Topo

Nick Kyrgios e o cubo mágico mental

Alexandre Cossenza

13/08/2015 09h55

A definição é do ex-tenista sul-africano Johan Kriek: o cérebro de Nick Kyrgios é como um cubo mágico (ou Cubo de Rubik). Quando uma parte está perfeita, o australiano muda a peça de posição e releva outras três faces em estado de caos. Vamos à polêmica da vez. Vejam o vídeo.

"Kokkinakis comeu sua namorada"

A cena é da partida de ontem à noite contra Stan Wawrinka, válida pelo Masters 1.000 de Montreal. O garotão australiano vai lá e solta que (tradução livre) "Kokkinakis comeu sua namorada." Como está bem nítido nas imagens, não foi provocação de vestiário nem cochicho para tirar o adversário do sério. Kyrgios falou alto e claro, para o mundo inteiro ouvir (e, óbvio, estamos todos vendo e ouvindo). Não é a primeira (e suspeito que não seja a última) polêmica do australiano de 20 anos. Desta vez, contudo, Kyrgios incluiu na confusão seu compatriota Thanasi Kokkinakis (19 anos, #76 do mundo) e, aparentemente, a namorada do suíço, a croata Donna Vekic – que, por sua vez, esteve envolvida no tumultuado (e público) processo de divórcio de Wawrinka. O vídeo acima foi parar no Twitter enquanto a partida estava em andamento. Não demoraram para surgir tenistas e jornalistas comentando. Magnus Norman, atual técnico de Wawrinka, foi um dos mais enfáticos, dizendo que o gesto de Kyrgios teve nível baixíssimo e esperando que alguém ensine uma coisa ou outra sobre a vida ao australiano.

Wawrinka disse que Kyrgios tentou evitá-lo no vestiário após a partida, mas o suíço tirou satisfação assim mesmo. Sem revelar o conteúdo da conversa, o campeão de Roland Garros foi incisivo ao comentar o comportamento do australiano.

"Não é a primeira vez que ele tem um grande problema em quadra no que diz respeito ao que ele fala ou como se comporta. Espero que a ATP tome medidas contra ele porque é um jovem – mas não tem desculpa. Em toda partida ele tem problemas. Em toda partida ele se comporta muito mal. Além disso, o problema é que ele não se comporta mal apenas em relação a ele mesmo. Ele se comporta mal com as pessoas ao redor: outros jogadores, boleiros, árbitros. Realmente espero que a ATP tome uma grande atitude desta vez" (vídeo e tradução abaixo são da jornalista canadense Stephanie Myles).

Kyrgios, por sua vez, disse que falou aquilo no calor do momento porque a partida estava nervosa e os dois estavam trocando provocações. Wawrinka, no entanto, devia continuar espumando de raiva. O suíço voltou ao Twitter e declarou que não diria aquilo nem a seu pior inimigo. "Não há necessidade para esse tipo de comportamento, dentro ou fora da quadra, e espero que o órgão responsável por esse esporte não ature isso e se levante em nome da integridade deste esporte que trabalhamos tão duro para construir."

(Atualizado às 20h55 de Brasília com informações sobre a punição a Kyrgios no parágrafo abaixo, em itálico)

A ATP anunciou que Kyrgios foi multado em US$ 10 mil pelo insulto dirigido a Wawrinka. Após rever o vídeo da partida, a entidade obrigou o australiano a pagar mais US$ 2.500 por conduta antiesportiva dirigida a um boleiro durante a partida. Além disso, Kyrgios recebeu um "aviso de investigação" que inicia um processo para determinar se seus gestos se enquadram como ofensa grave ("major offense" no livro de regras). A investigação, informa o comunicado da ATP, abre a possibilidade para punições adicionais que podem ser multas em dinheiro ou suspensão de eventos da ATP. Antes do anúncio da punição, o australiano já havia publicado um pedido formal de desculpas em sua página no Facebook.

Coisas que eu acho que acho:

– Nem faz tanto tempo assim que escrevi um post sobre Kyrgios, abordando o limite que separa sua autoconfiança de uma dose considerável de arrogância. De lá para cá, no entanto, os problemas de Kyrgios têm ido muito além disso. A impressão que fica é que o australiano "comprou" a ideia do personagem.

É meio como se, depois de ouvir muitos elogios por sua personalidade diferente e curiosa em quadra, Kyrgios tivesse adotado esse personagem e levado adiante, como se fosse dono absoluto do direito de falar e fazer o que quisesse dentro de quadra. De janeiro para cá, já discutiu com árbitros, "entregou" games e falou palavrões para torcedores no meio de um jogo. Muita coisa em pouco tempo.

Passo longe de querer que alguém seja santo. Uma boa provocação faz bem a qualquer esporte. Esquenta partidas, cria rivalidades, chama atenção, ganha manchetes. Até aí, tudo bem. Mas quando Kyrgios envolve terceiros e uma relação amorosa na confusão (repito, com negrito e itálico: para o mundo inteiro ouvir), a coisa muda de figura.

– Quanto à punição que pode vir após a investigação, A ATP encontra-se diante de uma questão delicada, especialmente em uma modalidade sem rivalidades quentes. Federer x Nadal nunca rendeu grandes atritos publicamente, e o mesmo pode se dizer de Federer x Djokovic e Nadal x Djokovic, que tiveram pequenas turbulências no máximo.

– O dilema é estabelecer um limite para atitudes como a desta quarta-feira, em Montreal – seja de Kyrgios ou de quem for – sem deixar o esporte estéril e sem personalidade. Não é tarefa das mais fáceis, convenhamos. A essa altura, parece provável uma espécie de "liberdade condicional" para o australiano. Um aviso de que "da próxima vez, você leva um gancho sério." Algo parecido com a advertência que deram a Serena Williams após o incidente com a juíza de linha no US Open de 2009.

– Johan Kriek, embora não muito conhecido pelo público brasileiro pós-Guga, foi top 10 na década de 80 e venceu o Australian Open duas vezes. Mas o que faz valer a pena segui-lo no Facebook são suas opiniões nem sempre politicamente corretas, mas frequentemente intrigantes e "fora da caixa".

– Ah, sim: Kyrgios venceu o jogo quando Wawrinka abandonou no terceiro set. O australiano liderava por 6/7(8), 6/3 e 4/0. Mas a essa altura da coisa, quem ainda se importa com o placar, hein?

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Nick Kyrgios e o cubo mágico mental - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


Saque e Voleio