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Saque e Voleio

Alex, pai de tenista e em busca de conhecimento: 'Como não atrapalhar o sonho de minha filha'

Alexandre Cossenza

26/10/2018 01h14

Com a bola nos pés, Alex foi um raro talento. Possivelmente, o último camisa 10 clássico a jogar nos gramados brasileiros. Um jogador que sabia onde estavam seus companheiros e buscava o melhor cenário possível para elaborar um ataque antes mesmo de receber a bola. Inteligente, analítico, comprometido e, como ele mesmo se define, curioso.

Adjetivos que Alex precisa mais do que nunca agora, como pai da jovem Maria Mauad, de 14 anos, aspirante a tenista profissional. A adolescente, que começou a jogar na Turquia, onde a família morava na época, já decidiu que quer a vida de atleta. Alex, então, foi atrás de informações. Conversou com técnicos, jogadores, ex-jogadores e todo tipo de gente ligada ao tênis. A meta era descobrir "como não atrapalhar o sonho de minha filha".

Conversei com o camisa 10 nesta quinta-feira, no Graciosa Country Club, enquanto cobria o Future de Curitiba a convite do Instituto Sports. Foi um papo descontraído, com muitas risadas, mas também com muito assunto sério. Alex conta o passo a passo de seu "ofício" como pai de tenista. Quem procurou, o que perguntou e como foram elaborados os planos para que sua filha tenha a melhor chance possível de se tornar uma profissional.

Mesmo olhando o esporte com um ponto de vista único – o de quem competiu em altíssimo nível – Alex fala de um punhado de sensações bastante comuns a pais de tenistas em todo mundo. A entrevista, transcrita abaixo na íntegra, acaba sendo um pequeno guia para quem tem um filho no esporte. Rolam a página, leiam e entendam.

Eu quero chegar no assunto de um papo nosso no Twitter, que foi quando você disse "como não atrapalhar o sonho da minha filha". Maaaaas vamos "começar do começo"? Como a Maria iniciou no tênis?

Nós vivíamos na Turquia…

Ela nasceu lá?

Praticamente. Ela nasceu em abril de 2004. Eu fui para o Fenerbahçe em agosto de 2004. Ela chegou lá com quatro meses. É praticamente uma turca. E a minha mulher já era apaixonada por tênis.

Sempre foi?

Desde criança. Assistia, acompanhava, brinca ainda com a minha sogra… "Você me levou para balé, sapateado, em vez de ter me levado para o tênis" e tal. E começou a fazer aula na Turquia. Nós morávamos num condomínio, tinha cinco ou seis quadras de tênis. E aí foi. Começou a ter aula com uma menina. A Maria tinha 3-4 anos. E quando nevava, tinha um sistema muito legal que eles inflavam uma cobertura porque na Europa os caras têm que ter vida durante quatro meses. E a Maria ia junto. Era aquela coisa de bater 40 bolas e "Maria, vamos pegar as bolas juntas". Ela ia, juntava, colocava no carrinho. Um belo dia, a Maria falou "Quero brincar, quero bater bola." A professora falou "Você é muito novinha, não vai ter raquetinha para você pegar, espera mais um pouquinho." E ela ia todo dia. A professora falou "Quando você fizer 5 anos, eu te dou uma raquete." E ela esperou. Quando fez 5 anos, virou para a professora e "Cadê a raquete que você me prometeu?" A professora deu, e ela começou a bater bola. Quando eu voltava para o Brasil de férias, e aí foi a nossa surpresa, um belo dia ela vira para a mãe e fala "Eu tô de férias aqui, mas quero continuar jogando tênis." Na região que a gente mora, tinha a academia do [Antonio] Prieto. Ela caiu na mão do [Eduardo] Portal, que dava aula lá. Aí voltava para a Turquia e fazia aula com a menina lá. Aí eu volto em definitivo [para o Brasil] em 2012, começamos a ajeitar nossa vida, e ela "Quero jogar tênis, quero continuar." Procuramos o Portal, e ela começa a bater bola com o Portal. Só que ela tinha 9-10 anos, ficava brincando. Aí o Portal chamava ela para uns joguinhos com outras crianças, e ela não ia. Não queria. O Portal me chama e fala "Estamos, talvez, perdendo alguém do tênis para um outro ambiente. Vamos levá-la para um clube para ela perceber que tem mais crianças como ela que jogam tênis." Até aquele momento, falava "Vamos jogar um game?", e ela dizia "Não, não quero, não vou."

