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Rumo ao top 200 sem jogar juvenil: o caminho nada comum de Gonçalo Oliveira

Alexandre Cossenza

07/10/2017 07h00

Sempre digo que visitar um Challenger é uma chance rara de bater papos, relatar casos bacanas e apresentar opiniões, pontos de vista e personalidades de gente que batalha todo dia no tênis. Às vezes, encontro velhos "amigos" de circuito. Às vezes, conheço gente nova e com histórias curiosas para contar. Foi o caso desta sexta-feira, quando, após uma dica do jornalista português José Morgado, pude conversar com Gonçalo Oliveira, 22 anos e uma trajetória das menos ortodoxas possíveis no tênis.

Trata-se de um rapaz que ainda criança, quando viu Gustavo Kuerten conquistar a Masters Cup, em Lisboa, decidiu ser profissional. Um jovem que viu o pai largar negócios de sucesso para dedicar-se ao filho e acompanhá-lo em viagens pelo mundo.
Uma pessoa que treinou na academia de Harry Hopman, na Flórida, e morou por quase um ano no Club Med de Itaparica. Um tenista que se estabeleceu no circuito profissional sem jogar o circuito juvenil da ITF ou o universitário dos EUA.

Não, a caminhada do português Gonçalo Oliveira, atual #229 do mundo, não tem nada de comum, mas seu tênis vem mostrando que é possível ir longe por caminhos alternativos. Classificado para as semifinais do São Paulo Challenger, em Campinas, ele vai enfrentar o compatriota Gastão Elias em busca de seu melhor resultado da carreira em um evento deste nível. Com objetivos claros e sem estresse. Afinal, como ele diz, "é bom ter algumas vezes a pressão e dizer a ti próprio que tens que ganhar e assumir."

É seu primeiro torneio no Brasil, mas estar aqui não é novidade para você, certo?

Vivi cá por um ano, em 2001 e 2002. Viemos meio treinar, meio férias, e afinal ficamos cá a treinar um ano com meu pai.

Por que Brasil?

Tinha uma razão que é que esqueci de falar português. Eu estava morando em Miami, não falava bem português. E aí para voltar a falar português mais frequentemente, meu pai me trouxe para o Brasil para não esquecer a língua.

Então você nunca teve problema para entender as palavras que falamos diferente do português falado em Portugal?

Não. E se estás cá uns dias, já entende muito bem.

Você era bem jovem quando o Guga venceu aquele Masters de Lisboa…

Eu tinha 4 anos quando ele venceu, eu já jogava tênis e foi aí que disse para o meu pai "quero ser profissional". Então começamos a levar o tênis mais a sério já com 4 anos. Aí vistamos o Guga em Florianópolis e depois fomos para Itaparica e ficamos lá a morar um pouquinho, uns nove, dez meses no Club Med de lá.

Eu achava que você quis ser tenista por influência do seu pai, não do Guga…

Ah, eu já levava a sério. Quando nasci, a primeira prenda que eu tive foi uma raquete do meu pai. Eu tinha cinco minutos de vida e já estava com uma raquete na mão. E pronto, sempre joguei. Mas foi nesse momento, que foi um torneio muito grande, e passei a semana toda lá no torneio. Sempre a bater bola com Agassi, com Safin naquelas clínicas infantis. Adorei a semana e vi que era uma coisa que queria levar como profissão, não como hobby. Queria levar mais a sério. Não é fácil, com 4 anos, fazer isso, mas meu pai concordou e pronto. Cá estou.

Conta um pouquinho da sua infância… Você nunca teve residência fixa, nunca ficou na mesma escola, foi assim, meio nômade mesmo?

Sempre estive a viajar. Sempre. Morei no Brasil, morei em Miami, sempre viajando. Eu gosto de viajar, de mudar sítio. Gosto de conhecer coisas e pronto. Estou habituado também a isso.

Isso facilita para quem precisa trabalhar em um lugar diferente toda semana…

É. Estou cá uma semana, estou pronto já e quero ganhar o torneio e pronto para ir para outra, para conhecer outro sítio.

O seu pai trabalha com o quê?

Quando eu nasci, meu pai largou todas empresas que tinha, todos negócios que tinha e dedicou sua vida para estar sempre comigo.

Ele era um empresário, então?

Ele tinha discotecas, a minha família tinha empresas [do setor] têxtil no norte de Portugal, empresas e fábricas muito grandes, coisas de imobiliária e hoje em dia tem um hotel no Algarve, mas um hotel é fácil de gerir, pode nem estar lá.

Você foi morar nos EUA com quantos anos?

Meu pai já morou lá. Tinha lá uma casa e fomos para lá com 4 anos. E daí viemos para o Brasil. Só falava inglês, inglês, inglês e espanhol. Eu entendia português, mas custava a falar. Aí meu pai tomou a decisão "Vamos para o Brasil". Aí fiquei com um sotaque diferente, que nem é brasileiro nem é português. Quando estou cá, às vezes ninguém me entende e quando estou lá também ninguém me entende. Pronto. Estou aqui no meio.

