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Teliana, trintona e bem resolvida: 'Se eu não quiser mais jogar, não tem problema'

Alexandre Cossenza

08/11/2018 05h00

Teliana Pereira anda meio fora do radar. Em junho de 2017, com muita dor no cotovelo e poucos resultados, pegou raiva do tênis. Tinha a raiva de quem não conseguia jogar no nível que queria e, ao mesmo tempo, sentia-se mal por viver aquelas sensações. Foi então que a pernambucana jogou tudo para o alto. Deixou o circuito e a rotina para cuidar dos preparativos para o casamento. Aproveitou a vida, os amigos e, claro, o marido. Experimentou uma vida nova, sem compromissos profissionais.

Quando decidiu voltar a jogar, resolveu fazer diferente. Tentou uma pré-temporada em Barcelona, com o técnico brasileiro Leo Azevedo. Voltou a competir, teve mais lesões e parou outra vez. Teliana no circuito, agora, só em 2019. E, por ela, tudo bem. Hoje com 30 anos, a pernambucana vê o tênis com outros olhos, mas não é só isso: ela enxerga a vida de outra maneira. Por isso, a ex-top 50, atual #629 do mundo, não se desespera com a possibilidade de não voltar a jogar seu melhor.

Conversamos em Curitiba, onde estive a convite do Instituto Sports para acompanhar o torneio Future realizado no Graciosa Country Club. O papo rolou no domingo do segundo turno das eleições, e falamos de vários assuntos. Na primeira parte, publicada abaixo, o papo foi sobre a pausa, a vida e como Teliana mudou no último ano. Na segunda parte, que publicarei amanhã, falamos sobre o mau momento do tênis brasileiro – especialmente, o feminino – e suas causas. Nela, a ex-número 1 do Brasil também fala da experiência de comentar o último US Open na ESPN e do que pretende fazer nos próximos anos.

Faz muito tempo que a gente não conversa, então quero começar lá de trás, de antes de você se casar [Teliana casou em outubro de 2017]. Você estava com dor no cotovelo em junho, quando decidiu dar um tempo e cuidar do casamento. Como foi esse processo de escolher se afastar do circuito por um tempo para cuidar da vida e, depois, voltar?

Ah, na verdade casar foi só oficializar e fazer festa. Eu já morava junto, já tinha uma vida de casada há muito tempo. A gente morava junto há mais ou menos dois anos, mas a gente está junto há dez.

Então não teve impacto de se acostumar com o outro no dia a dia, em casa, o tempo inteiro, e cada um precisar achar seu espaço, etc. e tal, né?

Não, não teve. Até porque a gente viajava muito junto, né? Então quando você faz essas viagens, querendo ou não, você tem que saber separar, saber "aqui é seu lugar, aqui é o meu", mas a gente não teve muito isso. Quando eu parei, em junho, eu estava com bastante dor e estava bem cansada mentalmente. Eu não estava mais curtindo estar na quadra, então aproveitei que já estava machucada e ia casar e falei "ah, vou dar um tempo". Não fazia mais sentido, para mim, estar na quadra. Eu entrava, mas não me sentia "eu" ali. Foi uma decisão difícil, mas ao mesmo tempo eu tinha outras coisas para me ocupar. Eu estava querendo viver mais sabe? Viver coisas fora da quadra. Coisas que eu nunca tinha feito. E foi legal! (risos)

Que coisas fora da quadra?

Ah, eu passei a sair mais com meus amigos, não ter horário para dormir, não ter nenhuma rotina. Eu não tinha rotina nenhuma! Eu fazia o que eu queria. É claro que não parei totalmente. Eu ia para a academia fazer musculação, mas, assim, tudo quando eu queria, no horário que eu quisesse.

