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7 momentos que provam que os cinco sets ainda têm lugar no tênis

Alexandre Cossenza

19/01/2019 14h36

A teoria é cada vez mais forte no mundo do tênis: não há mais lugar para partidas longas, e a modalidade precisa se modernizar para buscar um público mais jovem e continuar relevante. Por isso, muitos já são contra o formato de melhor-de-cinco sets nos slams.

O advogado mais ilustre dessa causa é o atual número 1 do mundo, Novak Djokovic. O sérvio afirma que que a nova geração de fãs de tênis e os millennials não têm a mesma capacidade de manter a atenção em algo por um tempo razoável. "Eles querem que as coisas aconteçam muito rapidamente. Então para atrair mais pessoas, mais espectadores de um público mais jovem, acho que temos que manter as partidas mais dinâmicas, mais curtas e sem shot clock", disse Nole em uma entrevista ao Tennis Channel. "Eu teria até os slams em melhor-de-três, para ser honesto", argumentou.

Depois de três rodadas do Australian Open que começou nesta semana, contudo, é possível combater fortemente o argumento de Djokovic e outros. Listo abaixo sete partidas de cinco sets. Todas passaram das 3h de duração e tiveram quadra lotada do começo ao fim. Rolem a página, vejam as cenas, ouçam o público e digam se não foram os momentos mais memoráveis da primeira semana de jogos em Melbourne:

7. Marin Cilic d. Fernando Verdasco, 3R: 4/6, 6/3, 6/1, 7/6(8) e 6/3

Fosse um jogo de dois sets, Fernando Verdasco teria anotado uma vitória importante, mas em um jogo sem muito drama. Não foi isso que aconteceu. Marin Cilic venceu o terceiro set, salvou dois match points no quarto e fez 6/3 no quinto. Ao todo, 4h17min de jogo. O vídeo abaixo mostra as reações de quando Cilic igualou o placar.

6. Roberto Bautista Agut d. John Millman, 2R: 6/3, 6/1, 3/6, 6/7(6) e 6/4

Outro jogaço, de altíssimo nível, e que acabou depois de 3h48min com vitória de Bautista Agut sobre o tenista da casa. De novo: quadra lotada, longo abraço de reconhecimento entre os tenistas, ambos aplaudidos de pé. Cena linda.

Também há quem acredite que os cinco sets desgastam o tenista e o impedem de competir dignamente na rodada seguinte. Pois dois dias antes de bater Millman, o espanhol venceu um jogão de mais de 4h contra Andy Murray.

5. Alex De Minaur d. Henri Laaksonen, 2R: 6/4, 6/2, 6/7(9), 4/6 e 6/3

O formato permitiu a Laaksonen, um qualifier, iniciar uma reação belíssima, salvando match point no terceiro set e forçando o quinto. Ninguém deixou a quadra, que seguia entupida após 3h52min de partida.

4. Alexander Zverev d. Jeremy Chardy, 2R: 7/6(5), 6/4, 5/7, 6/7(6) e 6/1

Nem foi o mais disputado dos quintos sets, já que Zverev retomou o controle depois de desperdiçar um match point e perder o tie-break da quarta parcial. Notem, contudo, a quadra lotada e a ovação do público durante o abraço dos dois tenistas junto à rede. Foi o reconhecimento pelo jogão de 3h46min.

3. Alex Bolt d. Gilles Simon, 2R: 2/6, 6/4, 4/6, 7/6(8) e 6/4

Aqui há um elemento extraordinário, que é um tenista da casa que chegou até abandonar o tênis uns anos atrás e, nesse dia, protagonizou uma virada memorável sobre Gilles Simon, um ex-top 10. Mas será que teria sido tão saboroso sem os quatro match points salvos no quarto set e as 4h04min de partida?

2. Frances Tiafoe d. Andreas Seppi, 3R: 6/7(3), 6/3, 4/6, 6/4 e 6/3.

Aumentem o volume e ouçam o americano e a vibração do público. Procurem um assento vazio na quadra no fim desse jogão de 3h17min.

1. Roberto Bautista Agut d. Andy Murray, 1R: 6/4, 6/4, 6/7(5), 6/7(4) e 6/2

Uma enorme exceção, é preciso admitir. Não dá para reunir tantos elementos assim todos os dias. Aqui temos um dos maiores tenistas da história. Um dos mais queridos e respeitados no vestiário. Poderia ser sua última partida da carreira no torneio. Ou até a última da carreira, ponto. Esse cidadão brigava contra as dores e limitações provocadas por uma lesão no quadril.

