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15 Anos do Boicote - Alexandre Simoni: tênis brasileiro hoje é 'muito pior'

Alexandre Cossenza

29/04/2019 09h14

Em 2004, Gustavo Kuerten e os melhores tenistas do país executaram um boicote e não disputaram a Copa Davis. Era uma medida contra a gestão de Nelson Nastás, então presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT). O Brasil acabou rebaixado para a terceira divisão da competição e entrou num turbilhão político que só acabou no ano seguinte, quando o catarinense Jorge Lacerda assumiu a presidência da entidade.

Desde o começo da semana passada, o blog publica uma série de entrevistas com pessoas ligadas ao boicote e suas consequências. A intenção é lembrar dos fatos de 2004 e analisar o tênis brasileiro nos últimos 15 anos. O quanto o esporte evoluiu no país? Que passos à frente a CBT deu no período? Houve retrocesso em algum setor? Por que Jorge Lacerda, condenado a quatro anos de prisão por peculato, não foi cobrado da mesma maneira pelos melhores tenistas do país?

O papo hoje é com o ex-top 100 Alexandre Simoni, que esteve presente em vários confrontos de Copa Davis, não foi informado do boicote e decidiu entrar em quadra contra o Paraguai no primeiro duelo sem Guga e cia. Simoni, aliás, ganhou a partida de duplas ao lado de Josh Goffi, brasileiro radicado nos Estados Unidos e que não fala português. Em nossa conversa por telefone, o paulista de 39 anos conta como foi ignorado pelos que promoveram o boicote, compara o momento do tênis brasileiro atual com o de 15 anos atrás e ressalta o quanto ex-tenistas são deixados de lado por aqui – Simoni teve até um pedido para ver um confronto de Davis negado por Lacerda…

Quando você ficou sabendo que haveria um boicote?

Cara, essa é uma boa pergunta. Até hoje, eu não sei. Eu lembro que eu estava na Costa do Sauípe [durante o Brasil Open, em fevereiro], jogando, e via o pessoal comentando, chamando para uma reunião, só que eu estava fora. Não estava sabendo de nada que estava acontecendo. Achei estranho porque eu participava da Copa Davis. De 1997 até 2000 como juvenil, para treinar, depois em 2001 e 2002 como titular. E, depois, nunca mais falaram nada comigo. Eu não sabia nada. Fiquei sabendo depois de um tempo que estava acontecendo um boicote, mas ninguém falou nada comigo.

Quem te convocou foi o Chapecó mesmo [depois de Jaime Oncins desistir de assumir o cargo, Carlos Chabalgoity aceitou ser capitão durante o confronto contra o Paraguai, em abril de 2004]?

Foi o Chapecó.

Como foi essa conversa?

Na época, eu estava treinando na academia que ele dava treino, e ele perguntou se eu jogaria a Copa Davis. Ele tinha contado do boicote e tal, eu eu falei: "Chapecó, independentemente do que estiver acontecendo… Se tem um grupo fazendo boicote… Apoio o boicote, mas acho que tem que ter alguém que possa jogar. Porque é o sonho de todo jogador querer jogar a Copa Davis, representar seu país. Eu já tinha representado e estava sendo convocado de novo. Pensei: "O pessoal faz o boicote lá, e eu vou fazer minha parte representando o Brasil independentemente do que estiver acontecendo." Meu objetivo lá era jogar tênis. A parte política, o que acontece for fora, eu não em meti em nada, então eu aceitei, fui e joguei.

Dessa conversa com o Chapecó até o primeiro jogo daquele confronto, alguém tentou te convencer a não jogar?

Nada. Não aconteceu nada. Simplesmente o Chapecó me convocou, a gente fez os treinamentos… Teve um dia com uma coletiva de imprensa na academia, mas nem lembro o que perguntaram para a gente. Mas nenhum jogador veio falar nada comigo.

E depois do confronto, houve geladeira, represália, algo assim por parte dos outros tenistas brasileiros?

Da minha parte, eu não senti nada. Todo mundo me tratava normal… Não teria nem por que me colocarem numa geladeira porque ninguém falou nada comigo, ninguém conversou comigo e eu não fiz nada de errado. Fiz a parte de representar o país e se o Brasil tivesse ganhado, poderiam ser os outros a representar o país depois. É a coisa que eu falei: o sonho de todo jogador é jogar a Copa Davis. Eu já tinha jogado o Grupo Mundial e queria manter a equipe lá em cima, independentemente do boicote. Era sempre bom para a visibilidade do país manter o time no Grupo Mundial. Infelizmente, não aconteceu. Daí, nos outros confrontos, levaram juvenis, que não lembro quem foi.

E você fez uma dupla super curiosa com o Josh Goffi, que ninguém conhecia e nem falava português! Como foi aquilo?

Eu conhecia ele de algum torneio que a gente se encontrou, mas a gente se conheceu de verdade na semana dos treinos [para a Davis] mesmo. Foi mais na raça, até porque ele falava português, então a gente levava no inglês e "Brasil em primeiro lugar" e deu certo, tanto que a gente ganhou o jogo.