Deve dar uma sensação de liberdade enorme…

Total! Eu queria muito isso, sabe? Já não estava mais conseguindo lidar… E eu sempre fui uma jogadora que gostei da rotina. Isso era importantíssimo para mim. E chegou um momento em que eu já não estava mais gostando, eu estava sofrendo muito quando entrava na quadra e ia viajar. Esse processo de sair, fazer a mala, avião… Isso estava pegando demais para mim. E eu sentia que, quando entrava na quadra, não conseguia mais competir igual eu competia. Isso sempre foi o meu diferencial. Eu não sou a menina que tem a melhor direita ou a melhor esquerda, mas eu tinha uma cabeça que poucas tinham. Eu tinha uma vontade muito grande de ganhar. E essa vontade, ela já não existia mais, então eu parei, pensei e falei "cara, não adianta. O que eu tô fazendo aqui? Estou perdendo meu tempo, estou perdendo o tempo do meu irmão, que estava comigo viajando, do meu marido, que também estava viajando comigo, estou perdendo dinheiro e, pior de tudo, estou me estressando por algo que sempre me deu muita alegria." Eu estava fazendo tudo errado, então decidi que ia parar, dar um tempo, cuidar um pouco, mas confesso que não tratei tanto [o cotovelo]. Eu simplesmente relaxei. Acordava, olhava para o teto e falava "o que eu estou com vontade de fazer hoje?" E aí foi isso durante um bom tempo, até que em setembro-outubro em comecei a me sentir estranha, a sentir falta da rotina, falta de competir. Durante muito tempo eu fiquei sem assistir tênis porque eu não conseguia, estava com dificuldade. Depois, a minha vontade foi voltando e eu falei "cara, quero voltar a jogar." E aí resolvi que eu iria voltar.

Você se sentiu inútil em algum momento? Por favor, não se ofenda com a pergunta, mas é que…

Não, não, mas eu entendo!

É porque eu já me senti assim. Quando eu saí do globoesporte.com, eu fui trabalhar de casa, e meu expediente era de cinco horas por dia só. Então chegava uma parte do dia em que eu ficava pensando "cara, não estou produzindo nada."

Várias vezes! Eu me sentia muito inútil! Muito inútil! Nos primeiros meses, não. Eu aproveitei ao máximo. Eu saía, ia pra show. Balada nunca foi a minha praia. Eu gosto mesmo é de show, de fazer churrasco, ficar com a família. Isso eu nunca tinha tido. Então aproveitei e fiz um monte. Aproveitei o máximo! Só que chegou uma hora que começou a dar um vazio. "Mas pra que tudo isso? O que que eu estou fazendo da minha vida?" Porque eu sou uma pessoa que gosta de objetivos, de desafios. E minha vida já não tinha mais nenhum desafio. Meu desafio era acordar e falar "o que que eu vou fazer hoje?" Vou para minha mãe, vou para o shopping ou sei lá. Eu também não queria estudar. Estava naquela de "tô de férias, então não vou fazer nada", e aí comecei a sentir um vazio muito grande. Ficava de mau humor o dia inteiro e me sentia insuportável. De vez em quando, eu batia bola com o Zé. Aí comecei a pensar "está na hora de voltar". Resolvi que queria fazer totalmente diferente, fui para Barcelona, mas quando fui para Barcelona, óbvio que era para treinar, mas eu sabia que estava totalmente destreinada, estava há muito tempo sem jogar. Fui mais para ver como é que era. A minha vida inteira eu tinha treinado com o Didier [Rayon], que foi com quem eu comecei a jogar, com 8 anos, e fui até os 19 com ele. E, depois, fiquei um tempo parada por causa do joelho e, quando voltei, voltei com meu irmão [Renato Pereira]. Só tive dois técnicos na minha vida. Sempre fui muito fechada quanto a isso. Sempre fui uma pessoa muito fechada, não dava muita abertura para as pessoas poderem chegar. E aí falei "vou fazer uma coisa diferente". Treinar com um cara brasileiro [Leo Azevedo] e ver o que outras pessoas têm para me falar.

Gostou?

