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Pelo legado de Murray, federação britânica aposta no brasileiro Leo Azevedo

Alexandre Cossenza

21/03/2019 13h31

O Brasil não aproveitou a chamada Era Guga, mas um brasileiro exercerá um papel importantíssimo na tentativa de resgatar o legado de outro gênio do tênis que saiu de um país sem grande história no esporte. A Lawn Tenis Association (LTA, federação britânica de tênis) acaba de contratar Leo Azevedo para seu centro de treinamento em Stirling, na Escócia.

O brasileiro, que trabalhará como técnico principal – head coach – do local, supervisionará o desenvolvimento de alguns dos principais juvenis britânicos. O plano da federação local é formar uma base mais ampla, com mais jovens jogando em alto nível. Para isso, a LTA não poupou esforços para tirar o brasileiro da BTT, academia de Barcelona onde Azevedo, entre outras coisas, acompanhava a evolução dos brasileiros Felipe Meligeni e Orlando Luz – ambos seguem morando na Espanha.

O trunfo para atrair Azevedo foi deixar que o técnico passe cerca de 20 semanas por ano no Brasil. Com experiência de muitos anos na USTA, a federação americana, e na BTT, o paulista de 42 anos sente falta de casa – especialmente depois de uma morte na família. Ele estava em uma viagem quando recebeu a notícia de que o pai estava hospitalizado em estado grave. Veio às pressas ao Brasil, mas não conseguiu mais falar com o pai.

A chegada de Azevedo à Escócia já foi bem no estilo britânico: com uma manchete "quente", descrevendo o brasileiro como "o homem que vai encontrar um novo Andy Murray." Leo não se sente tão pressionado assim, e foi sobre isso que conversamos por Skype esta semana. Também falamos de seus planos para o período em que estará no Brasil. Rolem a página e leiam!

Vamos começar pela parte quente, que é você ser anunciado pela imprensa local como "o cara para encontrar um sucessor para Andy Murray". É bom chegar assim, com essa pressão?

Eu acho que isso é mais da imprensa. É um país pequeno, a Escócia. A gente sabe o jeito da imprensa britânica. Eles gostam dessas manchetes fortes. Mas isso foi uma manchete deles. No media day, eu falei para todo mundo: o meu trabalho não é descobrir um outro Andy Murray. Meu trabalho é fazer com que mais pessoas… é crescer a base de jogadores jovens na Escócia. E outra: é um programa da Grã-Bretanha. A gente é um centro que vai ter um montão de inglês e não tantos escoceses. O segredo aqui é aumentar a base e aumentar o legado do Murray. Aparecer outro Murray é muito difícil. É igual a aparecer outro Guga, outro Nadal… Muito difícil. Agora… É o jeito que eles têm de chamar atenção. Eu não me sinto pressionado, não.

Conta como foi essa negociação. Quem te procurou e qual o objetivo da federação britânica levando você para a Escócia?

Quando eu saí da USTA, o Ivan Lendl me apresentou para o Leon Smith, que é o capitão da Davis aqui. Eu estava indo para a BTT, não tinha nem Felipe [Meligeni] nem Orlando [Luz] ainda e falei: "Ivan, indo para a BTT, eu preciso levar jogador de nível bom porque vou ter semanas para fazer". Ele disse "Vou te apresentar para o Leon Smith." Naquela época, não tinha jogador, nada. Aí comecei com o Orlando e com o Felipe e não aconteceu nada no meio. Aí o Leon Smith me falou que a LTA estaria fazendo um projeto com dois centros de treinamento: um na Inglaterra e outro na Escócia. Ele falou: "Posso indicar seu nome para um dos dois?" Eu falei "Pode. Eu não tenho nada a perder e depois eu decido se quero ir ou não." Eu fui indicado para o CT da Inglaterra, e escolheram um inglês. Depois disso, o Iain Bates, que é o head coach das mulheres, me ligou e falou: "Leo, tem um outro centro, que é o da Escócia, e já fecharam as inscrições. Você se interessa?" Falei "põe meu nome lá, mas não sei. Eu estou bem. Escócia, viver lá o tempo todo, não sei como é que é." E foram me contactando desde o fim do ano passado. Eu falei que não, que meu próximo movimento seria voltar para o Brasil. Não queria ir para outro lugar. No final da negociação, eles aceitaram eu não estar aqui full time. Vou estar vinte e poucas semanas por ano, algumas semanas de viagem, e o resto vou estar no Brasil, que é o que eu estava buscando. Mas foi tudo muito rápido. Em dezembro, eu falei "Não, pode procurar outra pessoa", mas em janeiro ele voltou e, no final, deu certo.

