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Guga em Miami, parte II: lógica Jerry Maguire nos negócios e ambição de transformar o tênis brasileiro

Alexandre Cossenza

10/04/2019 12h59

Na primeira parte da entrevista realizada com Gustavo Kuerten em Miami, publicada ontem, o ex-número 1 do mundo deu detalhes do processo de construção e desenvolvimento de sua marca e disse até que sua imagem hoje, dez anos após a aposentadoria, às vezes ultrapassa os feitos alcançados dentro de quadra.

Publico hoje a segunda parte desse bate-papo. Aqui, Guga fala sobre como passou mais de um ano conversando com a TV Globo antes de aceitar participar das transmissões dos Jogos Olímpicos Rio 2016; da relação com o pôquer e bebidas alcoólicas; de sua "lógica Jerry Maguire" nos negócios; e da ambição de transformar o tênis brasileiro.

No fim da primeira parte, Guga falou sobre sua imagem e o interesse de vários partidos em tê-lo como aliado e afirmou que não entrar na política "é uma decisão mais individualista, mas é real para mim. No fim das contas, estamos constantemente pensando no que fazemos e para onde vamos, tanto na parte social e institucional, de Instituto Guga Kuerten, quanto na parte de empresa."

Onde o Time Guga se encaixa nisso?

Ah, está direto em dois aspectos: a parte do desenvolvimento do esporte pleno, e depois também entra no educacional.

Eu vejo o Time Guga como uma tentativa de salvar o tênis brasileiro. É absurdo falar isso?

A Escola Guga tem mais capacidade do que o time. Não em salvar, mas em transformar o tênis brasileiro. Essa é a nossa pretensão. A gente quer transformar o tênis brasileiro. Nós, sozinhos, não vamos conseguir fazer. Acho que essas iniciativas perturbam e ajudam outras frentes a seguir adiante.

Pergunto porque eu eu acho que esse trabalho, embora vocês tenham uma preocupação financeira, é um trabalho de massa, que espalha… Hoje vocês estão em quantos estados?

São 51 unidades espalhadas pelo Brasil.

Então…. Tem em todo lugar e com educadores bem qualificados…

Mas essa é a diferença, Alexandre. É aí que eu ia chegar. O cara tem que saber fazer. Eu não posso ter dez alunos, e só um deles ficar jogando daqui a seis meses – que é o que acontecia no tênis. Eu não posso porque da pouca gente que vem, se eu jogar a maioria fora, eu não vou chegar a lugar nenhum! Então tem que trazer gente e pessoas que saibam trabalhar bem. E dar condições para esses caras melhorarem. Hoje, eu tenho 50 espaços onde trabalham e desenvolvem com tranquilidade, com ambição, querendo melhorar, e podendo ficar 20 anos como professor de tênis, o que não acontecia mais! Aí eu vou ter um cara para trabalhar com alto rendimento. Mas só vai funcionar se tiver essa estrutura de base. Ou então ter um número 1 do mundo e tudo ir por água abaixo porque não adianta só isso. Já passaram vários na América do Sul. Número 1, número 5… Mas não é suficiente para transformar aquele esporte no país. Este processo, sim. Por isso que o Time Guga dá holofote. Tem a coisa de o menino com 6 anos falar "Poxa, posso chegar lá no time". O professor que está dando aula para criança pode sonhar estar um dia igual ao Larri [Passos] treinando num grand slam. Ou que o garoto dele pode chegar lá. Essas origens são muito mais essenciais do que a champanhe, que é o grande resultado. A gente está muito vinculado à foto, ao troféu. É o contrário. Até no futebol a gente está sofrendo isso. Se não olhar para trás e ver que a coisa boa tem que ser feita nos primeiros 10-15 anos, desde o jogador até o agente, o treinador e tudo mais, o negócio não anda. A pirâmide precisa estar toda montada para reluzir lá em cima e ficar aparecendo para o mundo.

A imagem que eu tinha sua antes de assinar com a Lacoste era de um cara com um visual mais despojado, e uma marca com um status que eu acreditava não combinar – e obviamente eu me equivoquei aqui. Na primeira vez que você apareceu de Lacoste, em Roland Garros, muita gente dizia "Nossa, encaixou!"

