Sobre a enorme influência da TV e como alguns tenistas são 'beneficiados' nos slams
Uma das polêmicas recorrentes do tênis é a "escalação" dos tenistas nos slams. Quem joga de dia, quem entra em quadra à noite, quem vai atuar no calor, quem vai entrar só à noite, no horário nobre, etc. Na maioria dos casos, a resposta para a última questão é "Roger Federer". O suíço, nome com mais fãs e que mais vende ingressos no planeta, é quase sempre o homem nas sessões noturnas do Australian Open e do US Open.
Isso não acontece por acaso, mas, eventualmente, dá margem a algumas reclamações. Afinal, se Federer atua sempre à noite na Austrália enquanto Djokovic faz a sessão diurna naquele calorão, um tenista está sendo beneficiado esportivamente. O mesmo acontece quando alguém é sempre escalado para a quadra central, enquanto outros atletas da elite são deslocados para a segunda maior arena do evento (lembram que Djokovic reclamou este ano em Wimbledon?).
É um equilíbrio difícil para qualquer torneio e, de vez em quando, os diretores realmente pisam na bola. Só que muita gente não sabe a pressão que esses executivos sofrem – de vários lados – enquanto a programação não sai. Por isso, trago abaixo um relato de Patrick McEnroe, ex-capitão americano da Copa Davis e, principalmente, comentarista com bastante experiência nos slams trabalhando para a ESPN e a CBS dos Estados Unidos. Ele fala sobre a relação dos canais com os torneios, os jogadores e, claro, a influência na ordem dos jogos do dia.
O texto é do livro "Hardcout Confidential – Tales from Tewnty Years in the Pro Tennis Trenches", de 2010.
De muitas maneiras, ainda acho que o Australian Open era nossa "jóia da coroa". Nós [ESPN] cobrimos do começo até o fim (em Roland Garros, Wimbledon e no US Open, outras redes, NBC ou CBS, têm os direitos de alguns dias importantes, inclusive o fim de semana das finais). E se o horário incomum restringe o tamanho de nossa audiência em potencial, nós realmente alcançamos os amantes do tênis. É por isso que sempre pleiteamos com os diretores de programação para que nos deixem mostrar as partidas realmente intrigantes, não apenas os nomes grandes.
Mas é uma batalha que costumamos perder porque os diretores de programação acreditam que um jogo horrível com Serena Williams é preferível a uma batalha épica de cinco sets entre, digamos, Nicolas Almagro e David Ferrer. Isso deixa alguns fãs de tênis furiosos, mas a verdade é que apenas dois jogadores nos últimos anos tinham o poder de aumentar a audiência na ESPN: Andre Agassi e Serena Williams.
Essa postura era particularmente irritante quando eu estava trabalhando para a CBS no US Open. Ok, o modelo de negócio da CBS é diferente do da ESPN, mas eu sempre senti que a ESPN estava investida no tênis enquanto a CBS estava investida apenas no US Open, e apenas em jogadores americanos no torneio.
Durante um dos meus primeiros cinco anos na CBS, na era Sampras-Agassi, jogadores americanos estavam sofrendo nas primeiras rodadas. Lembro de ir a uma das reuniões de produção, e o foco inteiro estava na audiência do fim de semana. Olhando os resultados, um dos diretores de programação disse "Que diabos está errado com esses caras [americanos]?"
Fiquei muito irritado. Eu queria dizer "Há um monte de ótimos caras do mundo inteiro, e eles estão melhorando a cada ano. Isso é que está 'errado' com eles." Porém, o pessoal da programação não quer ouvir isso. Eles sentam com a chave no início do torneio e marcam os nomes que querem ver no fim de semana do Labor Day [Dia do Trabalho]. Eles dizem ao diretor do torneio, Jim Curley, e à USTA: "Queremos Agassi duas vezes, queremos Serena Williams à noite", esse tipo de coisa. Eu tinha acabado de sair do circuito naquela época e era um pouco sensível demais ao que você pode chamar de ponto de vista do jogador. Hoje em dia, todo mundo é bom. Você precisa estar maluco para presumir que alguém vai estar nas oitavas ou nas quartas.
Preciso acrescentar que só porque a CBS quer algo e tem bastante influência, muitas outras vozes – inclusive jogadores e detentores de direitos de transmissão estrangeiros – tentam exercer influência sobre Curley também. Seu trabalho é tentar manter todo mundo feliz ao mesmo tempo em que é justo. Curley tem que dar a todos jogadores na chave condições comparáveis no que diz respeito a períodos de descanso x jogo, escalação em quadras e tempo de jogo. Durante a primeira semana do US Open, os dias podem ser brutalmente quentes e úmidos, então é uma vantagem jogar à noite, e os executivos de TV querem ver certos astros na sessão noturna.
Um dos melhores exemplos de péssima decisão sobre programação aconteceu em 1987, quando a velha fórmula do "Super Saturday" (as semifinais masculinas eram disputadas no sábado, com a final feminina jogada entre elas, com horário de início marcado para 16h) fez o diretor do torneio na época mandar Stefan Edberg e Mats Wilander jogarem uma semifinal às 10h – em um estádio quase vazio. A CBS obviamente queria a outra semifinal, um duelo entre os rivais Jimmy Connors e Ivan Lendl, no horário nobre. Wilander e Edberg ficaram tão furiosos que ensaiaram uma greve, e quem pode culpá-los? Ninguém joga às 10h depois de sair do juvenil, muito menos em uma semifinal de slam. Foi uma greve educada e sueca de 10 minutos. Depois disso, os dois foram para a quadra (Wilander venceu e acabou perdendo a final para Lendl).
Foi um enorme menosprezo a dois grandes e populares campeões, não importa sob que ângulo, e ressaltou a natureza injusta do conceito do Super Saturday, especialmente quando um americano estava nas semifinais. E não era como se o americano se desse muito bem. As semifinais no Super Saturday significavam que o cara que jogava a partida noturna tinha que voltar a jogar uma final em melhor-de-cinco menos de 24h depois de vencer a semi, enquanto o outro podia dormir bem e tinha mais horas para se recuperar. Ainda bem que se livraram do formato original do Super Saturday, mas fazer as semifinais masculinas no sábado ainda é um problema [na época da publicação do livro, as duas semifinais eram disputadas sábado à tarde, antes da final feminina, à noite. Hoje, as semis masculinas são jogadas na sexta-feira].
Coisas que eu acho que acho:
– O dilema retratado por Patrick é eterno nos EUA, mas com o patriotismo menos acentuado nos últimos anos. O tênis ficou mais, digamos, global. Também é preciso levar em consideração que as chaves masculinas não têm um nome americano com poder de levantar a audiência.
– Mundialmente, o grande nome, pelo menos no que diz respeito a números de audiência, é Roger Federer. É por isso que o suíço raramente joga no calorão na Austrália ou nos EUA e quase nunca atua fora da Quadra Central de Wimbledon. E é por isso que sempre vai haver gente reclamando. Os torneios, às vezes, passam do limite da justiça esportiva por causa da pressão das TVs e da expectativa pelas partidas de Federer em horários nobres.
Sobre o autor
Contato: ac@cossenza.org
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.