Só queria bater bola?

Só queria bater bola. Aí beleza, conversamos com o clube Curitibano, do qual somos sócios, e colocamos ela na equipe. Aí ela começa. Isso era 2014. No final de 2014, ela faz os primeiros torneinhos de 10 anos.

Final de 2014 foi mais ou menos quando você parou de jogar, não?

Foi. Eu joguei 2013 e 2014 no Coritiba. Eu paro em dezembro de 2014. Até ontem ela estava me mostrando as chaves, quem eram as meninas. Era Copa Guga de 2014, em setembro.

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O que você conhecia de tênis na época?

Só de assistir. Um pouquinho antes o Guga, depois a febre do Guga… Porque a minha história é a seguinte: eu saía de casa – até no livro eu conto isso – eu saía de casa cedão com meu pai, estudava pela manhã e, à tarde, eu jogava futsal pela Associação Atlética Banco do Brasil. Dois dias por semana, eu treinava à tarde no Coritiba durante um período. Nos outros três dias, eu ficava lá na AABB de bobeira. Nessa de ficar de bobeira, eu ficava chutando bola no campo. Do lado, tinha as quadras de tênis. Talvez hoje seja um dos meus grandes arrependimentos. Vários professores falavam "Vem, vamos bater bola, eu te ensino", entre uma aula e outra. Eu nunca ia. "Quero nada, quero é jogar bola." Então eu assistia tênis, depois veio a febre do Guga e comecei a acompanhar tênis. Depois eu fui para a Olimpíada… O Fabiano, um amigo meu casado com a filha do Luxemburgo, ele lembrou umas histórias que a gente jogou o Torneio de Toulon em 1996. Não tinha nada para fazer. Era jogar, treinar e ficar no hotel. Estava, no mesmo período, jogando Roland Garros. A gente ficava assistindo aos jogos na TV francesa. Então minha relação com o tênis era essa, de ficar vendo quando aparecia na antiga TV Manchete, aquela coisa toda. Nunca tinha pisado numa quadra de tênis. A coisa aumenta a partir da minha esposa.

E tinha alguém que você gostava de ver ou era muito esporádico e nem chegava a isso?

Não, eu brinco muito com a minha esposa, e isso é geral, em todos os esportes. Por exemplo, ela amava o Lakers, e eu ficava de zoeira com o Chicago. Ela era apaixonada pelo Agassi. Eu falava "Então vou torcer pro Sampras." Ela amava o jeito de o Meligeni jogar, e eu falava que o Meligeni não jogava nada. Tanto que hoje ela brinca comigo: "Hoje, você puxa o saco do Meligeni!" Então eu não tinha muita preferência, mas ficava naquela de "vou cutucar". Ela "Eu gosto da Steffi Graf", eu "Prefiro a Navratilova". Mas nada de torcer por alguém. Depois que comecei a ver tênis, posso até dizer que prefiro esse, aquele, mas lá atrás estaria mentindo se eu falasse qualquer coisa.

Quando foi que a Maria Eduarda chegou e disse "Quero fazer isso…"

Pra valer?

Pra valer.