Foi muito legal! Só que nesse mês que eu fiquei eu não consegui treinar muito. Eu machuquei. Eu cheguei lá já com dor no cotovelo, então não conseguia treinar tudo que tinha que treinar. Meu intuito era fazer como se fosse uma pré-temporada, ficar um mês lá, mas no final das contas meu cotovelo não deixou. Nas duas primeiras semanas, senti dor no cotovelo e aí, quando estava começando a melhorar, saiu um cisto no meu joelho nas últimas duas semanas. Então eu treinava, mas muito pouco, mas foi muito legal a experiência. Ficar sozinha, um mês na Europa… Eu viajei muito sozinha quando era pequena. Depois, quando comecei a ter bons resultados, estava viajando acompanhada, né? Treinar com alguém diferente, conhecer pessoas novas foi uma experiência incrível. Gostei muito! E aí voltei para jogar os torneios, mas meu cotovelo estava horrível ainda.

Quando você voltou, seu ranking já estava lá embaixo [em fevereiro de 2018, Teliana era a número 44 do mundo]. Como é essa experiência para você? Porque uma coisa é você ser 200 do mundo e cair para 400. Imagino que não seja um impacto tão grande. Maaaas eu estou falando com uma campeã de WTA [Teliana chegou a ser #43 do mundo]. Como é voltar num torneio em que, de repente, você tem até que catar a bolinha antes de sacar?

É… Eu já tinha passado por isso. Óbvio que foi uma queda não tão grande. Quando eu machuquei o joelho, eu estava na minha melhor fase, estava 190 do mundo e, quando voltei, voltei do zero. Eu já tinha mais ou menos uma ideia de como era recomeçar. Maaas não vou mentir: é duro. Este ano, eu tentei jogar e tal, não tive os resultados que eu imaginava. Mas é muito duro porque você entra na quadra para jogar um quali de um [torneio com premiação de US$] 25 mil, sendo que dois anos atrás eu estava ganhando um WTA, sabe? Tem que ter uma força mental muito grande. Em alguns momentos, eu tive essa força. Em alguns outros momento, realmente não tive porque… É duro. Nossa, é muito duro!

Pois é… De onde vai vir essa motivação?

A motivação tem que estar dentro de você, né? Mas, em vários momentos, eu me questionava. "Será que é isso mesmo? Será que eu estou fazendo o certo?" E o pior ainda… Você estar jogando o quali desses torneios é mentalmente duro, mas [pior] é você fazer uma sequência de jogos muito grande, e aí você vai, ganha vários jogos. Quando você vê, ganhou cinco jogos e [ainda] está nas oitavas. Você fala "meu deus do céu!" (risos). Que que é isso?! Para mim, está sendo duro. Se eu falar que não, vou estar mentindo. Está sendo bem duro passar por isso de novo. Tanto que agora eu estava na Itália, senti meu cotovelo de novo e resolvi tirar umas férias para também repensar. Por mais que eu tenha encarado este ano como uma experiência de voltar, eu ainda não estou 100% certa de que é o que eu tenho que fazer, sabe?

Eu ia te perguntar sobre isso porque seu calendário foi meio quebrado este ano, né? Você jogou um torneio em maio, um em junho e dois em agosto.

Eu joguei pouquíssimo.

Mas isso foi por quê?

Primeiro que eu machuquei um monte este ano.

É, então… Isso eu não sabia.

Eu fui para a Europa para fazer uma sequência de torneios e acabei fazendo quatro e tive que parar porque estava com muita dor no cotovelo e machuquei a mão também. Na verdade, este ano acho que eu paguei por ter ficado seis meses praticamente sem jogar. Eu ia lá e corria e tal, mas não é a mesma coisa. Aí machuquei a mão, fui para Barcelona, fiz várias infiltrações na mão, voltei a jogar, aí tirei o cisto, fiz infiltração no cotovelo, aí voltei para o Brasil e fiquei um tempo aqui. É, o corpo não aguentou tanto assim, o que é normal. Eu imaginei que isso pudesse acontecer, e aí mistura, né? É o corpo que está tipo "peraí, vai mais devagar", e eu querendo ir porque quero passar logo essa fase, esses torneios. Então fica aquela luta entre o corpo e a cabeça.

Como é que a Teliana de 30 anos vê o mundo em comparação com a Teliana de 20?

Nossa, muito diferente!

Você teve problema quando fez 30? De mudar o dígito e você começar a se sentir velha demais por isso?

