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Saque e Voleio

'Golpe' que derrubou executivo pode causar conflito gigante na ATP

Alexandre Cossenza

11/03/2019 15h23

Na última quinta-feira, a ATP comunicou que o atual presidente da entidade, Chris Kermode, deixará seu cargo no fim de 2019. A saída é consequência de uma votação da Diretoria da ATP na qual os três representantes dos tenistas – o ex-jogador Justin Gimelstob, o executivo de TV David Eagles e o advogado britânico Alex Inglot (irmão de Dominic, que disputa o circuito de duplas) – votaram contra uma renovação de contrato de Kermode.

O resultado não foi exatamente surpreendente. Há alguns meses, comenta-se que o executivo não era mais tão querido assim no Conselho dos Jogadores (e que quem ganha força é Gimelstob, que atualmente responde na Justiça americana a uma acusação de agressão e lesão corporal grave). O problema todo é que muitos tenistas eram (e são) contra a saída de Kermode. Além disso, vários deles dizem não terem sido consultados pelo Conselho – e é por isso que já se referem ao movimento como "golpe".

Tudo leva a crer que o atual presidente do Conselho dos Jogadores, Novak Djokovic, foi um dos principais articuladores dessa mudança na liderança da entidade. O sérvio quer mais prêmio em dinheiro para os jogadores e via Kermode como um adversário nessa causa. Para alguns, o executivo defendia os torneios em detrimento de alguns dos desejos dos tenistas. Para outros, Kermode desempenhou um papel brilhante. E é aí que Djokovic se separa de Roger Federer e Rafael Nadal.

Logo que surgiu a notícia da votação contra Kermode, muitos lamentaram. Stan Wawrinka saiu rapidamente em defesa do executivo. O suíço disse até, sem citar nomes, que "gente que está na Diretoria não deveria estar lá." Nadal também já havia se manifestado a favor de Kermode: "Mudar o presidente vai interromper o processo de melhorar nosso esporte." Lleyton Hewitt também criticou. Judy Murray, idem. São apenas alguns dos nomes, entre técnicos, ex-jogadores e outros tenistas em atividade que acompanham de perto as mudanças no tênis e se mantêm bem informados.

Djokovic recusou-se a revelar sua posição. Escondeu-se atrás de "confidencialidade." Disse "não quero me expressar a favor ou contra. Sou parte do Conselho, sou presidente do Conselho e tenho responsabilidade, e confidencialidade à qual preciso ser responsável." Quando pressionado, afirmou que "ao compartilhar essa informação, eu me exponho e me torno passível de quebra de confidencialidade dentro dessa estrutura." As declarações de Djokovic na íntegra estão no vídeo acima.

Só que o problema não foi só essa sapateada do sérvio para fugir do tema (que ele poderia ter abordado de outra maneira). Nole disse também que o Conselho conversou extensivamente com os tenistas. Só que Nadal reclamou durante o Australian Open que não havia sido consultado. E agora o suíço "Tages Anzeiger" publica uma entrevista em que Roger Federer diz que pediu para conversar com Djokovic, mas que o sérvio não teve tempo. "Isso é difícil de entender, mas tudo bem. Ele certamente teve muito a ver com a história. Perguntei se ele tinha tempo para me encontrar. Ele sugeriu que nos falássemos no dia seguinte, mas tudo já estava decidido. Não nos encontramos ainda, e o torneio [Indian Wells] já começou."

Na mesma entrevista, Federer diz que conversou com Nadal e que os dois têm a mesma opinião. O espanhol, depois de estrear em Indian Wells, mandou um recado firme: "Os jogadores que estão no Conselho representam todos nós, e para tomar uma decisão como essa devem falar com todos. Se há muitos jogadores na mesma situação que eu, é provável que o Conselho não tenha feito bem seu trabalho. Acho que depois de 18 anos neste mundo, tenho uma perspectiva que pode ajudar a saber o que precisamos. Não tenho nenhum interesse pessoal. Adoraria saber por que isso aconteceu e o que está acontecendo agora."

