Saretta: de volta e careta
Alexandre Cossenza
12/04/2014 06h00
Flávio Saretta está de volta. E agora, ele garante, não é como na despretensiosa partida que fez no qualifying do Brasil Open. O paulista, hoje com 33 anos, quer fazer a coisa direito. Há cinco semanas, vem treinando duro, sem alarde, para retornar ao circuito. Seu primeiro jogo será na próxima semana, no São Paulo Challenger, no Clube Paineiras do Morumby. Nesta sexta-feira, conversamos por telefone, e o ex-top 50, bem humorado como sempre, prometeu um Saretta careta, de um jeito que nunca foi na maneira de tratar a carreira.
Desde 2009, quando anunciou sua aposentadoria, o tenista de Americana só jogou eventos de veteranos até uma brincadeira via Twitter, em fevereiro, resultar em um convite para o Brasil Open. Lá, a chama acendeu novamente. Saretta descobriu sentimentos que "nem sabia que tinha" e, desde então, vem se preparando para um retorno. Ex-top 50, campeão pan-americano e dono de um currículo invejável, ele se mostra disposto a enfrentar uma geração muito mais jovens, além de críticos e céticos com a irreverência de sempre: "Deixar falar e conseguir assimilar o que é bom para mim. O que não for eu chuto no ângulo". Vejam como foi o papo.
Não é mais um retorno de um jogo só, como no Brasil Open, certo? Agora você vai ter uma sequência no circuito?
A minha cabeça é para voltar a jogar mesmo. Não sei por quanto tempo eu aguento, mas a minha cabeça e o que eu estou trabalhando e fazendo todos os dias é para voltar a jogar.
O que aconteceu durante o Brasil Open para te dar esse clique?
Na real, eu joguei o Brasil Open de brincadeira, nem foi uma coisa séria. Eu nem estava treinando nem nada. Eu acabei brincando no Twitter que eu queria jogar, aí o Guga botou pilha, a galera botou pilha, e eu acabei ganhando o convite. Eu tinha total ciência que era para jogar por jogar, para me divertir. Não era nada sério. Só que eu senti muita emoção, cara. Sem saber que eu ia sentir. Mexeu muito comigo o dia anterior, a noite anterior… Tendo que ver uma programação de novo, tendo que marcar uma quadra para aquecer, enfim, cara… Várias coisas que foram mexendo comigo e voltando ao passado, a coisas não tão bem definidas dentro de mim (Saretta parou de jogar por causa de uma série de lesões que incluiu uma fratura por estresse no cotovelo, uma cirurgia no joelho e uma tendinite no ombro direitos). Até então, eu não sabia que eu tinha esses sentimentos. Nesses dias do Brasil Open, eu estava comentando os jogos pela Band, então eu estava todos os dias lá. Eu convivi a semana toda com o pessoal e, nessa semana, o João me botou para treinar dois dias com os moleques. Um dia com o (Guilherme) Clezar e outro dia com o (Marcelo) Demoliner. Mas tudo sem querer… Eu tava almoçando com o João (Zwetsch, capitão brasileiro na Copa Davis), de calça jeans, ele falou "você vai fazer o que agora?". Eu falei "nada". "Então vem cá". Botei a roupa dele, ele botou a minha, e eu fui lá bater uma bola com o Demoliner.
Assim, sem aviso?
Foi tudo assim. Eles começaram a botar pilha, o João e o Paulo (Santos) fisioterapeuta, principalmente. "Vamo lá, cara! Dá para você jogar mais uns dois, três anos! Vamos fazer as coisas direitinho! Você terminou a carreira de uma forma que não foi boa para você, foi tudo inesperado". E acabou mexendo comigo, realmente. Eles botaram tanta pilha que eu falei "meu, beleza. Vamo arriscar, vai. Vamo ver o que acontece". Não tenho nada a perder, né? Eu já joguei, já fiz minha carreira e voltar a jogar agora… Conversei com a minha família para ver o que eles achavam. Com meu filho (Felipe), que agora tem 9 anos. Ele ficou pilhado de me ver jogar, já que ele era novinho quando eu estava no circuito. Aí foram vários fatores que me motivaram. E o principal é minha vontade mesmo de jogar, de achar que eu tenho condições de jogar com todo mundo.
Tem que ter paciência para voltar porque, lógico, toda volta é difícil. Ainda mais tendo ficado cinco anos parado, sem fazer nada. Mas eu estou muito motivado, minha cabeça está legal. Estou curtindo estar disciplinado. Coisas que eu não fazia, que era muito mais relaxado quando jogava de moleque… Hoje em dia estou muito mais careta. De alimentação, de cuidar da raquete, de aquecer bem, alongar bastante… Várias coisas que eu faço hoje que começo a dar risada sozinho (risos).
Pelo seu discurso, não há medo de voltar, perder dois, três jogos e desistir?
Não, cara! Falando com o pé no chão, a probabilidade de acontecer isso (perder) é muito grande. Esta é a quinta semana que estou treinando. Estou treinando duro, fazendo a parte física, fisioterapia, ficando bastante tempo dentro da quadra… Mas é óbvio, né, cara? Tô parado há muito tempo. Falta de ritmo… Jogar um 30/40… Isso eu não sinto há muito tempo. Então a probabilidade de acontecer isso que você falou é muito grande, mas eu não tô preocupado com isso. Eu tô jogando para mim, essa que é a verdade. Para curtir, para estar dentro da quadra, para me divertir, competir de novo. Eu acho que posso jogar com esses moleques, sim, porque na parte técnica posso chegar.
Sempre foi o plano entrar no São Paulo Challenger?