E seguiu treinando nos EUA?

Eu jogava torneios Sub-10 da USTA na Flórida. Estava a treinar em Saddlebrook, que era onde meu pai treinava, na academia do Harry Hopman, e pronto, estava lá todos fins de semana a jogar torneios. Cheguei a ser número 1 da minha idade, que naquela altura, com 4 anos, não havia quase ninguém a jogar. Treinava assim. Depois houve uma altura, dos 8 até os 15, que já não joguei nenhum torneio. Fiquei só a treinar porque essa coisa de estar sempre jogando torneios, chega a esta idade, de 20 anos, uma pessoa já está farta de jogar, já não quer jogar mais, aí meu pai achou melhor parar e só treinar.

Você não fez circuito ITF, USTA, COSAT, nada?

Não fiz nada. Nos 18 anos, joguei três torneios em Portugal e comecei a jogar Futures logo com 14, 15 anos. Eu morava em Portugal, mas já viajava bastante. Com 15 anos, já joguei 18 Futures, com 16 já joguei vinte e tantos e cada vez mais torneios.

É um caminho completamente fora do padrão, né?

Eu vejo muita gente que não é ninguém nos juniors e hoje em dia são top 50, 20, 10. Muito jogador que era top da minha idade hoje em dia está jogando em universidade nos Estados Unidos porque ficaram cansados de jogar todas as semanas e viram uma alternativa boa. Quer continuar a jogar, mas quer tirar uma pausa de quatro aninhos porque está exausto de jogar toda semana. E também o circuito júnior é muito bom se você está jogando os grand slams. Eu cheguei a ver que não tinha hipótese nenhuma de jogar os grand slams, e nos Futures eu estava entrando fácil. Eu estava jogando os qualis. Estava perdendo, mas estava aprendendo e estava treinando muito. Para mim, foi uma alternativa pensando mais para o futuro e não para o momento.

E são frutos que você vem colhendo agora, alcançando o melhor ranking da carreira e com boas chances de subir ainda mais.

Ano passado eu arrisquei muito. Estava jogando muito quali de Challengers, ganhando jogos bons, mas não estava pontuando para o ranking. Estava jogando bem, não estava se vendo no ranking. Depois, tive um período que deixei de jogar Challengers, e o primeiro Future que joguei, ganhei. Foi um ano bom, de muita aprendizagem. Este ano, fiz um calendário mais a pensar em subir o ranking porque já estava pronto a jogar o nível Challenger. Aproveitei as oportunidades que eu tive para fixar meu estatuto neste nível.

O clima está bom para você aqui em Campinas?

Mudou muito esta semana. No princípio teve chuva, teve nuvem, até teve um bocado de frio e, de repente, ontem e hoje apareceu um clima acima de 30 graus. A pessoa tem que se acostumar rápido. É difícil, mas amanhã, sendo meias finais, os jogos já vão ser mais à tarde, vai facilitar um bocado as coisas.

Depois daqui, você joga onde?

Vou para Buenos Aires, vou para Cáli… Meu plano é jogar as oito semanas aqui na América do Sul e acabar no Rio [há um Challenger carioca marcado para o fim de novembro]. E aí fazer uma pequena pré-época ou não sei, mas meu plano é ir até o Rio.

Você estabelece algum número como meta?

Quando comecei o ano,meu objetivo era jogar o qualifying do US Open. Sabia que tinha que estar abaixo de 240. Já consegui esse objetivo e, obviamente, quando uma pessoa alcança seus objetivos mais cedo, uma pessoa já põe outros. Nesta altura, meu objetivo é acabar [o ano] abaixo de 200.

Já está duzentos e…

214! [no live ranking]

Falta pouquinho!

Acho que são 50 pontos para fazer isso.

Se ganhar o torneio, já dá.

Dá. Ah, passo a passo. Se não for esta semana, eu também não tenho pressa. Se ficar a 208 do mundo, também não posso ter um ano mau.

Em dez minutos de conversa, você me passou a impressão de ser um cara tranquilo, que controla bem a ansiedade. É isso mesmo?

Eu tenho meus objetivos e não tenho problema de pressão. Anteontem, contra o Bruno (Sant'Anna), eu era favorito. Eu sabia que era eu que tinha que ganhar. Eu não tenho problema de lidar com essa pressão. Hoje também senti com o [Zé] Pereira que era jogo para eu ganhar. Tinha que ganhar. A pressão não afeta. Eu gosto de sentir pressão porque é aí quando as coisas valem mais para mim. Então é bom ter algumas vezes a pressão e dizer a ti próprio que tens que ganhar e assumir. Minha personalidade é assumir as coisas, e gosto de assumir a pressão.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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