Como era sua relação com o Nelson Nastás na época?

Nada. Não só no tênis, mas como em qualquer parte da minha vida, parte política eu deixo de lado, sabe? Tem essa parte que os dirigentes têm que fazer essa parte extraquadra para poder fazer que o tênis aconteça da melhor forma possível, e eu nunca quis me preocupar com essa parte porque acho que não tem muito a ver. Quando política e esporte se abraçam, dá problema. Foi o que aconteceu, né? Até hoje tendo problema. Eu sempre me preocupei em jogar tênis. O resto, se tivesse que resolver algum problema, ou era meu treinador ou o manager, sabe?

Jorge Lacerda você não conhecia?

Não. Fiquei sabendo que ele existia na época que colocaram o nome dele, que ele seria o candidato opositor para entrar no lugar do Nelson. A partir de então comecei a conhecer ele, mas nunca conversei, nunca tive contato, nunca tive nada.

A pergunta que eu fiz para todo mundo é: o tênis brasileiro está melhor do que 15 anos atrás? Ou piorou? Faço essa relação porque saiu um presidente acusado de irregularidades e de não aproveitar a "Era Guga", e o presidente que entrou não aproveitou o período pré-Rio 2016 e acabou condenado à prisão por quatro anos por crime de peculato…

Olha… Eu acho que hoje em dia está muito pior do que antigamente. É só você ver… Começa pela base, né? Tem muito pouca gente jogando tênis. Em São Paulo, é difícil às vezes ter chave para ter torneio. Se tivesse melhorado, teria muita gente jogando tênis. Pelo contrário. Tem pouca gente. Alguma coisa não foi feita corretamente para alavancar e atrair mais gente para jogar. E eu lembro que na época estava bombando o tênis. Nas academias, nos clubes, você tinha lista de espera, era muita gente jogando, os torneios com muito inscritos, e hoje em dia você não vê isso. Poucos torneios, poucas crianças jogando, e é ruim para o tênis porque não aparece mais ninguém. Tem que caçar um palitinho no palheiro lá. É complicado. É ruim para o esporte em geral.

Acho até que é possível argumentar que a CBT está investindo no alto rendimento porque se conseguir fazer um cara, essa cara vai botar mais gente jogando. Mas e se não acertar esse "um" cara e ignorar a base, aí você cria um buraco enorme, né?

Você tem que pensar ao contrário, né? Para poder aparecer alguém, você tem que investir na base. Os que estão lá em cima já estão consolidados. É claro que todo mundo precisa ter ajuda. Eu já passei por essa fase também, estive no alto nível, tive meus patrocínios, e quanto mais ajuda, melhor para a gente, que fica mais tranquilo para poder viajar, trabalhar e pensar só no tênis. Mas para poder aparecer algum jogador, é na base que tem que investir. Não houve nenhum investimento, no meu modo de ver, na base. A gente tenta, como ex-jogador, pensar em uma solução para poder incentivar as crianças. Eu falo da minha parte porque trabalho no clube Helvetia, e desde agosto do ano passado, eu, o Eric Gomes e o Marcelo Nascimento começamos uma equipe de competição com um pessoal só do clube para tentar fazer alguma coisa, dar um primeiro passo. Agora o Rafael Camilo entrou com a gente, o Tiago Lopes entrou com a gente, estamos com uma equipe muito boa. Tem umas 20 e tantas crianças com a gente, estamos pensando na base e lá na frente, mas é complicado. É aquela coisa: a gente planta uma semente para dar um fruto lá na frente. Com certeza, vai dar certo.

Nesses 15 anos, a CBT te chamou para participar de alguma coisa?

Não, nunca. Nessa parte, a gente fica até um pouco triste porque você começa a olhar para fora, para outros países, e você vê que tem muitos ex-jogadores que fazem parte dos centros de treinamento, treinando a parte competitiva e viajando com os profissionais… Você vê que tem resultado. E aqui no Brasil… É triste falar, mas um ex-profissional não é valorizado. Ele é jogado de lado e ninguém faz nada. Eu já tentei algumas vezes me oferecer a poder trabalhar e passar um pouco da minha experiência. Porque assim… No Brasil, foram poucos jogadores que chegaram no alto nível, que jogaram torneios grandes, Copa Davis, passaram por momentos que pouca gente passou. Acho que é de extrema importância você passar isso adiante. O que eu aprendi eu aprendi com Guga, com Fino, com Jaime, com Pardal, com todas essas pessoas que passaram na época deles, e acho que o mínimo que a gente deve fazer é passar para os outros, para eles poderem saber o caminho a ser seguido. Mas eu vejo que os ex-jogadores não são valorizados, não são lembrados nessa parte. Se todo mundo pudesse estar junto em prol do tênis, aí o Brasil poderia começar a colher bastantes frutos. Não agora, mas lá na frente.

