pontos para o ranking. Desde a volta ao circuito, no começo do ano passado, o mundo vê um Roger Federer mais leve. Um pouco porque voltou sem pressão, um pouco porque já retornou conquistando um slam – algo que não fazia há cinco anos – e um pouco porque emendou uma série de vitórias sobre Rafael Nadal, que foi uma espécie de esfinge (decifra-me ou devoro-te) durante a maior parte de sua carreira.

O Roger Federer de hoje, casado, com quatro filhos e 36 anos de idade, não tem o que provar, não tem mais pesos nos ombros, não tem por que dar respostas sisudas ou evasivas aos jornalistas (embora ainda as dê aqui e ali). Ele entra na quadra, faz o dele – que, normalmente, é vencer – e sai pimpão, livre, leve e solto, curtindo cada dia plenamente. É o veterano que dá valor a seus feitos, que sabe que o fim nunca fica mais longe, que tem a noção exata de quão especial é sua vida no circuito e, por isso, tem a consciência de que é preciso saboreá-la até o último dia. O vídeo abaixo é autoexplicativo.

I'M NOT CRYING, YOU'RE CRYING! 😭🙌

"You guys make me nervous. You guys make me practice. You guys fill the stadiums. Thank you."

@RogerFederer 💎#AusOpen pic.twitter.com/sGHCB6mhJG

— #AusOpen (@AustralianOpen) January 28, 2018

Este Australian Open pode não ter sido o mais desafiador. A chave, que parecia chatinha, foi se descomplicando ao longo do torneio. No fim, o suíço teve em Berdych e Cilic seus maiores obstáculos. O tcheco fez um belo primeiro set e nada mais. O croata, neste domingo, fez um grande jogo. Quando tudo parecia perdido, virou o quarto set, saindo de 1/3 para 6/3, e levou o suíço ao quinto.

Só que Federer tem mais armas, mais experiência, mais margem de segurança. Se no terceiro set a chave foi o slice – aquele com a bola quicando pouco depois do T, chamando o adversário para a rede, na parcial decisiva valeu a capacidade de brilhar na hora certa. Salvou dois break points no primeiro game, errou pouco (5 winners e 5 erros não forçados), e viu Cilic, com 14 falhas, sucumbir. Após 3h03min, o placar mostrava 6/2, 6/7(5), 6/3, 3/6 e 6/1. Game, set, match, Federer.

Só que o atleta que dominou o torneio com seu tênis também foi um atleta descontraído. Durante as últimas duas semanas, o planeta viu e se divertiu com cenas do tipo Federer imitando o olhar de Dwayne "The Rock" Johnson…

"The girls really fell in love with tennis… And the boys seem to enjoy themselves more." –@RogerFederer

Imagine a world where the two sets of Federer twins are conquering the sport like their father once did… 🌟🌟🌟🌟#AusOpen pic.twitter.com/zgWqViyzgL

— #AusOpen (@AustralianOpen) January 20, 2018

…contando sua experiência com calças capri e fazendo piada com seus próprios braços para explicar por que nunca jogou com camisas sem manga…

"It's great to see new names on the scene… He's incredibly impressive in his movement. Reminds me a lot of Novak (Djokovic)."

@RogerFederer on his SF opponent, Hyeon #Chung 😎#AusOpen pic.twitter.com/5EkP2KmS4B

— #AusOpen (@AustralianOpen) January 24, 2018

…aceitando as brincadeiras de Will Ferrell e perguntando se gazelas não sempre terminam virando comida no fim da história…

Will Ferrell: "Would you describe your game as a 'silky gazelle'?" @rogerfederer "Maybe… Maybe not. Don't they get eaten at the end?" pic.twitter.com/of2moCWwYO

— #AusOpen (@AustralianOpen) January 16, 2018

…falando sobre o tamanho de sua casa e de onde guarda os troféus (e esbanjando classe ao elogiar o lesionado Hyeon Chung)…

.@RogerFederer will compete in his 3️⃣0️⃣th Grand Slam final on Sunday evening 🐐#AusOpen pic.twitter.com/EGhoqpyYf6

— #AusOpen (@AustralianOpen) January 26, 2018

…contando que pede para jogar à noite e sorrindo ao admitir que tem mais poder de barganha com a organização do que outros tenistas.

"I love playing against one-handed guys because we need to keep it alive for as long as possible!"

[2] @RogerFederer on his 3R clash with [29] @richardgasquet1.#AusOpen pic.twitter.com/jJw6QAtpGj

— #AusOpen (@AustralianOpen) January 18, 2018

E foi nessa entrevista (acima) que Federer revelou sobre como hoje consegue falar de forma diferente com a imprensa e viver sensações diferentes em quadra. "Basicamente, senti o mesmo durante 15 anos. Em toda partida, eu entrava esperando vencer, esperando ir longe no torneio… Desde a lesão que tive [joelho em 2016], houve uma espécie de reset na mente, no corpo e na minha abordagem das partidas."

O resultado desse "reset" você viu nos vídeos acima, mas também viu nas partidas. O Roger Federer que foi enorme até 2016 não só voltou totalmente recuperado da lesão no joelho, mas retornou com essa leveza que lhe fez ainda mais perigoso.

Não dá pra cravar com certeza que este Federer de hoje é a melhor versão do suíço em toda a carreira, afinal é sempre injusto comparar conquistas em décadas diferentes contra adversários diferentes e vivendo fases diferentes. Ainda assim, é um bom assunto para debater com uma Hoegaarden no copo. Minha única certeza-certeza mesmo, depois de 20 slams, é que este Federer é o mais divertido de ver.

Coisas que eu acho que acho:

– Federer chega a 20 (!!!) títulos de grand slam. Seis deles vieram no Australian Open (2004, 2006-07, 2010, 2017 e 2018). Os já impressionantes números do suíço não param de aumentar.

– Outra estatística deve vir em breve. Com o título deste domingo, Federer manterá seus 9.605 pontos no ranking e ficará bem perto de Rafael Nadal, que terá 9.760 e defende 300 pelo vice em Acapulco no ano passado. Levando em conta a lesão do espanhol, é possível que o suíço assuma a ponta do ranking antes de Indian Wells, mesmo que não jogue em Dubai.

– Se isso se confirmar, Federer pode também tomar de Nadal uma das marcas mais impressionantes do tênis: o maoior intervalo entre a primeira e a última (ou mais recente) vez que alguém encerrou um calendário como #1: seriam 14 anos de 2004 até 2018. A marca do espanhol é de nove (2008 a 2017).

– Ainda sobre longevidade: os últimos seis slams foram vencidos por tenistas com mais de 30 anos. A última sequência do tipo aconteceu em 1969, quando Rod Laver venceu os quatro slams. Fazer isso 50 anos atrás, quando o profissionalismo ainda engatinhava e não havia fisioterapeutas particulares, banheiras de gelo, estafes enormes nem cheques milionários, isso sim é um feito monstruoso. Não importa quantos slams Federer tiver ao fim da carreira, Rod Laver, que fechou o Grand Slam duas vezes (e tem a humildade de acompanhar, elogiar e até filmar os grandes momentos do suíço), nunca pode ficar fora de nenhuma discussão sobre "melhor de todos os tempos".

– Continuando no assunto: antes de Federer, apenas o australiano Ken Rosewall havia conquistado um título de slam após completar 35 anos na Era Aberta. O australiano, inclusive, fez a final do US Open de 1974 com 39 anos. Rosewall, que também venceu quatro slams depois dos 30, é outro gigante cujos feitos só não são maiores (nem lembrados com tanta frequência) porque Laver foi seu contemporâneo.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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