Foi muito natural porque como a gente não sabia nada de tênis… Quando surge essa coisa de o Portal falar "Vamos levá-la para um clube", eu não tinha referência nenhuma no tênis. O que eu fiz? Começo a olhar e pesquisar os caras que jogavam e que jogaram e falei "Como é que posso buscar uma informação?" Aí descubro que o Saretta era palmeirense. Vejo que ele tem uns amigos em comum comigo. Pego, ligo pro Fábio Luciano e falo "Vi que você tem uma relação boa com o Saretta. Como é que o cara é? Acessível?" Ele: "Pode ligar. O cara é palmeirense doente, gosta de futebol, tem um menino que joga futebol. O que você precisar ele vai te informar." Peguei e mandei uma mensagem para o Saretta explicando a história. A única coisa que o Saretta me perguntou foi "Quem é o treinador?" Eu falei "É o Portal". "Vai tranquilo. Segue o que ele falar que está maravilha. E deixa ela se divertir e ver se realmente ela quer." Falei "Beleza, já tenho uma referência. Vamos ver o que acontece." Nisso, o Portal me apresenta um negócio assim: "Alex, as categorias se dividem assim" e me contou mais ou menos como era o tênis. Beleza. Parece com o futebol. "Então vamos fazer algo para ela até 16 anos, que é quando normalmente as meninas começam a se definir." Falei "Tá bom." "Então a gente imagina que ela possa ficar entre as cinco [melhores] dos 12 anos, e que possa ficar entre as cinco nos 14 anos. E vamos ver como é que desenvolve, mas não vamos ficar bitolados." Tá bom. Vambora. E ela foi. Começa a jogar aqui, um pontinho aqui, um pontinho ali, a gente começa a perceber como é, e ela só aumentando. "Ah, quero treinar mais. Dois dias está pouco, quero mais. Quero jogar tal torneio, quero isso, quero aquilo." E as coisas foram acontecendo. Do nada, nós conhecemos a Teliana e a família Pereira… Do nada, eu conheci o Bruno [Soares] e o Marcelo [Melo]… A Teliana nos convida para ver o Rio Open, vamos ver o Rio Open… A coisa foi acontecendo. Quando ela começou a jogar os Cosats, no primeiro ano de 14, ela virou para o treinador e falou "Quero ser tenista." E aí eu fui para o meu lado, que é como eu escrevi para você no Twitter. "Portal, e aí? O que eu preciso fazer para que nós não atrapalhemos o desejo dela?" Ele falou "Você já é atleta, tem uma linha de atleta." Então falei "Está na sua mão. Você toca, e eu vou por trás e pagar a conta. Vou ser motorista, vou levar para viajar. É o meu papel." E é o que eu faço. Não atrapalhar.

Então o approach é mais ou menos esse: olhar, acompanhar…

É como se fosse mais ou menos o seguinte: eu sou o presidente de uma empresa, e o Portal é o CEO. Quem manda é o Portal. Eu me reporto a ele, e a minha relação com ela é, quando falar, não falar de tênis. Vou falar de comportamento que ela tem que ter. Porque eu, por exemplo, aprendi a ter comportamento como atleta, para vencer enquanto atleta… Eu já tinha 22-23 anos. E como no tênis as coisas se antecipam – e a gente já tem outros exemplos, e isso ajuda bastante… Tem o exemplo da Teliana perto… Ter o conhecimento de outros atletas… Você começa a dizer "isso me serve" ou "isso não me serve". Então eu utilizo do que tive de ganho como atleta, só que mais tarde. Porque eu, por exemplo, acreditava que a minha perna esquerda resolveria qualquer problema a qualquer momento. E fui entender que não era assim quando chego no Palmeiras. "O nível é mais alto."

Só no Palmeiras?

É, porque no Coritiba eu era o queridinho da galera. O gurizinho, o mimadinho. Quer treinar, treina. Não quer, não treina. Eu falava "Cara, me falta algo, mas não sei o que é." E aí, quando eu chego no Palmeiras, eu percebo que era treinar, que era trabalhar, buscar melhora, excelência. Porque no Coritiba era o seguinte: "ah, cara, um menino de 17-18 anos que joga, vamos fazer dinheiro com ele a qualquer momento", e eu acreditava naquilo. E aí eu vi que não era. Então a chance de mostrar para ela novinha… É melhor do que o que aconteceu comigo. Se ela esperar ter a minha idade para aprender, o tempo já passou para ela.

O "filha do Alex" ajuda em que parte? E atrapalha em que parte?

Acho que pode ajudar com esses acessos que eu acabei de dizer. De ter gente conhecida, de ter gente do esporte. Por exemplo, quando a Maria tinha 10-12 anos, a principal tenista do Brasil era a Teliana, que mora na cidade… De poder ter acesso às informações com o Meligeni… Chegar no Leo Azevedo [técnico brasileiro que trabalhou na USTA, a federação americana de tênis, e hoje trabalha na BTT, academia em Barcelona], que é uma referência no tênis feminino através disso… Isso é ganho. E perda, eu não vejo perda. Porque "é filha do Alex", é filha de um ex-jogador de futebol, mas você vai aprender a lidar com isso. Eu falei para ela "Não vai mudar. Você vai ser minha filha. O que pode mudar é, mais na frente, tirar o 'filha' e focar no teu nome, mas até você conseguir algo…" Então ter acessos é um ganho. E lidar com a pressão… Talvez o irmão dela lide mais com a pressão se tentar ser jogador de futebol porque ela está jogando outro esporte. É óbvio, vai ouvir situações nessas competições de copa de federações, que fica essa gritaria, ela sempre brinca que sobra alguma coisa relacionada a futebol. Mas, tirando isso…

Você diz torcida contra?