Ainda na coletiva, o número 1 do mundo disse que conversou com Nadal em setembro e novembro do ano passado, mas não em 2019. O mesmo com Federer. E completou afirmando que "se eles quisessem falar sobre algo, poderiam ter se aproximado para falar." Nole, contudo, não menciona o pedido do suíço para conversar antes da votação.

Como ninguém sabe oficialmente todos os porquês da votação, o dilema vai continuar e não dá para descartar o risco de uma rachadura ainda maior na ATP. Do mesmo jeito que os representantes dos jogadores na Diretoria aparentemente não se sentiam representados por Kermode, já há indícios – e a fala de Nadal diz muito nesse sentido – de que tenistas tampouco se sentem representados por esse Conselho. Será que existe a chance de um golpe em cima do golpe? Quem vai assumir a ATP? Mais alguém vai cair? Só o tempo vai dizer, e o tênis masculino corre o sério risco de parar no tempo até que tudo seja devidamente colocado em seu lugar – inclusive o substituto de Kermode.

Coisas que eu acho que acho:

– Longe de defender ou atacar Kermode, a pergunta que fica no ar é: como tantos jogadores dizem não saber por que o executivo foi derrubado? Se o Conselho conversou exaustivamente com tenistas, como sugeriu Djokovic, por que há tanta gente desinformada e se sentindo traída?

– Como já escrevi no Twitter: não é questão de resumir o assunto a Federer e Nadal, mas se esses dois – justamente esse dois, que estão no circuito há tanto tempo (18 anos para Nadal, duas décadas para Federer) e já estão milionários, podendo pensar mais no bem coletivo do que em interesses próprios – não foram consultados, há algo de podre no reino da ATP.

– Como Federer disse, é estranho que Djokovic não tenha encontrado tempo para conversar com o suíço antes da votação. É um assunto que vem sendo debatido desde o Australian Open. Olhando de fora, parece o caso de alguém que não quis ter uma conversa desconfortável.

– Frase interessante de Sam Querrey: "Chris fez um ótimo trabalho, mas os torneios estavam muito, muito felizes com ele, um sinal de que há um desequilíbrio."

– "O Conselho dos Torneios da ATP gostaria de expressar sua sincera decepção com o resultado da votação da Diretoria da ATP desta semana sobre o papel de Chris Kermode como executivo e presidente da ATP. Chris fez um excelente trabalho desde 2014, um período em que o Circuito teve crescimento sem precedentes para o benefício de torneios e jogadores." Comunicado do Conselho de Torneios da ATP, que vai ao encontro do que Querrey declarou. Leia mais no tweet acima.

– "Não foi uma decisão dos jogadores, foi uma decisão da Diretoria. A Diretoria tem o poder de substituir Kermode, não os jogadores. Meu voto não conta, não é importante. O voto de três representantes dos jogadores é que conta. O que nós, como jogadores, votamos, são diretrizes, mas no fim das contas é a Diretoria que decide." … "É claro que se dez jogadores acham que uma regra deve mudar e três integrantes de Diretoria nos representando são contra isso, é problemático. Mas não foi caso aqui." Declaração de Robin Haase, integrante do Conselho dos Jogadores.

– É inegável o considerável aumento do prêmio em dinheiro durante a gestão de Kermode. Os quadros acima mostram a diferença nos maiores eventos da ATP (slams são geridos pela ITF). Notem também que o 100º tenista a ganhar mais dinheiro em 2014 embolsou US$ 374 mil. Em 2018, o mesmo 100º ganhou US$ 560 mil.

– Nos slams, também houve aumento grande na premiação. O prêmio de primeira rodada de Wimbledon subiu 66%. No US Open, 69%.

– Obviamente, os números acima contemplam apenas a elite do esporte. É óbvio que a turma dos 100 para cima ganha muito mais hoje em dia do que cinco anos atrás. Outra questão é o pessoal que 120-150 para baixo. A premiação nesse nível quase não aumentou. Só não dá para dizer se foi isso que motivou o voto contra Kermode. Afinal, Djokovic não deu sua posição nem ninguém falou abertamente os porquês.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.