A principal meta, no começo, era treinar três, quatro meses quietinho, sem ninguém saber, e depois começar a jogar torneios, mas pintaram esses torneios aqui no Brasil e fiquei doido para jogar. Falei "pô, João, tem torneio aqui agora. Que que você acha?". Ele falou "vai, vai sentir". Aí eu conversei com o Neco (Nelson Aerts) e com o Danilo (Marcelino), que são os promotores, e falei o seguinte: "me dá (wild card) em São Paulo e se eu jogar bem, se for legal, aí eu jogo Santos também, senão vou para Santos e jogo o quali". Na minha cabeça, derrota ou vitória agora é segundo plano. Quero estar na quadra me sentindo bem de novo e tendo prazer de estar competindo, sabe? Lógico, daqui a pouco, mais para a frente, o objetivo vai ser vitória. Mas tenho que ter pé no chão porque é a quinta semana que eu treino, e a molecada tem 20 anos a menos que eu.
Não vai te incomodar ler no Twitter e no Facebook, por exemplo, gente dizendo "o Saretta só perde" ou "está dando vexame" se você demorar a vencer?
Ah, cara, mas quando eu jogava já era assim (risos de ambos)! Você acha que depois de velho eu vou me preocupar com isso? (mais risos) Agora é que eu não me preocupo mesmo. Quando eu ganhava de cara bom, era zebra. Quando eu perdia, era "Saretta está em decadência". Então tô acostumado com isso (risos).
Como está sua estrutura de treino?
Eu tô treinando na quadra da Koch Tavares, na academia, ali no Morumbi. Tô com o Batata, que é o Aldo Brandão, tem uma equipe muito boa lá que eu não conhecia. Eles são muito competentes, estão me ajudando bastante, comprando esse desafio junto comigo, e o João está dando suporte. Ele está no Rio de Janeiro e, a princípio, eu não quero ir para lá. Estou voltando a treinar ainda, mas futuramente devo intercalar São Paulo e Rio para estar perto do João. Estou numa clínica de fisioterapia que é a F3. Eles também compraram a ideia comigo. Nessas cinco semanas, já encontrei com um empresário que é muito forte, que desde o tempo que eu treinava a gente se conhecia. Ele também comprou a ideia, então já fechou um contrato, vai me ajudar com uma grana por mês… São várias coisas acontecendo muito rápido. Vai me dando confiança, cara. Na hora que eu tenho uma dúvida, eu cruzo um grande empresário que fala "pô, Saretta, acredito na sua história. Tem que ter coragem para fazer o que você está fazendo". Então estou encontrando pessoas que estão acreditando em mim e nesse desafio, que acaba não sendo só meu. Estou curtindo. Estou curtindo bastante, cara.
Você passa mais tempo na quadra hoje do que há cinco anos?
Não, cara, não. Estou treinando um período forte, das 10h às 12h30min, de segunda a sexta, e no segundo período eu tenho feito a parte física, a fisioterapia, para prevenir lesão, que é muito importante. Eu ficava muito mais tempo na quadra, e a tendência vai ser essa. Aumentar o tempo de quadra gradativamente, mas ao mesmo tempo eu tenho 33 anos. Nunca precisei ficar tanto tempo dentro da quadra assim. Tem algumas horas que eu rendo muito bem. Depois, eu começo a atrapalhar o treino (risos), então já sei esse lado meu. A gente sabe o período que eu tenho que ficar dentro de quadra. Mas, lógico, que não vou viver hoje como quando eu tinha 20 anos de idade.
Depois de São Paulo e Santos, já tem alguma coisa programada?
Como eu ia ficar muito mais tempo treinando, a gente está com total calma. Mas entre aspas porque também não dá para ter tanta calma porque o ano passa voando, mas não dá para saber. Se tiver que jogar alguns Futures, eu vou jogar. Se eu conseguir mais alguns convites, vou jogar também. Mas com calma, cara. Com calma. Vamos ter calma, fazer um dia de cada vez, trabalhar duro como eu tô fazendo, sem chamar a atenção, porque ninguém imaginava que eu estava treinando há tanto tempo. Estou na quinta semana treinando, e treinando duro. Então não tô de brincadeira. Tô a fim de jogar mesmo.
E até onde vai esse retorno? Você já consegue enxergar um objetivo final ou algo que te faria parar outra vez?
Cara, eu não consigo, sinceramente. Eu tô pensando no dia a dia, até porque estou cheio de dor no corpo. Cada dia, é uma dor diferente (risos). Mas não, cara. Eu quero jogar. Eu tô a fim de jogar. Tô adorando ter a rotina de atleta, de acordar cedo, ir treinar… Por isso que eu falo que dou risada. Porque todo dia acordo 7h30min, tomo meu café, pego a raquete, vou treinar feliz da vida até 12h30min. São rotinas que eu nunca imaginei que teria saudade e, hoje em dia, tô feliz de estar vivendo isso. Não dá para saber. Eu não tenho a mínima noção de quando eu vou começar a ganhar jogos. Pode ser que demore um mês, pode ser que demore uma semana… Não dá para saber o quanto isso vai durar. O que eu sei é que estou vivendo um dia de cada vez. O que você falou da desconfiança… Eu sou brasileiro, a gente é brasileiro, sabe muito bem que o povo gosta de criticar muito mais do que elogiar, né? Não tenho dúvidas que as críticas vão ser gigantescas. As pessoas vão dizer "pô, o cara não vai", "o Saretta tá louco" e não sei o que, mas é o que eu falei… Uma coisa que eu aprendi, e o amadurecimento ajuda, é isso: deixar falar e conseguir assimilar o que é bom para mim. O que não for eu chuto no ângulo. (risos)
Sobre o autor
Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org
Sobre o blog
Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.