Então! Eu acabei de ver um cabelo branco na minha cabeça (risos)! Não sei se você está vendo ele aqui, mas eu tive esse problema uns dias atrás.

E o fio branco aparece mais, né?

Aparece! Não sei onde ele está, mas está por aqui (mexendo no cabelo). Eu não tive problema nenhum, sabe? Na verdade, ano passado, quando fiquei parada, comecei a enxergar muita coisa de forma diferente. Quando eu parei, eu sentia raiva de tênis. Sentia realmente raiva de tênis. Eu me sentia mal por sentir aquilo. Então, ao mesmo tempo que eu sentia, eu não queria me permitir sentir aquilo porque eu me sentia muito ingrata. Como eu sinto raiva na quadra se tudo que eu tenho e conquistei foi graças ao tênis? E aí, quando eu parei, eu comecei a enxergar as coisas melhor. Você começa a ver o jogo diferente. Comecei a me relacionar melhor com as pessoas que estavam ao meu lado. Quando eu estava jogando, no comecinho do ano passado, eu estava muito infeliz. E eu descontava essa infelicidade e não tinha coragem de dar um tempo. Eu falava "não, vai mais um, a motivação vai voltar." A gente sempre acredita que… Porque no tênis é assim. Às vezes, uma bola muda tudo. Eu pensava "a minha vida inteira eu lutei, eu vou continuar lutando." Até que chegou uma hora e eu explodi. Falei "não dá, vou perder tudo." Aí eu comecei a enxergar tudo diferente. Na vida, a gente tem que ter prioridades, mas o tênis não é tudo. Se eu não quiser mais jogar tênis, não tem problema. Tenho várias oportunidades. Só que o primeiro é tomar uma decisão, e o difícil é você tomar essa decisão. Tenho certeza que para quase todos tenistas e atletas é uma fase muito complicada.

Você criou algum hábito novo nesse tempo que ficou sem jogar?

Eu passei a correr um monte. Eu sentia muita falta de suar. Eu não ia para a quadra, então ano passado eu corri como uma doente! Eu fazia 10 km todo dia. Acho que foi a única coisa. Mas hoje eu enxergo as coisas [de jeito] diferente, sabe? Por mais que você entre na quadra e os sentimentos acabem voltando… Tem vários momentos na quadra que eu, hoje, jogando os torneios, vinha aquela tristeza. E aí você tem que lutar. "Não, pera, não é isso." Eu não voltei a jogar tênis para sentir isso. Você tem que estar sempre se policiando. E hoje eu vejo que se eu não quiser mais pegar na raquete, não é um problema. Antes, não. Eu achava que era obrigada a jogar tênis, que eu devia para as pessoas. Eu não devo nada para ninguém. Tudo que eu conquistei – é óbvio que tem todas pessoas envolvidas e eu sou muito grata, mas quem corria atrás da bolinha era eu, quem colocava a bola na quadra era eu. Então, hoje, o mais importante para mim é estar feliz, de bem com a vida, sabe? E ano passado eu fiquei sofrendo praticamente o ano inteiro, tirando o momento do meu casamento, que foi maravilhoso.

Cuidou dos detalhes da festa? Bolo, arranjo de flores, essas coisas?

No finalzinho, sim.

Curtiu?

Mais ou menos.

Sério!?

É legal, é legal, mas são muitos detalhes. E eu não entendo, né? Eu entendo de bolinha, de quadra. Aí vem a moça: "você quer bolo de cinco ou três andares?", e eu falo "meu, o que que vai mudar? Não sei." Porque o de cinco andares vai aparecer mais, ficar mais bonito na mesa, aí eu "então tá, faz de cinco". A minha sogra me ajudou um monte. É legal, é um processo gostoso, só que é estressante também.

Fez prova de bufê?

Fiz tudo. A gente escolheu a comida…

Eu adorei. Sou gordo, sou suspeito…

(Risos) Não, foi bom. Para mim, a melhor parte foi a prova dos doces. Eu amo doces.

Eu não fiz isso.

Ah, você perdeu a melhor parte!

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.