É, do tipo "Você não joga nada, devia jogar futebol", esse tipo de coisa, mas ela absorve bem. Ela própria diz que gosta disso, então o que eu falo sempre é "Você não tem culpa da história que eu fiz." E ela demorou para entender o que eu tinha feito no futebol. Ela começa a entender o que eu fiz agora, com 12-13. Diferentemente do irmão, que já reconhece isso com 7-8. Ela já entendeu bem. Se tinha que passar por alguma situação negativa, acho que foi nos primeiros anos. No 12, no 13. Agora ela já viu várias matérias com essa conotação.

Não sei o quanto foi por causa disso, mas ela jogava com o nome Maria de Souza, agora é Maria Mauad.

Acontece o seguinte: tem muita Maria, e Souza é um nome super comum no Brasil. E aí ela falou "Não aguento mais esse negócio de…" – teve um torneio com duas ou três [atletas chamadas Maria de Souza], ela falou "Pai, eu vou mudar." Pra mim, problema nenhum. Faz parte do teu nome. Foi opção dela. É porque ficava muito comum na hora de chamar pra quadra. Não lembro sei se foi em Floripa ou aqui, chamaram "Maria Souza", as duas bateram na quadra, e aí Maria Mauad… "Só tem a família da minha mãe, não sei se tem outra tenista, o som também soa legal…"

Eu gosto dessa aliteração.

Eu falei "Toca em frente".

Quando você vê uma matéria que começa com "filha de ex-craque vence não-sei-o-quê"… Já leu algo assim?

Já, várias vezes.

O que você pensa?

Eu não curto. Eu não gosto.

Mas por causa do "ex-craque" ou por ser "filha do Alex"?

"Ex", eu sou ex mesmo (risos). Se eu fui craque, aí fica pelo repórter.

Ah, eu acho errado isso.

Eu acho errado.

Mas eu digo pela parte do craque. Porque craque, pra mim, é que nem campeão de Roland Garros. Não existe ex-campeão de Roland Garros. E craque é craque.

É tipo governador. Não tem ex-governador. O cara é governador sempre.

O Zico é ex-craque?

É craque eterno. Não, eu entendo isso. Mas, assim, eu acho… Por exemplo, teve uma situação, acho que em Itajaí, um canal de TV me ligou e queria fazer uma matéria com ela. "Por quê?" "Ah, porque é uma tenista e tal…" Eu falei: "Se fosse ela no meio de 30, eu até entenderia. Mas você quer fazer uma matéria com ela relacionada em cima do meu nome." Não tem nenhum ganho para ela. Ela não ganhou nada. Fez um pontinho na ITF, e o ponto dela, na mesma semana, sei lá, 15 meninas fizeram. É óbvio que tem a minha história por trás, mas a história é minha, e ela quer construir a história dela, então a gente tem que respeitar esse tempo também. Eu entendo – porque estou na televisão hoje – a chamada é algo que pesa muito na matéria. Muitas vezes, a própria chamada não diz nada da matéria. Mas não é uma coisa que eu curta, não. Tanto que ela deu uma entrevista na Copa das Federações e falou "Meu trabalho é para que um dia ele seja o meu pai, e eu não seja mais a filha dele."

Isso foi uma das coisas que eu ouvi e anotei porque achei bacana ela falar.

Tomara que dê certo. É uma coisa que eu pergunto para o Djalma. "Algum dia o Djalma Dias virou teu pai?" Ele diz "Quando eu comecei a ser alguém, eu era o filho do Djalma Dias. Depois, o Djalma Dias passou a ser meu pai." Então, se ela conseguir ser o Djalma, tomara que seja! Se você falar "Teu sonho como pai é que o título seja ao contrário?', para mim seria super interessante.

