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Relatório do TCU aponta falta de transparência na CBT e questiona mudança de sede

Alexandre Cossenza

20/08/2019 04h00

Após uma auditoria de conformidade na Confederação Brasileira de Tênis (CBT), feita para verificar a aplicação de recursos da Lei Piva no esporte de alto rendimento, o Tribunal de Contas de União (TCU) publicou um relatório citando falta de transparência, falta de informações no site da entidade e gastos administrativos acima do limite. O TCU ainda questionou a mudança de sede da CBT, feita sem um estudo de viabilidade econômica.

A CBT negou irregularidades e disse que "tomou conhecimento neste mês do relatório final da auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União no fim do ano passado. A conclusão do documento foi de que não há irregularidades na atual gestão da entidade e, por isso, ele foi arquivado". Leia aqui a nota oficial publicada pela entidade.

Falta de transparência

No documento, finalizado em 7 de agosto e que pode ser lido na íntegra neste link e neste PDF, o TCU menciona transparência mais de uma vez. A primeira delas é no que diz respeito ao site da CBT, que "não apresenta informações específicas previstas pela legislação destinadas à transparência na gestão de recursos públicos." Entre as informações que deveriam constar do site estão:

– Teores dos contratos assinados pela CBT
– Publicação anual de informações sobre as ações relacionadas ao recebimento e destinação de recursos públicos com a indicação dos respectivos instrumentos de formalização dos acordos, seu respectivo valor, prazo de vigência, nome da pessoa física ou jurídica contratada
– Publicação anual de relatórios de gestão e de execução orçamentária
– Informações completas sobre licitações e contratos

O relatório informa também as justificativas dadas pela CBT (páginas 5 e 6), entre as quais está a alegação de "que a infraestrutura e a arquitetura do sistema informatizado atualmente em uso no seu sítio não suporta a apresentação de todas as informações previstas no normativo". O TCU conclui que o efeito imediato da falta destas informações no site é a redução da transparência.

O documento também cita a falta de transparência quando aponta que "as informações publicadas pela CBT relativas à execução financeira custeada com recursos públicos não favorecem o controle pelo meio esportivo e social." A CBT produziu planilhas demonstrando seus gastos de 2015 a 2017 para o TCU. O órgão admite que "na auditoria foi identificado que as informações constantes do Sigef necessárias à prestação de contas e providenciadas pela CBT são bastante completas e detalhadas", mas que "o formato de apresentação destas informações no sistema Sigef é muito pouco amigável e não favorece as atividades de gestão e de controle." O documento ainda ressalta que "há registro de todas as despesas, mas o acesso a elas é muito trabalhoso e não favorece uma visão gerencial e de controle." O TCU opina que "para a CBT elaborar um relatório gerencial periódico de acompanhamento dos gastos em cada categoria de despesa é necessário um grande trabalho braçal, pois isso demanda acessar cada projeto e buscar cada despesa individualmente no Sigef." Ainda assim, o órgão relata que é "possível e necessário que sejam produzidas sistematicamente, pela CBT, informações mais amigáveis consubstanciadas em planilhas compiladas e simples para possibilitar o controle pelo meio esportivo e social". Em outras palavras, a sociedade deveria poder identificar quanto e onde a entidade está gastando. Por isso, o TCU pediu que a CBT providencie a publicação de dados com as seguintes despesas, entre outras, para potencializar a transparência:

– Participação de dirigentes em assembleias
– Fomento da modalidade
– Organização de competições
– Aquisição de passagens, hospedagem e alimentação
– Ajuda de custo
– Outras despesas de viagem

Mudança de sede sem estudo de viabilidade técnica e econômica

Aqui, o TCU faz várias ponderações. Entre elas, questiona a prática conhecida como "confederação caramujo", que acontece quando presidentes recém-empossados levam a sede para sua cidade de domicílio – caso de Rafael Westrupp. O órgão fiscal lembra que Westrupp usou como justificativa a possibilidade de a CBT ter uma sede própria e gastar menos com aluguel (pagava, segundo a CBT, R$ 13 mil mensais em São Paulo e hoje contribui com R$ 4 mil em Florianópolis).

Acontece que o TCU aponta que a CBT não possui uma sede própria, já que tem suas instalações em terreno cedido, e a cessão termina em 2021, quando acaba a gestão de Westrupp. Logo, não é possível afirmar que as vantagens justificadas por Westrupp se manterão nas próximas gestões.

Além disso, a CBT alega que teve uma redução mensal de despesas no valor de R$ 86.700 e que a mudança se justifica economicamente – ainda que tenham sido necessárias despesas extras de R$ 36 mil (reforma das salas da Federação Catarinense ocupadas pela CBT) e R$ 147 mil referentes a rescisões de contrato de trabalho de colaboradores – totalizando R$ 184 mil. Além disso, no balanço de 2017, a CBT aprovisionou R$ 600 mil para gastos com a ação trabalhista de um ex-diretor. Sem contar que a redução de gastos não veio só com a mudança para Florianópolis, mas com o desligamento de vários funcionários. O relatório, aliás, publica os salários de antes e depois da mudança da CBT para Floripa (vejam na página 27 do documento).

