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Saque e Voleio

Zverev criticou o calendário e ganhou uma lição de Federer e cia.

Alexandre Cossenza

17/11/2018 13h04

Chegamos a novembro, fim de temporada, todo mundo vem administrando o desgaste acumulado de um ano inteiro, então inevitavelmente o tema do extenso calendário de torneios da ATP veio à tona durante o Finals. E foi aí que Alexander Zverev, garotão, 21 anos, #5 do mundo, resolveu descontar sua raiva depois de perder por 6/4 e 6/1 para Novak Djokovic e explicou por que não vem se sentindo no seu melhor há dois meses.

"O problema é que nossa temporada é longa demais. Esse é o problema, mas eu já falei isso antes. Jogamos durante 11 meses do ano. Isso é ridículo. Nenhum outro esporte profissional faz isso."

A culpa, como sempre, é do calendário. É preciso reduzir o número de datas. Os tenistas precisam de mais tempo de descanso. Zverev não apontou, contudo, uma solução para o problema. E foi aí que tenistas mais experientes como Roger Federer mostraram o quão fundo é o buraco – e, indiretamente, o quanto Zverev precisa aprender antes de sair reclamando. Vejam, primeiro, o que o suíço afirmou:

"Você pode se livrar de 20 torneios. Não sei quem quer isso. Esses 20 torneios é que não. Nem os 20 ou 100 tenistas no circuito. Essa é uma opção. A outra opção é como equipe, jogador e equipe, decidir quais são suas prioridades e o quanto um corpo pode aguentar, o quanto uma cabeça pode aguentar, quantas viagens alguém consegue aguentar. O bom é que nós, como jogadores, não somos empregados por um clube. Eu posso sair pela porta agora e entrar de férias se quiser. Ninguém vai me impedir. Não vão gostar, mas eu posso. Esse é um enorme privilégio que, acredito, um tenista tem."

Não foi a única coisa que Federer disse sobre o assunto, mas o recado estava dado. O circuito não existe para um grupinho de 20 tenistas. Não dá para viver só de Masters 1000. É preciso criar condições para que os tantos profissionais existentes sobrevivam do esporte, e essas condições incluem um determinado número de torneios ATP 500, outros tantos ATP 250, Challengers, Futures e aí por diante. Sem a turma de fora do top 100, a elite não seria elite. Não do modo que a conhecemos. É a quantidade de tenistas que nos permite entender e apreciar o quão superiores são os caras lá no topo da pirâmide.

Foi por aí que Bruno Soares e Jamie Murray abordaram o tema. Indagado se o circuito seria melhor mais curto, com torneios de mais qualidade em vez de quantidade, o brasileiro disse que não concordava. Jamie afirmou o seguinte: "Acho que é óbvio que há muitos torneios no calendário, mas se queremos muitas pessoas fazendo carreira no tênis, fazendo dinheiro no tênis, precisamos de muitos torneios. Se, de repente, ficam 30 torneios por ano, provavelmente teremos apenas 50 jogadores fazendo dinheiro, o que é errado porque tênis é um esporte global e de muito sucesso."

Ex-jogadores também deram seus pitacos – sempre contra Zverev. Tim Henman declarou que "Zverev é um cara jovem. Ele diz que está cansado nesta época do ano, com 21 anos, acho que ninguém vai dar ouvidos. Ele tem que aprender a administrar seu calendário para dar a si mesmo a melhor oportunidade de jogar seu melhor tênis nos melhores eventos."

Outro que "bateu" no jovem alemão foi Yevgeny Kafelnikov, um cara que nunca foi muito chegado a eufemismos e discursos politicamente corretos. "Cansado dessa bobagem. Ele talvez não lembre das temporadas nos anos 1990, quando a Grand Slam Cup terminava 10 de dezembro e ninguém reclamava, inclusive Sampras, Becker e o resto."

A justificativa

Depois de ver sua declaração ser atacada por todos os lados, Zverev decidiu explicar melhor. "Roger é mais velho, então há regras diferentes para ele na ATP. Ele pode pular dois Masters. Ele não precisa jogar todos os 500. Eu tenho de jogar os quatro grand slams, todos os nove Masters e tenho que jogar quatro 500 além disso. Na verdade, eu até joguei um 250 também."

Zverev continuou: "Eu também falei que não é a quantidade de tênis que temos no ano, é o tempo que temos de folga. Mesmo se você não joga numa semana, você não pode tirar folga. Você tem que estar treinando, se preparando." … "Não podemos ter folga durante a temporada. Não podemos dizer 'okay, vou tirar férias de duas semanas e vou pras Maldivas em julho.' Não é assim que funciona. Você precisa estar treinado, preparado."

Okay, Zverev tem um ponto quando diz que não é possível tirar férias completas no meio do calendário, maaaaas é meia verdade dizer que ele é obrigado a jogar todos os Masters e slams. Isso não está em regra nenhuma, nem para ele nem para ninguém.

O que o regulamento diz é que se um tenista da elite não jogar um dos oito Masters (Monte Carlo não faz parte dessa exigência), ele é obrigado a carregar um zero na lista de 18 torneios que contam para o ranking. Ninguém vai preso nem paga multa se preferir se ausentar de um evento assim. Então, como diz Federer, cabe a cada um administrar suas datas e entender o quanto seu corpo e sua mente aguentam.

E de que adianta Zverev reclamar dos "obrigatórios" 19 torneios (contando o ATP Finals) se ele atuou em 24 eventos (contando Copa Davis e Laver Cup) ao longo do ano? É compreensível que, como diz Tim Henman, ninguém vá dar ouvidos demais ao que o garotão anda dizendo.

A solução de Djokovic

O número 1 do mundo não podia ficar fora do debate, afinal Djokovic é o presidente do Conselho dos Jogadores. O sérvio acha que o calendário deveria ser mais curto, focado em grandes eventos. "Ao mesmo tempo, entendo o objetivo de criar mais oportunidades de emprego e não digo que devemos excluir torneios. Talvez possamos mudar. Temos opções diferentes. Talvez no fim do ano podemos encerrar as últimas semanas com uma sequência sul-americana, ou 250s, alguns 500s, e encerrar a temporada de torneios grandes um pouco mais cedo."

É uma das alternativas na mesa, mas uma opção que não deve ser muito popular com os diretores de torneios da América do Sul, já que seria mais difícil atrair tenistas da elite no fim do ano. Por outro lado, é uma ideia que se encaixa com um dos cenários que vem sendo ventilado há alguns anos: um calendário de 52 semanas, com torneios o ano inteiro. Caberia a cada jogador decidir onde e quando tirar suas férias. A ideia pode parecer absurda para alguns, mas seria uma maneira de "combater" as exibições de fim de ano.

Coisa que eu acho que acho:

– Já disse bastante o que penso nas linhas acima, mas queria deixar registrada aqui a opinião de Dominic Thiem, que só poderia ter vindo dele mesmo: "Acho que não podemos reclamar [do calendário] porque temos uma vida muito boa. Só seria melhor se o ano tivesse 13 meses." Nada, nada, nada, nenhuma resposta seria mais típica de Thiem do que esta.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.