O pai da Maria.

É. Eu virar o pai da Maria. Por exemplo, essa molecada que não me conhece, que não me viu jogar… Quando eu estou no circuito vendo algum jogo, eu sou o pai da Maria porque ali é uma menininha que tem 12-13 anos e ganha os seus joguinhos, então no circuitinho, todo mundo a conhece. Ali, eu sou o pai da Maria. Elevando esse nível, se ela chegar a obter bons resultados sendo tenista, eu acho que o objetivo principal dela vai ser alcançado.

O seu interesse pelo tênis começou a aumentar proporcionalmente ao interesse dela, né?

Total! Eu sou curioso, né? Eu sou curioso. Eu pego esses loucos aí e encho de pergunta. Como já fiz com o Bruno Soares, como já fiz com o Marcelo…

Que tipo de pergunta você faz mais?

Várias. Geral. Depende muito do momento. Por exemplo, hoje eu estou muito na coisa da transição. Como é feita a transição? Que tipo de situação? Para o Fino, eu pergunto muita coisa relacionada ao Felipe e à Carol. Como é que tem sido? Por que alguém pega e vai embora para a Argentina, por exemplo? Qual a condição que ela, minha filha, chegando com 16-17, de ficar treinando em Curitiba? Tem essa condição? Até onde suporta? Realmente precisa morar fora de Curitiba? Essas são perguntas que, no futebol, não precisa fazer. No futebol, você assina um contrato, vai morar em tal lugar e vai jogar naquele clube. No tênis, não. Tem que ter uma base. Quem vai bater bola com ela? Coisa que eu vejo agora, com a Teliana. Qual a dificuldade maior para ela de viver em Curitiba? Quem ai bater com ela? Com quem ela treina? Eram situações que eu desconhecia, não sabia como funcionava. E acho que a grande maioria não sabe. Sabe o que foi legal para mim? Por exemplo, você pega o Guga. Eu fui aos Jogos Olímpicos com o Guga. A gente se conheceu ali, em 2000. Aí eu comecei a olhar. Joguei muito tempo no Cruzeiro; o Marcelo e o Bruno são cruzeirenses. O Saretta é palmeirense. O Leo, que é um cara envolvido, é palmeirense. O Meligeni, eu fui para a televisão, ele trabalha lá. A Teliana vive aqui em Curitiba. O Zé [Pereira] tem uma história de juvenil espetacular. Ele pode dar aula para muita gente, e está aqui em Curitiba, a gente tem acesso. E eu sempre me apresento assim: "Sou folgado, faço um monte de pergunta, por favor tenham paciência." A receptividade foi boa nesse sentido. A família Pereira, que eu sou mais próximo, eu encho de pergunta. Os caras devem estar de saco cheio já comigo (risos).

E você começou a jogar tênis quando?

No final de 2015, mais ou menos. Meu filho foi fazer aula, minha filha do meio começou a jogar, minha mulher jogava… E eu estava naquela "Vou fazer o que pra me manter fisicamente?" Corria, pedalava, ia na academia… Aí um dia peguei uma raquete, comecei a bater… Não tinha – não tinha, não. Não tenho. Não jogo porra nenhuma. Aí começou uma brincadeira, e tinha um treinador chamado Reinaldo Tormes, que era um amigo meu de infância. Ela falou "Vem bater bola", aí comecei a bater bola. Comecei jogar, achei divertido…

Você joga como canhoto também?

Não, sou destro. Não consigo segurar o copo com a mão esquerda! Aí comecei a brincar, um belo dia os caras falaram "Vamos jogar um interclubes em Maringá." Uma zona, velho! Fui jogar, ainda brinquei com o Julio Silva. Tinha duas quadras, chovia pra caramba em Maringá, ele estava jogando em uma quadra e eu estava na outra. Falei "Cara, você não tem moral nenhuma mesmo. Ninguém tá nem aí pro seu jogo, os caras estão vendo o meu. Você joga bem, eu não jogo porra nenhuma" (risos). No mesmo torneio, brinquei com o Nicolas Santos: "Cara, os caras não estão nem aí pra você. Estão loucos pra que acabe seu jogo para ver o meu jogo depois" (mais risos). Mas, assim, brinco. Faço aula com o Renato, irmão da Teliana…

Você também acha muito mais difícil do que parece?