O TCU declara que "ainda que a mudança de sede da CBT de São Paulo para Florianópolis possa ser justificada pelos dados apresentados, ao menos para o período de vigência da cessão do terreno e das instalações pela Prefeitura de Florianópolis e pela Federação Catarinense, não houve a demonstração formal destas vantagens previamente à mudança por meio de relatório ou de análise
técnica e econômica da CBT ou do COB."

Além disso, o órgão questiona a prática da mudança de sede ao afirmar que:

– A mudança das sedes facilita ao novo gestor a substituição de todos os funcionários da gestão anterior por outros novos por ele escolhidos. Esta prática favorece a personalização da confederação e a ocorrência de administrações patrimonialistas, além de favorecer a perda do material humano, exigindo um recomeço praticamente do zero a cada nova gestão.

– As mudanças de sede sem comprovação técnica e econômica de sua vantagem e sem supervisão superior dos critérios adotados têm elevado potencial de causar prejuízo ao desenvolvimento e apoio da modalidade desportiva e, em razão dos gastos inesperados incorridos, também impor riscos à saúde financeira da confederação, além de favorecer a personalização da administração.

– Essa prática pode acarretar gastos elevados com recursos públicos relativos a mudanças físicas e, especialmente, com a eventual necessidade de demissão dos antigos e admissão de novos colaboradores, o que pode favorecer práticas patrimonialistas.

Gastos administrativos acima do limite

O TCU apontou também que a CBT ultrapassou, em 2015, 2016 e 2017, o limite máximo de 20% de gastos com despesas administrativas, previsto no art. 6º da Portaria 1 do Ministério do Esporte, de 3 de janeiro de 2014. A consequência disso, conforme opina o órgão, é um "prejuízo às atividades finalísticas da Confederação."

A ressalva que se faz é que a CBT teve 27% de gasto administrativo, e o teto é 20%. O TCU, contudo, conta salário de presidente como gasto administrativo, norma que vale agora, e analisa as contas de 2017 quando salário de presidente era registrado como apoio ao esporte.

Passagens aéreas sem checagem de preços

Segundo o relatório, não há procedimentos formais na CBT para checar se os três preços de passagens aéreas apresentados pela agência de viagens (no caso, a catarinense WTL) são efetivamente os preços mínimos para uma dada viagem.

Isso acontece porque, de acordo com o documento, a CBT não utiliza os sistemas de pesquisa e emissão de passagens, disponíveis por força contratual, em razão da limitação de pessoal – leia-se "não há ninguém para fazer isso na entidade". Para o TCU, a consequência potencial disso são danos ao Erário gerados pela eventual aquisição de passagens em preços superiores aos mínimos.

Ausência de indicadores de desempenho e metas

Até o fim de 2018, com já dois anos da gestão de Rafael Westrupp, "a confederação não vinha impondo metas e objetivos de modo a vincular os atletas e seus treinadores." Aqui, há culpa do Ministério do Esporte, que formou convênio com o COB e não exigiu que fossem formalizados contratos de desempenho. O mesmo valeu para as confederações.

O relatório do TCU identifica evolução nos resultados masculinos da modalidade nos últimos dez anos. O órgão se baseia em gráficos com resultados de Jogos Olímpicos (aponta o quinto lugar nas duplas) e no ranking da ATP (onde Marcelo Melo e Bruno Soares estão frequentemente entre os 10 primeiros do mundo). As tabelas não discriminam os resultados de simples dos de duplas, o que gera esse entendimento parcial do tema. O TCU também registrou "redução no desempenho das tenistas femininas", baseando-se em um gráfico com uma pontuação estranha (vejam na página 20), mas que provavelmente tem a ver com os resultados de Teliana Pereira e o que não aconteceu depois dela no país.

Falta de regulamento para a contratação de pessoal

Durante as reuniões de auditoria, a CBT informou que não tem regulamento e não emprega outros procedimentos formas com critérios objetivos de seleção que sejam previamente publicados para a contratação de funcionários. Isso faz com que os procedimentos de seleção não sejam amplamente divulgados. A CBT alega que é difícil encontrar qualificações necessárias por causa da peculiaridade do tênis. Ainda assim, o TCU aponta que a CBT precisa respeitar a legislação e publicar no site seu regulamento próprio para contratações e que é preciso observar os princípios da impessoalidade, da publicidade, da igualdade e do julgamento objetivo para as contratações.

Observações: 

– As explicações da CBT para cada caso citado neste post estão descritas no relatório do TCU (linkado no alto deste texto) em seus respectivos itens.

– Antes de publicar o post, usei a ferramenta de busca do site da CBT e procurei por "contratos", "remunerações" e "licitações" (alguns dos elementos, que segundo o TCU, deveriam constar do site da CBT). Em nenhum caso, a busca apontou um resultado.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.