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Teliana fala do tênis feminino brasileiro: 'falta de tudo'

Alexandre Cossenza

09/11/2018 05h00

Teliana Pereira e eu conversamos em Curitiba, onde estive a convite do Instituto Sports para acompanhar o torneio Future realizado no Graciosa Country Club. Na primeira parte do papo, publicada ontem, a ex-top 50 falou sobre o sentimento de raiva do tênis e como precisou se afastar do circuito.

Nesta sexta-feira, é a vez de postar a segunda metade da entrevista, realizada no domingo do segundo turno das eleições. Aqui, Teliana fala dos problemas do tênis feminino brasileiro, suas causas e consequências. A pernambucana aponta a falta de apoio, a quase inexistência de torneios e quadras públicas, a divulgação mínima, e lembra também que tudo começa com a ausência da prática esportiva nas escolas.

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No fim da conversa, Teliana fala também da experiência que viveu recentemente na TV, quando estreou como comentarista durante o US Open, na ESPN, e diz o que pensa em fazer quando deixar o tênis profissional. Role a página e fique por dentro.

Vamos falar um pouco sobre tênis brasileiro? É um momento em que, coincidência ou não…

Triste.

Não é a minha intenção gerar uma polêmica aqui, mas está todo mundo mal no ranking. Você, a Bia voltando de cirurgia…

É que hoje em dia, qualquer coisa que você fale… Se você fala a verdade, já vira polêmica.

Parece que você está querendo atacar alguém, né?

É. A gente tem que enxergar a realidade. O tênis brasileiro está muito mal.

E o tênis feminino sempre foi assim, tirando exceções como quando você estava bem.

Depois, a Bia teve uma fase muito boa. Mas agora ela está voltando…

É mais falta de tenista, de oportunidade, de torneio… O que você acha?

Sabe que eu penso nisso todos os dias e respondo essa pergunta todas as vezes (risos de ambos). E eu não fico brava de responder. Eu só não consigo ter uma resposta, entendeu?

Sim!

Eu acredito que seja uma falta de tudo. É uma mistura. Eu acho inadmissível a gente não ter torneio no Brasil. A gente teve, este ano, alguns. Teve aqui em Curitiba, teve em São Paulo e outros. Mas eu não consigo entender como a gente não tem mais torneios, como que tiraram os WTAs… Isso é um crime. Mas, ao mesmo tempo, falta apoio? Falta apoio. Concordo plenamente. É difícil porque a gente tem que estar sempre viajando. É caríssimo! Você vai para a Europa ficar um mês, você gasta mais de R$ 10 mil. Tem que ser, no mínimo, milionário para poder viver do tênis. Me desculpe, não é todo mundo que é milionário. É aí que começa a dificuldade. Eu também acho que falta ter uma divulgação melhor. Mas aí você vai dizer "para ter uma divulgação melhor, precisa ter tenista." Também concordo. Então qual é a resposta? Não sei. Simplesmente não sei te falar por que não tem mulher jogando tênis, sabe?Falta comprometimento? É duro falar quando a gente não está no dia a dia das jogadoras. Eu sei do meu. Eu fui, eu sou comprometida, eu treino, eu fico tão triste quanto todo mundo porque não tem tanta jogadora.

Eu pergunto porque é um problema que vem desde a base. Você pega chave de torneios juvenis e olha a diferença enorme do masculino pro feminino. Tem torneio que não tem chave feminina pra tal idade…

Falta… Eu vejo…

 

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O dia foi com eles hoje 👌🏽 @biahaddadmaia @german_gaich Ótimo treino #bogotá

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Eu culpo o vôlei (risos).

Você culpa o vôlei? (Teliana faz cara de espanto)

Parcialmente. Eu falo isso só parcialmente sério. É porque as meninas que teriam o biotipo ideal para jogar tênis moderno, com 1,80m ou mais… Elas vão todas para o vôlei. Até o basquete perde atleta para o vôlei. E tanto vôlei quanto basquete têm uma vantagem grande sobre o tênis porque são esportes coletivos e de clube. Então você bota sua filha adolescente para jogar vôlei, o clube vai pagar viagem para ela jogar estadual, nacional, etc. Com 17, ela vira profissional sem ter gasto nenhum. Pode morar no CT de um clube, o clube paga as viagens, médico, tudo. O pai não tem gasto nenhum.

Mas você não acha que o fato de o tênis ser extremamente caro dificulta muito?

Sim, sim!

E você não concorda comigo que se tivesse muito mais apoio ao tênis, com pessoas ali atrás, teria muito mais meninas jogando?

Sim!

Você não concorda que falta apoio? Mas ao mesmo tempo falta menina para jogar. Por exemplo: eu tenho uma empresa e quero patrocinar o tênis, mas não tem ninguém! Eu vou para onde? Para outros esportes.

Exatamente.

Eu, sinceramente, não sei como a gente vai mudar isso. Agora… Que tem um problema na base no Brasil, isso aí é uma coisa muito óbvia. Não precisa ir muito longe. Você vai nos EUA e vê tudo que eles têm. Começa pela educação física que a gente tem nas escolas! Eu estudei, a minha educação física era aula vaga. Não era aula. Você não aprende sobre o esporte. Vai lá fora e vê como é totalmente diferente! Enquanto isso não mudar, a gente não vai ter grandes atletas. E a gente vai para as Olimpíadas, eles querem resultado, mas qual o investimento que tem na base? Porque depois, quando o atleta está ali, feito, é fácil. Mas e a base? Tudo na vida tem que ter base. Se a gente não tem base, uma hora cai. E aí não tem jeito.