Não tenho dúvida nenhuma. Para mim, são os dois esportes mais difíceis [futebol e tênis]. Eu já achava antes. Depois que comecei a jogar… Nada contra os outros, mas pô… Futebol, as pessoas acham que tudo é fácil, mas a bola tem que vir, você tem que controlar a bola e ter teu controle, olhar perifericamente o que está acontecendo e entregar a bola ou no pé ou num ponto de frente. Na verdade, quando você está dando a bola para o seu companheiro, você tem que facilitar o seu companheiro. Existem gestos no futebol que você não usa no dia a dia. E você vai para o tênis, você usa algo que não é teu, que é a raquete, você faz gestos que têm toda uma mecânica… E fora que passa uma vida por você a cada saque que você vai dar. Sacar em 15/0 é uma coisa, sacar em 0/15 é outra. Quer dizer, a cabeça… O cara fica louco, né?

Legal você falar isso do futebol porque é o esporte que todo mundo joga desde pequeno, todo mundo acha que é uma coisa instintiva e vai pegando o jeito sem ninguém pra ensinar a técnica, e muita gente não dá essa importância à mecânica da coisa. Eu fui goleiro a vida inteira – até jogos universitários – e sempre me interessava a mecânica do chute, de cobrar falta, pênalti e tudo mais. Mas um monte de colega meu cagava pra isso.

Sim!

E no tênis não existe possibilidade de jogar nenhuma de bater numa bola sem se preocupar em onde vai ser o contato, a posição da raquete, o ângulo, tudo. E o futebol tem isso: quem tem bom toque, quem chuta bem observa tudo. Onde a bola vai estar em relação ao seu pé de apoio, onde vai fazer contato…

Sim. Teu pé de apoio, se você vai deitar o corpo ou não vai, se você vai ficar longe ou não vai… Tem semelhanças! Para mim, quando eu via tênis, o cara pegava na raquete e batia. Aí você começa e "a empunhadura da direita é assim, a da esquerda é assada, você vai pro voleio e tem que segurar assim, você vai entrar na bola assim, o saque tem que tomar cuidado com o toss, como você vai movimentar o braço…" Para mim, é muito difícil ainda, quando vou brincar e jogar tênis, o que vou fazer com meu braço esquerdo. Eu brinco com o Renato: "Parece que meu braço está engessado." Os caras batem esquerda com as duas mãos. Eu não consigo bater a esquerda com as duas mãos. Eu tento bater duas bolas, não consigo. Aí eu vou bater com uma mão, ele falou "Beleza. Tua munheca vai fazer tal coisa, teu cotovelo vai fazer tal movimento, tua raquete vai terminar com a cabeça dela assim… Nisso, teu braço esquerdo já balançou, você vai terminar… Olha que bonitinho, como o Federer faz, como o Wawrinka faz!" Pô, legal mas não consigo (risos). Eu sei que tem que fazer assim, mas não consigo. Aí você pergunta "Você joga tênis?" Eu falo "Aprendi com o Fino. Põe do outro lado e vamos correr atrás da bolinha. Correr, eu corro! Isso aí, o cara vai ganhar de mim, como já ganharam vários, mas vai ser duro de eu, por exemplo, não correr atrás da bola. O cara, para fazer ponto, vai ter que jogar bem longe porque eu vou me jogar, vou sair vermelho da quadra e tal… Porque tem que ser divertido. Tem que sair satisfeito com o tanto que eu suei dentro da quadra.

Na TV, quem você gosta de ver?

Eu gosto de ver tudo, cara.

Não tem um tenista preferido?

Não. Até porque, por exemplo, quando tem – e é a merda da televisão brasileira, que só mostra os grandes torneios. Mas, por exemplo, teve o torneio aqui das meninas, eu vim assistir e gostaria de ter assistido este aqui. A chuva está complicando um pouquinho, tomara que melhore para eu ver os jogos finais. Mas a gente fica bitolado com o Federer, Nadal, Djokovic… Os caras são fora de série.

