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Serena Williams e a busca por um recorde que só reduz seu valor

Alexandre Cossenza

13/07/2019 13h00

Serena Williams é uma das maiores tenistas da história. Ponto. Em que lugar ela ficaria na lista das maiores é difícil dizer. Leitores assíduos do Saque e Voleio sabem que não considero justo comparar tenistas de gerações diferentes. O conjunto de circunstâncias que envolve a carreira de Margaret Court é muito diferente do cenário de Steffi Graf, que não nada foi parecido com o grande momento de Serena Williams.

A americana venceu tudo que podia na vida. Conquistou 23 slams em simples (39 ao todo, somando duplas e mistas), ganhou medalhas olímpicas, fez fortuna e constituiu uma nova família. É um ícone do esporte, do feminismo e da moda. Hoje, aos 37 anos e mãe da pequena Alexis Olympia, nascida em setembro de 2017, administra a vida pessoal enquanto mantém a ambição de conquistar mais dois títulos de slam e quebrar o recorde de Margaret Court.

Court conquistou 24 slams em simples de 1960 a 1973. Ao todo, somando duplas e mistas, são impressionantes 64 troféus – nove deles, aliás, conquistados após o nascimento de Daniel, seu primeiro filho. Em janeiro de 2017, quando venceu seu 23º, já durante a gravidez, Serena deixou para trás os 22 de Graf. E não, ela não está satisfeita. Ela quer mais. Ela, afinal, pode mais. Era favoritíssima contra Simona Halep neste sábado, em Wimbledon, mas acabou superada. Foi sua terceira derrota em uma final de slam desde que chegou à marca de 23 títulos.

Seu técnico, Patrick Mouratoglou, já disse que Serena faria tudo para bater o recorde e entrar em todos os livros da história do tênis. Durante a cerimônia do Prêmio Laureus de 2019, afirmou que o objetivo é conquistar "os dois que faltam". Há uma meta clara aí, mas também há uma pergunta que volta à tona cada vez que Serena é derrotada em um slam: ela precisa do recorde para ser considerada a melhor tenista da história?

Para muitos, a resposta é um sonoro não. Em muitas reportagens (especialmente na imprensa americana), Serena já é tratada como a maior. Uma campanha recente da Nike, aliás, já tratou a tenista como a maior atleta da história – independentemente de gênero. Um rótulo um tanto ousado (se já é difícil comparar atletas do mesmo esporte, o que dizer de esportes diferentes, incluindo homens e mulheres?), mas é marketing. É bacana, chama atenção, mas não pode ser levado tão a sério assim.

Se faz diferença ou não, o fato é que Serena quer o recorde e, do jeito que ela se posiciona a respeito, é como se o 25º slam fosse significar, acima de qualquer argumento, que ela é a maior. E é aí que as mensagens podem se embaralhar. Por que, afinal, o número de slams em simples seria o divisor definitivo entre duas atletas que competiram separadas por quase 40 anos? Não me parece fazer sentido a comparação – como já escrevi um punhado de vezes na eterna discussão sobre o maior tenista homem da história.

E fará menos sentido ainda se Serena continuar a alongar sua carreira em busca apenas do recorde. Ela já não se preocupa com o ranking e pouco se importa com o número de torneios que disputa. Também já não possui a vitalidade de outros tempos e não treina com a frequência de antes – um pouco por lesões, um pouco por causa da atenção que dá à filha. Este ano, por exemplo, pouco depois de chegar e fazer seu primeiro treino em Roland Garros, tirou um dia de folga na Disney europeia. E tudo bem, ela tem suas prioridades e pode fazer as escolhas que quiser. Ninguém está julgando.

Maaaas a Serena de hoje não é a Serena dominante de cinco anos atrás. Trata-se de uma tenista que, quando não está no seu melhor, pode ser varrida da quadra por uma jovem em ascensão como Sofia Kenin. Foi assim em Roland Garros. É bem possível que qualquer outra tenista, com a mesma preparação de Serena em Paris, mal vencesse nas primeiras rodadas. Só que mesmo longe de seu melhor, a americana ainda é uma das melhores do circuito atual. Ela é enorme assim.

Por isso, chegou a Wimbledon bem fisicamente, recuperada do problema no joelho, e chegou a mais uma final, como fez no ano passado. Pode voltar a Nova York em forma, igualar o recorde lá e quebrá-lo em Melbourne, no início de 2020. Será espetacular se/quando acontecer. Mas por que isso significaria automaticamente o título simbólico de maior tenista da história?

Aqui, a carreira longa de Serena joga contra esse argumento. Tratamos de uma atleta que poderia ter deixado o circuito quando deu à luz, em 2017, mas que voltou e persiste/insiste pelo recorde. E isso faz a comparação ainda mais injusta porque inevitavelmente leva à hipotética questão: "Quantos slams Margaret Court teria vencido se estivesse buscando uma marca?"

A australiana era a maior de sua época. O recorde era seu. O 24º slam veio quando ela tinha "apenas" 31 anos e viajava sem jatinho particular, sem se hospedar em hotéis de luxo, competindo nas três modalidades com raquetes de aro menor e mais pesadas – e sem os benefícios da fisioterapia moderna. Somou 64 slams assim. Fenomenal.

Mas e se houvesse alguém à frente, uma meta a buscar? Poderia ter se dedicado mais, jogado mais, se afastado menos do circuito. Court teve três filhos durante a carreira e se aposentou aos 35, quando ficou grávida do quarto. Quem pode garantir o que teria sido se houvesse um número a alcançar? Essa pergunta nunca terá resposta.

Logo, não parece fazer sentido a comparação "apenas" pelo número de slams, mas é esse o recado que Mouratoglou manda quando sua atleta alonga uma carreira de sucesso absoluto em busca de "os dois que faltam". E que ninguém entenda este texto errado: Serena já pode se considerar a maior da história. Hoje. Alguns especialistas já cravam isso (repito: a maioria, nos EUA). E tudo bem. Cada um com sua opinião e seus argumentos. Mas se o número de slams em simples for o número definitivo para alguém, a busca de Serena só enfraquece seu significado.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.