E assim… Às vezes as pessoas acham que eu faço certas perguntas para bater na CBT, mas nem é o caso porque não é de hoje que o tênis feminino no Brasil não tem atleta. Não é uma questão só dessa diretoria nem da diretoria anterior.

Não é nenhuma novidade. A gente está falando do que sempre foi. E aí, se é CBT, se são as federações… É tudo. E a gente vai ficar sempre batendo nessa tecla, e eu não sei quando as coisas vão mudar, se é que elas vão mudar.

E o que precisa mudar, né?

Pois é, eu também não sei. Tem o problema da base, tem o problema do apoio… Se a gente tivesse muito mais torneios no Brasil, você acha que não teria muito mais meninas no ranking? Não incentivaria? Você vai fazer os torneios, as meninas vão assistir, e você acha que no dia seguinte, na hora elas vão querer jogar tênis! Mas a gente não tem isso, as meninas não vão jogar tênis. Ainda mais sabendo que é um esporte extremamente caro.

Até para quem vê na TV parece um negócio muito distante. Porque por mais que a pessoa olhe e diga "olha, que legal a Sharapova, a Serena", mas onde ela pode jogar? Não tem quadra pública, os pais muitas vezes não têm dinheiro para pagar a mensalidade de um clube, uma aula…

Nossa, nos EUA, teve um ano que eu perdi no US Open e tive que ficar lá porque ia continuar jogando. Gente, a quantidade de quadra pública que tem naquele lugar… Quais são as chances de ter tenista? Enorme! Lá eles vivem o esporte. E, para mim, esporte é vida. Educação! A criança está na quadra, aprende a respeitar o adversário, que existem regras. Eu acho que também, hoje em dia, adolescência está bem conturbada. As crianças estão com outros princípios. Falta esporte, falta educação. Mas o Brasil não investe nisso. Os políticos não estão muito interessados nisso.

Você já votou hoje?

Ainda não (risos de ambos). Nossa senhora! Não tenho nem vontade de votar.

 

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Estamos ao vivo com Nadal x Basilashvili na Espn #usopennaespn @everaldomarques1 #🐝 Bora Acompanhar Galeraaaaa

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Para terminar, me conta como foi comentar o US Open na ESPN? Parece que você curtiu muito.

Você não tem noção!

Eu tenho porque estava vendo!

Você viu? O que você acha que faltou?

Eu achei que, no começo, você estava nervosa e falando muito pouco.

Óbvio, né?! (risos de ambos)

E no final você já estava solta, rindo de todas palhaçadas do Everaldo.

O Everaldo… Ele não é nota mil. É um milhão! Ele é um fenômeno! Sério, eu fiquei apaixonada. Além de ele ser bom, é de uma simplicidade que você não tem noção. Foi uma experiência maravilhosa. Eu sempre deixei bem claro que eu quis trabalhar na televisão. Só que eu falava isso porque eu achava legal, nunca tinha feito, né? Eu fazia entrevista e tal, mas não é a mesma coisa. Foi muito legal! Aprendi um monte? Sabe o que é o mais legal de tudo? Que… Eu sempre assisto tênis em casa…

(interrompendo) Eu sei o que você vai falar porque eu ia te perguntar isso. Eu ouvi, acho que na última transmissão, você falar algo do tipo "nossa, nunca vi tanto tênis assim"…

E você vê com outros olhos! Isso que é muito engraçado porque eu assisto em casa, mas, assim, de vez em quando. Paro, assisto e vejo a bolinha, né? Eu não tô preocupada em passar para alguém "você viu como ele chegou na bola?" E lá, não. Eu realmente vi tênis. E vou te falar mais: na semana seguinte, fui treinar e aquilo estava muito na minha cabeça. Me ajudou! Porque você começa a reparar de verdade posicionamento, a bolinha, as reações… Nossa, foi uma semana muito boa. Foi puxado para caramba, mas valeu cada segundo. Eu gostei muito porque quando eu parar de jogar, eu gostaria de fazer isso. O meu irmão, o Renato, ele sempre teve o sonho de ter uma academia. Eu acho super legal, mas nunca foi o meu sonho. O meu sonho mesmo é estar ali na televisão, é ter um projeto para poder ver crianças jogando, poder retribuir, poder dar para crianças o que o tênis me deu. E já estou começando a ver como posso fazer. Não sei quanto tempo mais eu vou jogar, mas não vai ser muito mais.

Você já sabe quando vai voltar?

Ano que vem.

Já montou calendário?

Não. Não tem os torneios ainda, mas ali em novembro, já vou saber. Em dezembro, começo a me preparar. Vou fazer uma boa pré-temporada para tentar não machucar tanto, né? E aí vamos ver. Mas [a ESPN] foi uma experiência muito leal. Eu curti muito.

Deu para perceber.

Eu me diverti horrores! Eu nem imaginei que ia me divertir tanto.

Alguma coisa dali você vai levar para a quadra?

O que eu te falei: você enxerga o tênis de outra maneira. Coisas que eu já sabia, óbvio, mas que ali ficaram muito evidentes. "Mas se eu colocar a bola ali, ela não vai chegar", "mas, aqui, esse posicionamento". Tem várias coisas que eu levei para a quadra. Principalmente, eu reparei como os grandes colocam bem a bola. Isso é uma coisa que eu sempre trabalhei muito porque eu não sou tão precisa, então nossa… Eu fiz um jogo que – não vou lembrar agora – foi muito bom e, no dia seguinte, eu fui bater bola em São Paulo. Eu treinei de uma maneira, treinei tão bem que falei "caraca, está dando resultado!" (risos). Você enxerga com outros olhos.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.