Qual é o seu cargo? É para fazer o quê, especificamente?

Eu sou head coach do centro da Escócia, na cidade de Stirling. Fica a 45 minutos de Glasgow, 45 minutos de Edimburgo. Estou aqui há duas semanas.

E como foi a chegada? O que achou do país?

Um pessoal muito amigo, me surpreendeu. Achei mais amistoso do que o inglês. Um país muito bonito, um verde incrível, só que o tempo é um negócio de louco. Estou aqui há 14 dias, e vi o sol dois dias. Dos outros 12, acho que choveu em 11. Todo dia chove. E nevou um dia. O clima aqui é bem duro. Mas a federação está super empolgada com o projeto e, pelo feedback, a gente vai ter bons jogadores aqui. Porque o jogador escolhe se vai vir para cá ou para a Inglaterra. Geograficamente, o centro da Inglaterra tem uma vantagem, só que a gente está com uma equipe de treinadores boa. Eu, o Colin Fleming, tem o Esteban Carril, que treinou a Johanna Konta e vai dar consultoria dez semanas por ano.

Com o sotaque, você teve problema?

Parece que em Glasgow o pessoal fala mais rápido. Teve um dia que peguei um táxi lá e não entendi uma palavra. Normalmente, não. Eu até estou achando mais fácil de entender o sotaque escocês do que o inglês. Pelo menos aqui onde eu estou.

Quando a gente se encontrou em Congonhas [no período do Brasil Open], você falou que um dos atrativos desse acordo era estar mais tempo no Brasil. Quanto tempo você vai ter livre e o que pretende fazer com esse tempo?

Eu vou ter umas 20 semanas por ano no Brasil. Eu vou fazer alguma coisa, não consigo ficar parado! Eu vou fazer alguma coisa no tênis. De momento, não tenho nada certo em nenhum lugar. Agora que vou ter essas semanas eu vou atrás de alguma coisa.

Uma coisa que senti muito forte nos seus posts foi a questão do seu pai. Você não estava no Brasil quando ele morreu, não foi isso?

Eu não estava quando ele foi para o hospital. Quando eu cheguei, ele já estava entubado, em coma. Não consegui falar com ele. Eu estava no dia que ele morreu. Apertei a mão dele. Ele me viu, tinha saído do coma nesse dia. Não consegui falar com ele. Mas quando eu soube que ele foi para o hospital e me falaram que era gravíssimo, eu estava na Turquia.

O quanto isso pesa na sua vontade de ficar mais tempo no Brasil?

Muito! Eu acho que só comecei a ter vontade de voltar para o Brasil depois disso. Vontade de verdade? Depois da morte do meu pai.

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2018. Ahhhh, te digo que voce foi o pior ano da minha vida! Levou de mim, a pessoa que eu mais admirava, meu amado Pai. Nao deu a chance de ter uma última conversa com ele… Ele me viu, escutou minha voz, apertou minha mao, mas nao pode falar comigo… Nao tivemos um último dialogo. Ahh 2018, porque? Durante este ano, tive dores enormes, de nao poder mais escutar a voz de alguem que eu tanto amo…Como ontem, aniversario de casamento dos meus pais, eu liguei, dei parabens para a minha mae, mas faltou escutar o meu pai dizer: "Leo, só vc se lembra disso…" Pai, lembro que no dia 31 de Dezembro de 2017,vc me falou da importancia de passar esta data com alguem, e eu do alto da minha auto suficiencia e arrogancia de alguem que mora longe e sozinho por 12 anos,te respondí : "Pai, nao se preocupe, eu estou acostumado e gosto" Pai, preciso te dizer, vc tinha razao… A solidao me enganou direitinho, veio como quem nao queria nada, e me machucou no momento de maior debilidade.. VC me avisou. Vou mudar para 2019. Nesse momento ao escrever pensando em vc, confesso que choro, nao sei se de amor, de saudade ou de culpa(por nao estar presente). Mas como diz o Livro: "Ficaste todo em mim, Pai." nunca esquecerei. 2018 tirou seu corpo e voz de perto de mim, mas sua presenca esta intacta. Isso, 2018 nao tirou de mim. Ano que me decepcionei com gente, que em algum momento ajudei/dei carinho, e vi/sentí que a recíproca nao é a mesma." Nao espero dos outros, o que vc fez por eles" – Licao do meu Pai. Cometí equívocos que espero nao cometer em 2019. Do bom o ano me trouxe, minha mae, sobrinha e @bitencourtamanda_ a reaproximacao com um amigo @rafabiomonteiro que depois do falecimento do meu Pai, se aproximou novamente @henner_nehles who is always there. Una persona que increíble en el peor momento, @nuria_verbenas, Rosana y Silvia em España, simpre presentes! Higueras, un "padre" @franfrutos que ajudou de Muito, @meligeni um genio! @theceara amigo para todas. Meus jogadores @femeligeni e @orlandoluz E conhecer o grande @etchecointennis e famila , Luis Demarco(namorado da minha irma), passar ferias no Rio. E terminar o ano com SAUDE! Que 2019 seja bem melhor!

