Topo

Saque e Voleio

Sobre a enorme influência da TV e como alguns tenistas são 'beneficiados' nos slams

Alexandre Cossenza

30/11/2018 05h00

Uma das polêmicas recorrentes do tênis é a "escalação" dos tenistas nos slams. Quem joga de dia, quem entra em quadra à noite, quem vai atuar no calor, quem vai entrar só à noite, no horário nobre, etc. Na maioria dos casos, a resposta para a última questão é "Roger Federer". O suíço, nome com mais fãs e que mais vende ingressos no planeta, é quase sempre o homem nas sessões noturnas do Australian Open e do US Open.

Isso não acontece por acaso, mas, eventualmente, dá margem a algumas reclamações. Afinal, se Federer atua sempre à noite na Austrália enquanto Djokovic faz a sessão diurna naquele calorão, um tenista está sendo beneficiado esportivamente. O mesmo acontece quando alguém é sempre escalado para a quadra central, enquanto outros atletas da elite são deslocados para a segunda maior arena do evento (lembram que Djokovic reclamou este ano em Wimbledon?).

É um equilíbrio difícil para qualquer torneio e, de vez em quando, os diretores realmente pisam na bola. Só que muita gente não sabe a pressão que esses executivos sofrem – de vários lados – enquanto a programação não sai. Por isso, trago abaixo um relato de Patrick McEnroe, ex-capitão americano da Copa Davis e, principalmente, comentarista com bastante experiência nos slams trabalhando para a ESPN e a CBS dos Estados Unidos. Ele fala sobre a relação dos canais com os torneios, os jogadores e, claro, a influência na ordem dos jogos do dia.

O texto é do livro "Hardcout Confidential – Tales from Tewnty Years in the Pro Tennis Trenches", de 2010.

De muitas maneiras, ainda acho que o Australian Open era nossa "jóia da coroa". Nós [ESPN] cobrimos do começo até o fim (em Roland Garros, Wimbledon e no US Open, outras redes, NBC ou CBS, têm os direitos de alguns dias importantes, inclusive o fim de semana das finais). E se o horário incomum restringe o tamanho de nossa audiência em potencial, nós realmente alcançamos os amantes do tênis. É por isso que sempre pleiteamos com os diretores de programação para que nos deixem mostrar as partidas realmente intrigantes, não apenas os nomes grandes.

Mas é uma batalha que costumamos perder porque os diretores de programação acreditam que um jogo horrível com Serena Williams é preferível a uma batalha épica de cinco sets entre, digamos, Nicolas Almagro e David Ferrer. Isso deixa alguns fãs de tênis furiosos, mas a verdade é que apenas dois jogadores nos últimos anos tinham o poder de aumentar a audiência na ESPN: Andre Agassi e Serena Williams.

Essa postura era particularmente irritante quando eu estava trabalhando para a CBS no US Open. Ok, o modelo de negócio da CBS é diferente do da ESPN, mas eu sempre senti que a ESPN estava investida no tênis enquanto a CBS estava investida apenas no US Open, e apenas em jogadores americanos no torneio.

Durante um dos meus primeiros cinco anos na CBS, na era Sampras-Agassi, jogadores americanos estavam sofrendo nas primeiras rodadas. Lembro de ir a uma das reuniões de produção, e o foco inteiro estava na audiência do fim de semana. Olhando os resultados, um dos diretores de programação disse "Que diabos está errado com esses caras [americanos]?"

Fiquei muito irritado. Eu queria dizer "Há um monte de ótimos caras do mundo inteiro, e eles estão melhorando a cada ano. Isso é que está 'errado' com eles." Porém, o pessoal da programação não quer ouvir isso. Eles sentam com a chave no início do torneio e marcam os nomes que querem ver no fim de semana do Labor Day [Dia do Trabalho]. Eles dizem ao diretor do torneio, Jim Curley, e à USTA: "Queremos Agassi duas vezes, queremos Serena Williams à noite", esse tipo de coisa. Eu tinha acabado de sair do circuito naquela época e era um pouco sensível demais ao que você pode chamar de ponto de vista do jogador. Hoje em dia, todo mundo é bom. Você precisa estar maluco para presumir que alguém vai estar nas oitavas ou nas quartas.

Preciso acrescentar que só porque a CBS quer algo e tem bastante influência, muitas outras vozes – inclusive jogadores e detentores de direitos de transmissão estrangeiros – tentam exercer influência sobre Curley também. Seu trabalho é tentar manter todo mundo feliz ao mesmo tempo em que é justo. Curley tem que dar a todos jogadores na chave condições comparáveis no que diz respeito a períodos de descanso x jogo, escalação em quadras e tempo de jogo. Durante a primeira semana do US Open, os dias podem ser brutalmente quentes e úmidos, então é uma vantagem jogar à noite, e os executivos de TV querem ver certos astros na sessão noturna.

Um dos melhores exemplos de péssima decisão sobre programação aconteceu em 1987, quando a velha fórmula do "Super Saturday" (as semifinais masculinas eram disputadas no sábado, com a final feminina jogada entre elas, com horário de início marcado para 16h) fez o diretor do torneio na época mandar Stefan Edberg e Mats Wilander jogarem uma semifinal às 10h – em um estádio quase vazio. A CBS obviamente queria a outra semifinal, um duelo entre os rivais Jimmy Connors e Ivan Lendl, no horário nobre. Wilander e Edberg ficaram tão furiosos que ensaiaram uma greve, e quem pode culpá-los? Ninguém joga às 10h depois de sair do juvenil, muito menos em uma semifinal de slam. Foi uma greve educada e sueca de 10 minutos. Depois disso, os dois foram para a quadra (Wilander venceu e acabou perdendo a final para Lendl).

Foi um enorme menosprezo a dois grandes e populares campeões, não importa sob que ângulo, e ressaltou a natureza injusta do conceito do Super Saturday, especialmente quando um americano estava nas semifinais. E não era como se o americano se desse muito bem. As semifinais no Super Saturday significavam que o cara que jogava a partida noturna tinha que voltar a jogar uma final em melhor-de-cinco menos de 24h depois de vencer a semi, enquanto o outro podia dormir bem e tinha mais horas para se recuperar. Ainda bem que se livraram do formato original do Super Saturday, mas fazer as semifinais masculinas no sábado ainda é um problema [na época da publicação do livro, as duas semifinais eram disputadas sábado à tarde, antes da final feminina, à noite. Hoje, as semis masculinas são jogadas na sexta-feira].

Coisas que eu acho que acho:

– O dilema retratado por Patrick é eterno nos EUA, mas com o patriotismo menos acentuado nos últimos anos. O tênis ficou mais, digamos, global. Também é preciso levar em consideração que as chaves masculinas não têm um nome americano com poder de levantar a audiência.

– Mundialmente, o grande nome, pelo menos no que diz respeito a números de audiência, é Roger Federer. É por isso que o suíço raramente joga no calorão na Austrália ou nos EUA e quase nunca atua fora da Quadra Central de Wimbledon. E é por isso que sempre vai haver gente reclamando. Os torneios, às vezes, passam do limite da justiça esportiva por causa da pressão das TVs e da expectativa pelas partidas de Federer em horários nobres.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.