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O que deveria significar o número 1 de Marcelo Melo

Alexandre Cossenza

02/11/2015 06h00

Sou fã assumido de Marcelo Melo. Os leitores deste blog sabem disso, os ouvintes do podcast Quadra 18 sabem, o próprio Marcelo sabe. Não tenho, contudo, ilusões quanto ao que vai significar para o tênis brasileiro ter um número 1 nas duplas. Que ninguém ache que os clubes vão voltar a ter quadras lotadas por isso. Que não esperem grande alarde da imprensa "não especializada". Não imaginem que a Confederação Brasileira de Tênis terá um plano para aproveitar a imagem de Marcelo. No máximo, darão um prêmio e uma plaquinha naquele evento de fim de ano feito mais para patrocinadores do que para fãs (o que é uma pena).

O cenário mais provável é que o novo ranking de Marcelo, que está na França para a disputa do Masters de Paris, será um distante coadjuvante para a vitória do Corinthians sobre o Atlético Mineiro nos noticiários "esportivos" desta segunda-feira. Não precisa ser gênio para fazer essa previsão. E sejamos sinceros: a enorme maioria dos comentários sobre o grande feito do mineiro de 32 anos provavelmente será rebatida com "mas é só dupla." Não, Marcelo Melo não será visto por muitos como um exemplo a ser seguido. Mas deveria.

Deveria porque Marcelo fez (e faz!) muito para chegar a número 1 do mundo. Porque nasceu em uma família de tenistas que já tinha dois garotos "paitrocinados" e não lhe sobrou muito dinheiro. Por isso, ia sozinho, ainda adolescente, batendo de porta em porta entregando currículos e pedindo patrocínio. Quando não fazia isso, mandava seu CV por fax(!).

Deveria porque Marcelo teve a coragem de abandonar o sonho de ser um simplista para mergulhar de cabeça no circuito de duplas. E fez isso deixando um excelente centro de treinamento no Rio de Janeiro em uma época em que o Brasil não tinha duplistas de ofício em evidência. Bruno Soares só brilharia dois anos depois, e André Sá iniciava sua ascensão junto com o conterrâneo (até meados de 2006, o duplista número 2 do Brasil era Marcos Daniel).

Deveria porque Marcelo evoluiu enormemente seu jogo. Nos últimos dez anos, com a ajuda do irmão e técnico Daniel, diminuiu seus pontos fracos e foi, pouco a pouco, se aproximando do topo. É humilde desde o início da caminhada e tem como recompensa títulos ao lado de muitos parceiros.

Deveria porque Marcelo acreditou que era possível tirar Bob e Mike Bryan do topo. Os gêmeos foram senhores do circuito durante a maior parte dos últimos 15 anos e lideravam juntos e ininterruptamente o ranking desde o início de 2013. O brasileiro, no entanto, viu a janela da oportunidade se abrir em Roland Garros e lutou para agarrar sua chance. Sonhou, lutou e conseguiu.

Deveria porque Marcelo tem caráter. É fiel aos amigos ao ponto de ir à imprensa para sair em defesa deles. Foi assim na Costa do Sauípe em 2011, quando reclamou de uma manchete sobre Thomaz Bellucci, e em São Paulo, em 2013, quando tentou justificar a convocação de Rogerinho para o confronto de Copa Davis contra a Espanha. Concordando ou não (e eu discordo dos argumentos de Marcelo em ambas ocasiões), é preciso admirar a coragem e a disposição de quem compra brigas em nome de amigos e colegas de time.

Deveria, deveria, deveria… Marcelo Melo, número 1 ou não, foi e é exemplo de muita coisa. Se nem tanta gente percebeu antes, seja pela timidez mineira ou pela falta de interesse na modalidade, que seu novo ranking sirva para abrir os olhos de muitas pessoas. Não há muitos seres humanos como ele por aí.

Coisas que eu acho que acho:

– Quase todos os casos citados nos parágrafos acima estão relatados no podcast Quadra 18 especial pelo número 1 de Marcelo Melo. São histórias contadas pelo próprio Marcelo, mas também por Bruno Soares, André Sá, Thomaz Bellucci, Márcio Torres, Daniel Melo, Felipe Lemos, Ricardo Acioly e até pelo sr. Paulo Ernane, pai de Marcelo. É um programa especialíssimo que está no ar desde a manhã desta segunda-feira. Ouçam aqui!

– Com a produção e a edição do podcast, sobrou pouco tempo para escrever sobre as finais do fim de semana, então seguem abaixo os registros de Cingapura e da Basileia, acompanhados de breves comentários.

– Sem Serena Williams, o WTA Finals acabou com um emocionante título de Agnieszka Radwanska, que esteve quase eliminada na fase de grupos, mas escapou por pouco e aproveitou a chance que conquistou, coroando um excelente final de temporada, que teve títulos em Tóquio e Tianjin, além de uma semi em Pequim. Em Cingapura, na maior conquista de sua carreira, aproveitou a quadra lenta para fazer valer sua capacidade defensiva e sua variação de jogo. No sábado e no domingo, conseguiu fazer estrago nas cabeças de Garbiñe Muguruza e Petra Kvitova, respectivamente. Sua consistência provou-se um obstáculo formidável para as duas tenistas agressivas.

– No ATP 500 da Basileia, Roger Federer e Rafael Nadal fizeram um duelo digno da longa rivalidade, ainda que longe do altíssimo nível de outros tempos. Neste domingo, os dois oscilaram, mas o suíço, que jogava com tudo a favor (torcida caseira, quadra rápida e arena indoor), levou a melhor em três sets. No balanço geral, foi uma semana irregular para ambos, mas nenhum dos dois deve sair lá muito insatisfeito. Federer faturou o sétimo título na Basileia, enquanto Nadal, em seus altos e baixos, foi longe em um torneio com características que pouco favorecem seu estilo de jogo. Não é mau sinal.

– Bruno Soares e Alexander Peya, pouco depois de anunciarem sua separação, foram campeões na Basileia e se mantiveram vivos na briga pela última vaga para o ATP Finals. Com os 500 pontos conquistados, brasileiro e austríaco agora somam 3.330 e ficam na nona posição, atrás de Rohan Bopanna e Florin Mergea (3.455). A boa notícia é que a matemática é simples: Soares e Peya vão ao Finals se alcançarem as semifinais no Masters 1.000 de Paris. A parte ruim é que a chave é duríssima. A estreia é contra Colin Fleming e Andy Murray. Caso vençam, os dois encaram Marcelo Melo e Ivan Dodig. Se chegarem às quartas, Soares e Peya podem, então, fazer o confronto direto contra Bopanna e Mergea, valendo o lugar em Londres. Não é fácil, mas não é impossível.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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