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Você ainda tem família em São Paulo?

Minha mãe, tenho irmã e sobrinha. Mas eu nunca… Era sempre uma coisa "não quero viver a vida inteira longe do Brasil" e tal, mas nunca foi uma coisa "quero voltar para o Brasil." Depois disso, realmente, me deu muita vontade de voltar. Eu aceitei aqui a Escócia porque, no final das contas, além de ser um bom projeto, foi a maneira que eu tinha de passar mais tempo no Brasil. Se eu fico na BTT, eu tenho que estar na BTT. Se eu vou para Londres, eu tenho que estar em Londres. Se eu vou para os EUA, também. Então, como nunca tive proposta para voltar para o Brasil, foi uma maneira de juntar duas coisas boas. Ficar mais tempo no Brasil e fazer parte de um projeto bem legal.

A LTA estabelece alguma meta para você como head coach em Stirling?

Primeiro, como é uma competição sadia interna, é tentar trazer para cá os melhores jogadores que aplicaram para a academia. Depois, eu acho que é fazer uma camada boa de júniores. No fim das contas, é tentar que o tênis britânico tenha uma base maior de jogadores top 100. É tentar aproveitar o legado do Murray. O programa é de jogadores de 14 a 17 anos. Não tem profissional. É para formar jogador.

A Judy Murray deu uma entrevista para a Sky News há pouco tempo, dizendo que o tênis britânico não fez o bastante para aproveitar a "Era Murray". Que a Grã-Bretanha teve dois números 1 do mundo (Andy e Jamie) e que de 2006 a 2016 – e 2016 foi o ano em que os dois terminaram no topo dos rankings de simples e duplas – não foi construída nenhuma quadra indoor na Escócia. E que isso é essencial por causa do clima. Sei que isso não tem diretamente a ver com você, que está chegando agora, mas você já falou com ela e…

Não. Eu a conheci uns dois anos atrás, quando levei as meninas da USTA para jogar um troféu entre as juvenis da Austrália, da França, dos EUA e da Grã-Bretanha. Eles jogam em Eastbourne, e ela estava lá. Não falei com ela a respeito. Eu vi essa entrevista também. A proporção de quadra por habitante é muito ruim. É uma das coisas que eles querem é aumentar. Como você falou, isso não faz parte da minha jurisprudência, digamos assim, mas quando dei minha opinião, disse que uma das coisas básicas para fomentar e trazer criança é ter quadra. É semelhante com o Brasil, com a diferença de que aqui [Escócia] é bem menor, não tem tantos praticantes, mas tem mais dinheiro. O Brasil tem mais praticantes e menos dinheiro.

Mas você vê na LTA uma preocupação com esse número baixo de quadras por habitante?

Ainda não tive esse feeling com eles, Alê, porque estou aqui na Escócia e preocupado com – até domingo, os jogadores decidem para onde eles vão. Pelo que leio, pelo que converso com as pessoas, massificar o esporte é parte da plataforma deles. Porque o Murray ou já se aposentou ou vai se aposentar daqui a pouco. Semana passada, ele deu uma entrevista dizendo que está sem dor e se continuar assim, vai tentar voltar a jogar, mas não é um cara que vai jogar mais dez anos. O irmão dele também. Acho que eles querem aproveitar esse legado da melhor maneira possível. Não é só o Brasil. Muitos lugares não conseguem aproveitar o legado. A Suécia teve o Borg, depois teve Wilander, Edberg, e depois não veio mais ninguém. Os EUA, depois do Roddick, ainda não tiveram um ganhador de slam homem. No feminino, sim. Acho que depende de muitos fatores. Um é você ter um plano para aproveitar o legado, outro é ter investimento para isso, e outro é ter um pouco de sorte para ter uma geração que, com investimento, possa sair alguma coisa. Às vezes você pode investir o quanto você quiser, e se a geração não vem boa de material humano, é difícil.