(Risos) A frase é diferente. Desde aquela época, o pessoal começou a falar assim: "A Lacoste te ajudou muito, hein?" (mais risos) Porque até isso a gente aprende. Aprender o que é a marca, como utilizar e até mesmo os momentos da vida. Qual é a melhor parceria que eu teria nesse segmento além da Lacoste? É muito improvável! Dentro do tênis! O René [Lacoste] ganhou três vezes Roland Garros, igual a mim! A história extrapola, é lá dentro de Roland Garros, no tênis, na origem. E me dá essa condição de estar no esporte, no empresarial. É elegante, é chic, mas é descolado também. É perfeito, tanto é que me ajudou horrores! (mais risos) Em determinado evento, posso usar assim que facilita. E isso de pensar mais, me dedicar à imagem, hoje eu tenho tempo. Antes, era "É azul e amarelo que tem aí para jogar? Vou de azul e amarelo e vamos embora." Hoje, a gente vive nesse processo e quando tem uma dedicação de olhar, começam a aparecer belezas. Isso traz o gostinho de querer fazer um pouco melhor, de empolgar aqui dentro de casa ou as pessoas. No fim das contas, agrega muito sabor aos projetos. Se eu consigo encontrar nas minhas parcerias a capacidade de fazer, vale super a pena. É muito empolgante. Daqui a cinco anos, vamos ter Jogos Olímpicos em Paris, na França. Essas ideias… Querendo ou não, a gente é uma agência de publicidade dentro de casa.

Na imagem abaixo, a campanha da Lacoste com Guga (do alto, à esquerda, em sentido horário) no Catar, em Florianópolis, em Londres e em Veneza)

E dá sempre pra identificar o que não vai dar certo? Ou, pelo menos, aquilo que tem um potencial para causar prejuízo para a sua imagem?

O mais desafiador é sair das enrascadas. De cada dez oportunidades, oito não são boas. Aliás, as oportunidades todas são boas, mas possibilidades… De cada dez, uma ou duas são oportunidades reais. E aparece a cada dois dias. No início, era até mais desafiador. Como hoje, a gente já tem pouco tempo para muito empenho, é mais fácil de controlar, mas no início as pessoas têm que se dedicar mais. Pensar e analisar com calma até achar o padrão, o jeito de fazer para saber dar o "não". Para conseguir olhar aquele caminhão de dinheiro e falar "Não, eu preciso esperar".

Que tipo de coisa te oferecia muito dinheiro e você nunca fez?

Eu lembro que na época, a parte de bebida [alcoólica] pagava gigantesco. Apostas também. O próprio pôquer é algo que eu não me associo porque…

Mas você joga, não? Eu lembro de você num torneio muito tempo atrás…

Só que são coisas que a pessoa separa um pouco, né? O que eu gosto de fazer e o que, para mim, vale a pena.

E você parou de jogar pôquer por causa disso?

É porque eu nunca joguei, na verdade (risos). Eu brinco. Vou lá e brinco. Mas é algo que, nessa hora do raciocínio, o cara tem que descartar porque não vale a pena. O que eu considero o maior expertise que a gente tem na Guga Company é esse processo de gestão de imagem. Fica bem claro como isso, hoje, é o que faz a diferença. É o que nos faz ter uma imagem às vezes até maior do que quando estava em quadra. O carinho que a gente tem com a imagem é algo bem empolgante. A quadra já passou faz tempo, mas as vitórias estão muito presentes. A gente estuda muito, vai no mínimo detalhe e encontra um caminho. Com as parcerias certas, com iniciativas legais, aí vêm as recompensas, como foram as Olimpíadas com o labrador [Guga ganhou o apelido nacional de labrador humano], como foi o Djokovic fazendo o coração [no saibro em Roland Garros]. A vontade de fazer coisas impactantes, coisas boas, no final traz muito resultado positivo. Requer estudo. O projeto das Olimpíadas nós ficamos um ano, um ano e meio, discutindo, conversando e planejando para definir o que a gente ia fazer.