Acostuma mal as pessoas…

Os caras são um absurdo. Aquilo lá é de mentira. Tênis de verdade é aqui! É a mesma coisa você ligar a televisão e ver o Cristiano Ronaldo jogar. Quero ver você assistir América do Rio e Goytacaz e achar alguém ali que jogue. Eu, por exemplo, quero muito ver o Felipe [Meligeni] jogar porque já ouvi do Leo e já ouvi do Fino. Se ele vai ganhar ou perder, não tô nem aí para isso, mas quero vê-lo jogar enquanto comportamento, entendeu? Eu gosto de ver a Halep jogar, torci para a Halep como um louco para que ela ganhasse um grand slam.

Por que a Halep?

Pelo jeito dela, pela força que ela demonstrava e, ao mesmo tempo, eu me perguntava "O que causa um bloqueio tão grande na hora de ganhar um slam?". Por exemplo: a japonesinha [Naomi Osaka, 20 anos] que a Serena f… na final… A menina entrou como se estivesse no quintal da casa dela. "Vou fazer isso, é minha ídola que está do lado de lá e vou desfrutar disso." Começou, vai, vai, vai e, quando a Serena se deu conta, já tinha ido. Mas não são todas que conseguem entrar com aquele espírito da menina até porque você desenha um monstro do outro lado para você. Acho que o grande fator do atleta, seja ele tenista ou de outra área, é o seguinte: "Treino muito e vou fazer a minha. Quem está do outro lado, para me ganhar, vai ter que jogar demais." Só que no tênis, como é um contra o outro, às vezes você olha para o outro lado e fala "Jesus amado! O que eu tenho na frente!" (risos). E eu gosto muito das histórias. A história dela [aponta para Teliana Pereira, ali perto] eu acho lindíssima. Eu também não consigo entender como o Bellucci sofre tanta crítica porque o cara atingiu um nível assustador… Devido a essas referências gigantes que a gente tem. "Ah, o Guga conseguiu…" Mas o cara é o Guga!

Bellucci é um caso para a gente ficar três horas comentando…

É. E, ao mesmo tempo, o Fino foi 25 do mundo. Tem gente que fala "Ah, mas o Guga era muito melhor." Pô, peraí. O cara foi 25 do mundo. Mas a gente tem isso no Brasil, né? Pô, o Barrichello pilotou a Ferrari por anos, tem números extraordinários. Virou meme de sacanagem, de que só chega atrasado. Pô, o cara foi piloto da Ferrari. Então, infelizmente, na nossa cultura, ou você é o número 1 ou você é o número 1. Em esportes como o tênis, que as referências são pequenas e a divulgação é menor, isso fica pior ainda.

Te dou um exemplo. Estava vendo um jogo do quali do US Open na ESPN. Guilherme Clezar contra alguém que eu não lembro agora. E algum espectador mandou um comentário para o canal, reclamando da qualidade do jogo. "Incrível como esses caras erram tanta bola." Não lembro quem estava comentando – acho que era o Fino – mas ele disse algo do tipo "a gente vê Federer e Nadal e fica mal acostumado. Tênis é isso aqui." Não dá para usar Federer e Nadal como referência para nada!

É o de verdade. O que acontece com a nossa classe – nós, os amadores, e eu brinco dizendo que sou um semiamador ainda – é que você vai para a quadra e fala "Eu sabia o que eu tinha que fazer exatamente", mas joguei a bola lá na placa. Por alguma razão, a minha bola foi lá. Só que você pega e transfere isso para um jogador profissional. "Ele não pode fazer isso." Pode. Às vezes, errou o pé de apoio. Às vezes, a munheca não foi, a cabeça da raquete não estava como ele imaginava. Então quando você vê o Federer perder como ele perdeu as duas últimas e, depois, vê a situação que ele tinha um problema na mão, você fala "Nossa, nunca vi o Federer assim." Mas se você analisar o jogo friamente, o cara não jogou tão mal. É que no nível dele assusta. Então, voltando à pergunta inicial, eu gosto do esporte, do tênis. Eu, por exemplo, adoro ver o treinador da minha filha jogar. Quando ele joga esses torneios de dinheiro, de classe aqui em Curitiba, eu saio da minha casa e falo "Vou lá ver o Portal jogar" porque acho que ele joga bonito.

Você vê jogo da Maria em torneio?

Já vi mais.

Como é você na beira da quadra?