A própria geração feminina americana é ótima, mas não tem alguém dominante. Tem a Sloane Stephens que ganhou um slam, mas não tem um fenômeno…

Eu acho que ela poderia ser uma ganhadora de vários slams, mas acho que… Não sei. Não sei se ela está preparada para fazer o que precisa fazer para ganhar muitos slams. Acho que ela ainda pode ganhar mais algum. A Madison Keys era uma que parecia melhor do que está parecendo agora. Mas tem bastante. Ali sempre vai ter jogadora top 10, pra beliscar slam. O feminino dos EUA está bem. E o masculino tem uma geração muito boa. Precisa ver se alguém ali consegue sair de onde eles estão para um nível mais alto. O Tiafoe, para mim, parece ser o primeiro que vai chegar ali perto do top 10.

O Tiafoe, você acha?

Ah, eu acho. Eu acho.

Você contou uma história legal logo depois de uma vitória dele no Australian Open [Em sua primeira viagem como técnico da USTA, Leo estava vendo uma partida entre meninos com menos de 12 anos em Little Rock, e o perdedor largou a raqueteira e saiu correndo até o fim do estacionamento. O brasileiro foi até o garoto, que estava sozinho e chorando muito. Os dois começaram a conversar, e Leo disse que o menino, Frances Tiafoe, deveria se orgulhar de sua atitude e que o convidaria para treinar na USTA, a federação americana. Leo nunca chegou a treinar Tiafoe pessoalmente, mas quando deixou de trabalhar na USTA, avisou o tenista, que respondeu: "Leo, você sabia que foi o primeiro técnico a me convidar para a USTA?" O brasileiro ficou feliz com a evolução do jovem e pelo reconhecimento]. E ele parece ser um garoto legal, com um background diferente e que deve dar algo a mais para ele. Bem ou mal, ele tem um entendimento de uma situação, de que é um privilégio estar ali, e não é todo garoto que percebe isso tão cedo.

Ele não foi sempre assim, mas acho que de algum tempo para cá, caiu a ficha. Pô, ele morava num quarto com nove pessoas. O pai dele trabalhava na manutenção da academia. Acho que aconteceu com ele uma coisa normal, que acontece com jogador de futebol. Do nada, ele começou a fazer contratos milionários, deu uma coisa "Onde que eu tô? O que acontece?" e de um ano e meio, dois anos para cá, ele entendeu qual é a posição dele, a chance que ele está tendo… Eu não acho que você precisa ter sido pobre para ser bom, e o Federer é exemplo disso, o Nadal também. Agora… Para quem tem esse componente da fome, é uma motivação extra, né? É uma motivação importante.

Seu vínculo com a CBT acabou?

Eu nunca tive um vínculo diretamente com a CBT. Meu vínculo era com a BTT. Nunca fui contratado pela CBT. Meu vínculo era que a CBT confiou na academia, e eu fiz a ponta para treinar os dois [Orlandinho e Felipe Meligeni]. Quem me contratava era a BTT. Eu expliquei a situação, eu me coloquei à disposição para qualquer situação futura, mas expliquei que uma proposta dessa, que me permitia voltar ao Brasil, era uma coisa que eu não podia negar. No lado esportivo e no lado pessoal. Acho que deixei a porta aberta. É o que eu tento em todo lugar que vou.

Justo.

E isso não é a CBT ou não e não posso culpar só a CBT porque ela não pode ser responsabilizada por tudo, mas de novo: eu nunca tive uma proposta para voltar ao Brasil e fazer alguma coisa no Brasil. Não tive. Por A, B ou C razão, não tive. Então se alguém me faz uma proposta que permite ser diretor de um centro com um projeto bom esportivo e me permite voltar para o Brasil quase metade do ano, poxa, é um negócio muito bom. Não tinha como negar.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.