Com a Globo?

Com a Globo. "Mas será mesmo?" "Eu nunca fiz, cara!" "Isso vai funcionar?" O João Pedro [Paes Leme], na época, ligava para a gente: "Guga, vai ser bacana!" "Mas como é que vai ser? E o meu envolvimento com os outros jogadores?" O tênis normalmente não tem espaço. No fim, teve outra surpresa, que o jogo do Bellucci conseguiu passar em canal aberto, mas não era nada provável. Depois a gente pensou "ali dentro do time de ouro cabe dessa forma, para trazer a comunicação, a linguagem…"

Sua participação nos outros esportes já estava planejada antes do começo dos Jogos?

Estava.

Eu ouvi uma história de que a Globo queria muito você, mas não tinha um papel muito definido, e foi o Galvão [Bueno] que teve a ideia de você ser uma espécie de embaixador, e aí a coisa foi adiante. É verdade?

O João Pedro, o Robertinho Marinho… – e o Galvão teve um peso importante também nessa decisão de "vamos usar [o Guga] como alicerce de comunicação entre todos os esportes". Porque precisava fazer sentido dentro do que eu conheço também. Sempre fui apoiado por algum especialista porque aí funcionava super bem. A gente ia falar de atletismo, tinha lá a Maurren do lado. No tênis, fica mais fácil, mas na natação tinha o Gustavão [Borges]. O especialista fala do seu assunto, e a gente trazia o sentimento, a vibração, a emoção de estar lá dentro. Mas levou um ano e pouco para entender qual era realmente o papel mais adequado e, lá dentro, procurar algo que tenha gosto e seja divertido, como de fato acontece. Então, com esse know-how, com esse entendimento, o que nós conseguimos extrair de benefício – e justamente o caminho da nossa empresa vai nesse sentido – é ter poucas parcerias e que essa gestão consiga ser acoplada aos nossos parceiros.

Entendi.

Ontem à noite eu estava pensando: o fato de eu ser de Floripa já é diferente, entendeu? Então a marca e a imagem…

E você nunca perdeu o sotaque…

Só aumenta (risos)! Mas isso, se a pessoa para pra analisar, faz diferença. O quanto a minha imagem vale mais por eu ser brasileiro. E nas vezes que o país está mal, a gente é puxado junto. Ou o tênis também. Essa é a ciência que a gente tem bastante conhecimento, 25 anos de projeto. É preciso ter muito claro a diferença de eu, Guga, do jogar pôquer e de brincar ali, que à noite tomo um vinho e tal…

Eu nunca te vi bebendo. Em casa, você toma uma cerveja, um vinho?

Hoje em dia, aprecio muito um vinho. Na época que eu estava jogando, absolutamente não ia ter nenhuma margem para isso. Hoje, talvez, se eu for fazer uma parceria pontual, muito específica, com viés de comunicação direcionado, pode ser que encaixe. Algo premium, alguma coisa que faça sentido com o momento da vida. Mas, no geral, a nossa imagem, que é tão empolgante e que isso tem um valor absurdo para a gente com a criança, tem muitas coisas que eu não quero comunicar. Eu posso até me divertir com os amigos e brincar, mas na hora que eu me comunico com todo mundo e incentivo, também e principalmente as crianças, tem que levar isso em consideração. Cada vez que a gente abre novos episódios, são mais iniciativas que aparecem nesse espiral. Hoje é com a Lacoste na nossa parceria internacional, há uma tendência de abraçar a Tecnifibre logo em breve e vai iniciar um projeto no Brasil e tende a crescer. A gente está já costurando isso e namorando alguma coisa nesse ambiente universal, saindo da esfera de Brasil. E com nossas parcerias fincadas com Aurora, Lacoste, Neoway e Genial Investimentos, já é suficiente. Oportunidades podem aparecer pontualmente, mas hoje a gente tem projetos, programas, o que pensar e desenvolver com esses canais que falei para ti: educação, esporte e a inovação, que é a origem. Quando a gente começou a estudar lá em… Eu parei em 2008, né?