Do outro lado, um adversário sólido e em bom momento. Andy Murray tirou forças sabe-se lá de onde para vencer tie-breaks no terceiro e no quarto sets. E só saiu de quadra depois de lutar por 4h09min. Ninguém deixou a arena. Aposto que ninguém desligou a TV. Todos ficaram até o fim para aplaudir o bicampeão olímpico.

Vale, contudo, a pergunta: havia, sim, um monte de elementos excepcionais nesta partida, mas o que teria sido da despedida de Andy Murray em Melbourne se tivesse sido jogada em melhor-de-três? Hein?

Coisas que eu acho que acho:

– É bastante questionável o argumento de que a duração das partidas afeta consideravelmente a audiência e a "marketabilidade" do esporte. Ainda mais no tênis, que só usa cinco sets em quatro eventos por ano – e só para os homens (falo sobre isso mais abaixo). Há bons e lucrativos exemplos de modalidades cujas partidas ou rodadas ultrapassam as 3h. O golfe, por exemplo, movimenta uma quantidade obscena de dinheiro, e há mais golfistas do que tenistas vivendo bem (leia aqui). Os dias são longos, há muito tempo entre uma tacada e outra do mesmo atleta, as transmissões de TV duram horas. Não bastasse isso, um levantamento de 2016 apontou que o telespectador de golfe nos EUA tinha, em média, 64 anos.

– Essa média de idade alta do telespectador de golfe levanta um ponto interessante e que vai de encontro ao que é praticamente um consenso no mundo do tênis: a necessidade de atrair um público mais jovem. Só que o público mais jovem tem poder aquisitivo menor, e são os gastadores que mantêm a coisa girando, comprando raquetes, roupas, pagando aulas de tênis, fazendo turismo tenístico e comprando ingressos nada baratos para os torneios mais importantes. Será que a guinada em busca dos millennials faz tão bem assim para a saúde financeira do tênis?

– Outro ótimo exemplo é a NFL. Partidas que sempre passam de 3h, mas que são jogadas em estádios entupidos de cheios, uma audiência televisiva extraordinária, contratos de transmissão milionários e atletas faturando horrores. O futebol americano tem muitos méritos. As regras ajudam a manter os jogos equilibrados, as transmissões de TV (em todos canais) são excelentes e a temporada não é tão longa. Mostra que se a coisa é bem feita a duração não é um problema tão grande assim. Ou não é um problema, ponto.

– Sobre o público jovem, é fácil questionar o argumento de que millennials e essa nova geração de fãs não têm capacidade de manter atenção em algo por um tempo razoável. Basta constatar a duração de eventos de eSports. Um belo exemplo está no vídeo acima, nas semifinais do Intel Extreme Masters de Counter Strike (notem: uma gigante de tecnologia bancando um evento que distribui US$ 250 mil). Uma transmissão de dois confrontos, cada um jogado em melhor-de-três mapas, e que totalizou 9h14min de duração. A final deste mesmo evento foi jogada em melhor-de-cinco, e a transmissão durou 6h36min. Quem também quiser procurar transmissões de League of Legends no YouTube vai encontrar vários eventos com arenas cheias, transmissões longas e vídeos com mais de um milhão de visualizações. E a idade média do espectador de eSports não chega a 30 anos…

– Em alguns casos, importa menos o que acontece durante aquelas 3h, 4h ou 5h de duração do que como aquele produto é apresentado. Quando o produto é bom e a transmissão é competente, sabendo preencher o tempo com imagens e conteúdo relevantes, a duração é secundária. No tênis, jogos longos são quase sempre sinônimo de equilíbrio e emoção. Só quem já foi a um slam sabe como é o buzz dentro de um complexo quando alguém percebe que um jogo foi para o quinto set, e as pessoas começam a correr para aquela quadra (e, na maioria dos casos, descobrem que não há assentos vazios).

– Os Masters 1.000 baniram os cinco sets há muito tempo. A Copa Davis também reduziu suas partidas para o formato de melhor-de-três. É compreensível que os jogadores tenham essa preocupação de evitar o desgaste ao longo da temporada. Restam apenas quatro eventos com cinco sets. São os mais especiais, os slams. Não me parece exagero manter o formato nos eventos mais especiais do calendário, justamente quando há um dia inteiro de descanso entre as partidas.

– Deixo aqui um agradecimento especial ao querido Marcelo Zormann, campeão juvenil de duplas em Wimbledon, que me deu uma pequena aula de competições de CS e me mostrou os vídeos citados acima.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.