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Ashleigh Barty: a habilidosa, generosa e incomum campeã de 2019

Alexandre Cossenza

04/11/2019 11h00

Ela conquistou quatro títulos em quatro pisos bem diferentes, venceu 56 partidas, embolsou US$ 11,3 milhões e participou de todas as partidas vencidas pela Austrália no caminho para a final da Fed Cup. Não há como questionar que a temporada de 2019 pertence a Ashleigh Barty, que não só termina o ano como uma indiscutível número 1 do mundo (são quase dois mil pontos de vantagem sobre a vice-líder, Karolina Pliskova) como fecha o circuito da WTA com o título do WTA Finals, em Shenzhen.

O título de "campeã da temporada" não poderia estar em mãos mais habilidosas. Foi com seu toque precioso, capaz de produzir slices e voleios como poucas, além de distribuir a bola com rara precisão, que Barty já começou a surpreender em Miami, onde bateu três top 10 (Bertens, Kvitova e Pliskova). Também foi assim, com recursos para vencer de maneiras diferentes, que a australiana conquistou Roland Garros, seu primeiro slam, logo no saibro, piso que não lhe dá tanta vantagem assim. O talento também lhe levou a triunfar na grama de Birmingham e na quadra dura, porém fofa (e muito questionada pelas tenistas), do WTA Finals, em Shenzhen.

O ano do tênis feminino não poderia estar em mãos mais generosas. Três dias atrás, quando se classificou para as semifinais em Shenzhen, já sabendo que sairia do WTA Finals com um cheque paquidérmico, foi à internet fazer compras. Sapatos? Vestidos? Eletrônicos? Nada disso. Barty estava comprando coisas para a RSPCA, órgão de prevenção contra crueldade com animais. "Sei que eles precisam de coisas normais para gatos e cães e meio que tudo no abrigo da RSPCA. Um pouco para dar a eles quando eu estiver de volta à Austrália no fim do ano. Estamos muito felizes fazendo isso."

Alguém pode dizer que Barty como número 1 do mundo é "bizarro". Sim, ela mesma disse isso no vídeo acima. É a primeira vez no tênis feminino, em 44 anos de ranking da WTA, que alguém que começa uma temporada fora do top 10 vence um slam e termina o ano no topo. Mas também é verdade que a história da australiana, assim como seu tênis, não tem nada de padrão nos tempos modernos da modalidade.

Lembremos que Barty foi campeã juvenil de Wimbledon aos 15 e, aos 17, estava enfrentando Serena Williams na quadra central do Australia Open. Era a jovem promissora que, cedo ou tarde, deslancharia e conquistaria algo grande. Só que essa história teve um desvio quando Barty, com 18 anos, largou o tênis porque queria viver como uma adolescente normal. Acabou aceitando um convite para jogar críquete profissional e só voltou ao tênis dois anos depois.

O críquete, aliás, nunca ficou totalmente no passado. Neste domingo, antes de derrotar Elina Svitolina com mais uma atuação brilhante, Barty brincava em quadra (assista abaixo), sem aquela preocupação excessiva em calibrar milimetricamente forehands e backhands. Hoje, com 23 anos, a australiana já aprendeu a lidar com pressão, expectativa e ansiedade. É uma tenista que, mesmo sem a potência de uma Williams ou a altura de uma Sharapova, sabe o que fazer, quando fazer e como fazer. Quando tudo se encaixa, é duro batê-la.

Coisas que eu acho que acho:

– Com Barty no topo do ranking, a WTA não poderia estar muito mais feliz. O tênis feminino tem no alto de seu ranking uma menina centrada, simpática, generosa e que mostra que é possível ser uma atleta de elite – e vencedora! – sem inimizades no vestiário ou trapaças dentro de quadra. No seu meio, Barty é querida e respeitada e não precisa mais do que isso.

– A presença de Barty como número 1 do mundo também dá um recado claro a federações, atletas e pais de atletas ao redor do planeta: há mais de uma maneira de se fazer um campeão. Há mais de um caminho para escalar a montanha que é a elite do tênis mundial.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.