Foi.

"O que é Guga?" "O que tu acha que foi a tua carreira?" O que eu tentava fazer era entrar lá e fazer diferente, deixar as pessoas abismadas e aquela conexão que me fascinava. A inovação, o azul-e-amarelo, o jogador diferente, é a vibração da nossa empresa. A gente, como essência, é educação e esporte.

É um caminho difícil de encontrar por conta própria…

Hoje, com 42 anos, é mais fácil olhar e não ver o Guga lá, mas a história que a gente criou. Quando o atleta está começando, com 18-20 anos, alguém tem que ir lá e orientar o cara. Depois não adianta a gente pedir comportamento se com 20 anos, o cara que é o mais famoso do mundo, forrado de dinheiro, começa a tomar decisões que são muito difíceis. A tendência é não dar certo. Precisa ter orientação, esse profissionalismo. A gente tem muito bem defendido nas parcerias o que elas significam para a gente. Para conseguir atender o parceiro da forma que surpreenda o cliente. Poxa, todos os anos que eu venho assinar [Guga sempre participa de uma sessão de autógrafos no Miami Open], mesmo sendo rotina anual, é uma energia diferente. Eu trago o cara, eu brinco. Eu quero que ele sinta que a gente está ali de verdade. Que a Lacoste perceba que dá para fazer isso, que as pessoas vão se envolver e ter uma experiência boa, e que faça sentido o meu tempo. Senão é mais fácil ficar com as crianças lá em casa.

Com esse conhecimento todo, vocês já pensam em, algum dia, criar uma agência? Sua própria versão de uma IMG?

Aí tem duas vertentes. Uma voltada para atletas, de imagem de atletas, e outra que extrapola. Se a gente cuida tão bem da nossa – e é verdadeiro olhar para nossa imagem e dizer que é um dos projetos mais bem sucedidos de qualquer marca, de atleta, é um case de sucesso – transbordar isso para qualquer tipo de empresa também seria um caminho. Mas nesse caso [empresas], sai do nosso expertise. No outro [atletas], amplia muito as facetas. É difícil ter o mesmo nível de atendimento.

É a história do Jerry Maguire [no filme estrelado por Tom Cruise, o agente de atletas Jerry Maguire é demitido de uma grande empresa do meio por acreditar que o melhor é ter menos clientes e dar mais atenção a cada um deles]…

Exatamente. Nesse mesmo tom. O que a gente quer trabalhar na Genial, o que a gente quer trabalhar dentro da Lacoste… A nossa busca é dentro da nossa capacidade, mas com um espírito, com uma entrega que deixa qualquer um bastante assustado e satisfeito. E na volta é o mesmo resultado porque a gente também fica assustado com o tamanho da imagem e também fica satisfeito com tudo que acontece.

Então a resposta é não por enquanto…

Não (risos), não vamos seguir esse caminho. Vamos manter ainda dentro do limite mais encolhido. Mas na parte financeira, a gente já tem esse atendimento se eles quiserem porque a gente já está com um pessoal especialista, né? Então a gente atende os atletas na parte bem específica, na parte de investimento financeiro, que é cuidar do seu dinheiro, ver o quanto eles têm, buscar situações…

Isso dentro da Genial?

Isso, dentro da Genial, a gente já faz. É a Genial Excellence. A gente criou para fazer isso. Nós viemos para cá, antes de ganhar Roland Garros, e o Jorge Salkeld [agente] levou um cara que é investidor financeiro aqui dos EUA, fazia isso há muito tempo e falou: "Vamos começar a trabalhar dessa forma, o dinheiro que entra dos torneios ele vai aplicar assim e assado…" Então era entender o que é uma carteira financeira, como é que funciona. No início, a pessoa não tem nenhuma ideia. Eu mesmo falava "Rafa, toca" [Rafael Kuerten, irmão de Guga]. Mas em qualquer momento que alguém me procurasse cinco anos depois, eu falava "Pode vir que funciona." Hoje a gente entende, sabe muitos detalhes, e precisa de um especialista para isso.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

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