Eu sei que você jogou o Itaú Masters Tour e que houve ameaças a alguns ex-tenistas… Que se eles competissem lá não poderiam ser incluídos em nenhuma ação envolvida com a CBT. Isso aconteceu com você também?

É mais ou menos como aconteceu com o boicote. Eu sabia que estava acontecendo, mas nunca participei de nada disso. Eu só escutava boato de que se jogasse o circuito Itaú não poderia participar de nenhuma coisa referente à CBT. Mas como eu nunca participei de nada [com a CBT], eu jogava [o Masters Tour] tranquilo e não me preocupava. Eu sempre estive à parte. Eu ia lá, jogava meu tênis e pronto. Se a pessoa quer minha ajuda, eu sou jogador de tênis, sou brasileiro, vou querer ajudar também, mas se o pessoal não vem atrás, não adianta ficar eu implorando atrás de alguma coisa se ninguém quer ajuda. Fica difícil.

O Nelson foi alvo do boicote, enquanto o Jorge ficou 12 anos na CBT e todo mundo sabia de certas atitudes dele. Que ele tinha problemas com Nelson Aerts e dificultava tudo que podia para a promotora do Neco, que era autoritário, que negou credenciais a jornalistas, que influenciou para impedir a contratação da Diana Gabanyi na Rio 2016… Por que você acha que os jogadores não se posicionaram como aconteceu com o Nelson lá atrás? Outra geração? Outras prioridades? O que você acha?

Acho que pode ser outra geração, né? É aquela coisa… Se um só fala, ele se queima. O certo seria todo mundo se juntar, como fez no boicote do Nelson, e chegar e falar "Jorge, está acontecendo isso, isso e isso, e não é esse o caminho. Vamos por esse outro. É para ajudar o tênis? Vamos pelo caminho certo." Você falou de credencial… Teve uma vez que eu mandei um email para o Jorge pedindo credencial para a Copa Davis… Fui negado.

Sério?

Sério. Eu, como ex-jogador de Copa Davis, fui negado um convite pra assistir a uma Copa Davis. Falei "então tá bom", mas também não posso colocar a boca no trombone porque aí quem se queima sou eu. Eu não sou político. Eu peço. Falou "não", tá bom. Não tem problema. Não quero confusão com ninguém. A única coisa que eu quero é ajudar. Se todo mundo se ajuda aqui, todo mundo se dá as mãos, quem vai ganhar é o Brasil. Todo mundo ganha. Não pode ser cada um para um lado e seja o que Deus quiser.

Não sei se a pergunta é 100% justa, mas eu faço assim mesmo. É exagero dizer que o boicote fez mal para o tênis brasileiro?

Ah, eu estava até pensando numa resposta porque sabia que você ia perguntar isso (risos). O começo da gestão do Jorge, com captação de patrocínio, ajuda ao alto rendimento, o tênis aparecendo pra caramba… E depois? O que aconteceu? Não aconteceu mais nada. Acabou. Começou um boom muito forte, e no final todo mundo sabe o que aconteceu.

A gente está falando de uma Confederação que perdeu credibilidade. Dois presidentes que saíram tiveram problemas. Houve a intervenção e a entrada da Polícia Federal na época do Nelson, e agora a Justiça Federal condenou o Jorge. O que se faz para começar a reconquistar essa credibilidade? Que passo você daria nessa direção?

Vou pensar pelo tênis, tá? O que nós, no clube, estamos fazendo. Estamos dando um passo pensando na base para ser uma referência de como começar a plantar os frutos para, lá na frente, a gente voltar a ter o tênis de alto nível, de ter grande jogadores, mais jogadores jogando e, assim, o Brasil inteiro começar a fazer a mesma coisa. Hoje em dia, você não tem muita referência de lugar para treinar. Muitos lugares e academias fecharam. Os clubes têm pouca gente jogando. Esse nosso projeto no clube, com ex-jogadores, é um ponto inicial que pode dar certo. E aí seria o quê? Uma Confederação poderia conversar… Por que não ser ume referência? "Em São Paulo tem o clube Helvetia que é uma referência de treinamento", fazer parcerias, uma coisa leva à outra. Eu acho que esse é o caminho.

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* Jaime Oncins foi procurado em fevereiro para falar sobre o boicote, mas não quis dar entrevista sobre o assunto.
* Jorge Lacerda foi contactado em fevereiro e não quis dar entrevista sobre o boicote e sua gestão.
* Também em fevereiro, Nelson Aerts não quis falar sobre o boicote e a gestão de Jorge Lacerda.

Leia as outras entrevistas da série 15 Anos do Boicote:

Pardal lamenta momento pré-Rio 2016 perdido: 'Faltou gestão'

Meligeni lembra rusga com Oscar e critica tenistas: 'Não se posicionam'

Sá elogia gestão Lacerda: 'Cuidou mais do alto rendimento'

Saretta aponta crise do juvenil e queda do tênis brasileiro: 'A gente regrediu'

Nelson Nastás: exílio forçado e uma década para limpar o nome

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

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