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Recompensa ou incentivo?

Alexandre Cossenza

30/11/2013 10h50

Bruno Soares e Marcelo Melo participaram, nesta sexta-feira, em Brasília, da cerimônia de entrega de seus certificados como atletas participantes do Bolsa Atleta Pódio, "que oferece apoio complementar aos brasileiros com chance de disputar medalhas nos Jogos Olímpicos e nos Jogos Paraolímpicos de 2016". As aspas são para ilustrar que é esta a definição dada no texto do Ministério do Esporte, publicado neste dia 29 de novembro.

Até agora, é de 127 o número de atletas anunciados pelo Ministério para receber a Bolsa Pódio. Os valores variam de R$ 5 mil a R$ 15 mil, dependendo de critérios técnicos e do ranking de cada atleta em sua modalidade. Nos casos específicos do tênis, Bruno recebe uma bolsa cheia, de R$ 15 mil, enquanto Marcelo recebe R$ 11 mil mensais. Ou seja, o Governo Federal está investindo R$ 26 mil mensais no tênis em busca de uma medalha olímpica em 2016. E é aí, quando entram em cena os valores, que começa um debate interessante.

Pouco depois de eu mencionar as bolsas no Twitter, meu amigo Filipe Ribeiro, colaborador do blog há alguns anos, saiu com esta indagação:

@saqueevoleio Quantos Brunos e Marcelos sairiam de um projeto que recebesse R$ 26 mil todo mês?

— Filipe Ribeiro (@rbfilipe) November 29, 2013

 

Sua preocupação, claro, é com a formação de atletas. Afinal, os R$ 26 mil (mensais!) investidos em Bruno e Marcelo sustentariam um bocado de projetos sociais e de formação de tenistas, certo? Só que projetos sociais e escolinhas de tênis não posam para foto com ministros e secretários e não aparecem na imprensa. E, quando aparecem, seus elogios não têm a devida força. Uma coisa é ter Bruno Soares na TV elogiando o incentivo do governo. Outra, bem diferente, é ter um Marcelo Ruschel ou um Alexandre Borges (dois heróis) a seu lado.

Calma, não estou chamando os duplistas de mercenários. Nem de longe. Se o governo quiser me dar R$ 15 mil por mês para escrever sobre projetos sociais, faço com prazer e agradeço publicamente, igualzinho aos mineiros. Por outro lado, vale a pena lembrar que Bruno ganhou US$ 776 mil no circuito este ano, enquanto Marcelo embolsou US$ 508 mil. Descontemos uns 30% de impostos, mas incluamos a verba de patrocinadores como Centauro, Asics, Correios e BMG. Não me parece que os dois estavam passando fome sem a Bolsa Pódio.

Este é o momento em que um punhado de leitores começa a dizer "Nossa, que cara chato. Se o Governo não ajuda, reclama. Quando ajuda, reclama também." Mas não pode ser bem assim. Entendo perfeitamente que o Bolsa Pódio é um programa específico para apoiar quem tem chance de medalha em 2016. E o Ministério, se questionado, vai dizer o Bolsa Atleta (não confundir com o Bolsa Pódio) beneficia outros 66 tenistas, que milhões de reais já foram investidos na modalidade, e que a Lei de Incentivo está aí para quem quiser aproveitar. E, segundo o Ministério, a CBT já captou R$ 7,2 milhões, enquanto o Instituto Tênis captou outros R$ 8,8 milhões – sim, tudo isso com a Lei de Incentivo.

Mas eu divago. O ponto aqui é o Bolsa Pódio, com sua existência e sua finalidade. Mas por que se investe R$ 15 mil mensais em um atleta já estabelecido, financeiramente estabilizado? Por que esses R$ 15 mil (ou R$ 26 mil) não são utilizados na formação de atletas? É porque o governo terá mais retorno (e um retorno mais rápido) com uma medalha amanhã do que em 2020 ou 2024, sob outra(s) administração(ões)? Ou é porque falta uma política de formação de atletas e, portanto, esse valor seria desperdiçado se destinado a escolinhas ou clubes de tênis aqui e ali? E o que falta para que tenhamos uma política de formação? Quem assume essa responsabilidade?

E o debate é bem mais amplo que isto. Bruno e Marcelo não merecem as Bolsas? Claro que merecem, afinal estão entre os dez melhores duplistas do mundo, alguém pode argumentar – e com razão. Mas esta lógica nos leva a outra pergunta: a Bolsa Pódio é recompensa ou incentivo? No tênis, tem cara de recompensa. Afinal, para ter o direito de recebê-la, o atleta tem que estar entre os 20 melhores do mundo. E, na ATP, quem está entre os 20 é porque já ralou bastante e já embolsou uma quantia considerável.

Alguém pode dizer que a Bolsa também é um incentivo, já que quem está abaixo no ranking pode trabalhar mais duro, pensando na possibilidade de também ganhar R$ 15 mil mensais. Esta defesa não me parece fazer muito sentido. Se alguém almeja dinheiro no tênis, essa motivação existe, semana a semana, no chamado prize money. Quem vai mais longe em um torneio ganha mais dinheiro, sempre foi assim. E no esporte, se alguém compete com mais ânimo porque há uma quantia maior em jogo, talvez seja o caso de repensar a profissão…

É o tipo de debate que pode durar horas. Cada leitor pode dar um argumento diferente, defender este ou aquele lado. A caixa de comentários está aberta a todos, e a discussão, especialmente quando envolve dinheiro público, é sempre válida. E preocupa, sempre, o pós-2016. O que será do Brasil em 2020?

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.


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