No início, era difícil. Hoje, não. Hoje é tranquilo. Porque assim… Eu nunca liguei pro resultado, né? Nunca estive preocupado se ela tomou 12 ou se faz 12. A minha preocupação sempre foi com o processo evolutivo. Uma coisa que eu sempre falei para ela :"Você não pode errar em comportamento coisa que você errou três semanas atrás. Não pode." Por exemplo, ela achava, no primeiro ano de 12, que não ia aprender a sacar. "Você tem 11 anos de idade." "Ah, a minha esquerda é uma merda." "Claro que não! Você treina todos os dias." Por exemplo, eu vi um jogo do ITF que ela fez no Costão, na Copa Guga, que ela passou o jogo inteiro sem bater de esquerda. Aí eu falei "Vou te fazer uma pergunta: por que você não bateu de esquerda?" Começou a dar um monte de desculpa. "Eu já fui atleta, é um monte de desculpinha. Você treina trezentas esquerdas. Chega e dá na bola! Faça só o que você fez no treino. Não fique se bloqueando." Então eu vejo jogo esperando um processo evolutivo. Não vejo treino…

Não fica nervoso nos 30/40 da vida?

Ah, depende muito do jogo. Pode estar 30/40 no 5/5, pode estar 30/40 no 0/5. Então depende muito do momento. E também tem o seguinte: depende muito do que você está vendo do jogo. Tem jogo que começa e você fala "Vai durar 40 minutos, vou pegar nossas coisas e vamos embora." E tem jogo que começa e você fala "Hoje está legal, vai ser um jogo que um detalhezinho vai pesar contra ou a favor." E é o que eu brinco sempre. Estou ali pra buscar uma água, chamar o árbitro quando vão discutir uma bola. Não estou ali para interferir. Não estou ali para torcer. "Vai para dentro da quadra, se divirta, ofereça tudo que você treina porque você treina pra caramba, faça valer o treino." O que é difícil é treinar. Jogar tem que ser divertido. O atleta, quando entende isso, a tendência é que os resultados sejam melhores.

Qual é o plano para os próximos anos da carreira dela?

Agora ela quer ser profissional, né? O Leo, que virou uma referência, meio que virou um elo de ligação entre o que a gente conhece aqui, de longe, e o que ele já viu de perto, tanto nos Estados Unidos quanto agora, em Barcelona, e ele vai dando meio que um direcionamento. Por exemplo: a ideia era que ela começasse a jogar [na categoria de até] 16 [anos]. Na conversa do Leo com o Portal, chegou-se à conclusão que jogar 16 agregaria muito pouco. O Leo começou a falar o seguinte: ela tem que começar a imaginar fazer alguns pontos nos 18 anos. Então, a ideia era que esse ano ela terminasse jogando 14 e, depois da visita do Leo, que foi em agosto, ela já foi jogar os ITFs: jogou Itajaí, jogou Bahia, jogou Florianópolis de 18. Conseguiu os joguinhos dela. Furou quali, entrou na chave, ganhou um jogo ou outro, jogou dupla… Fez os primeiros pontinhos, que era o que o Leo e Portal tinham imaginado, vai jogar mais um no Paraguai, dependendo do momento final da escola porque é bem em dezembro, na última semana da escola. E aí entra o ano de 2019, a mesma coisa. Vai fazer uma pré-temporada no Brasil, que o Portal e o Leo estão discutindo. Deve ir ficar com o Leo – não sabemos ainda – em algum momento do ano que vem, em Barcelona, na BTT. Nesse período, o Leo e o Portal vão decidir se vai ser só treino ou se ela vai jogar algum torneio por lá. A ideia é que ela vá duas vezes. E vai jogar alguns torneios na América do Sul, com Brasil incluído, alguns torneios na Europa… Vai começar a trilhar. A ideia é que quando ela tenha de 16 para 17, em 2021, que ela possa estar nesse caminho que o Thiago Wild estava neste ano, de jogar os grand slams juvenis. Aí é mais ou menos o que ela imagina. Estamos falando de uma menina de 16-17, tentando jogar os torneios de profissional e os slams de juvenil. A princípio, essa é a ideia. Só que é muito dinâmico, as coisas vão mudando.

E o "não atrapalhar" é isso: deixar na mão do Leo e do Portal…

É! Deixa na mão de quem entende. Quem está tocando é o Portal, a ideia é usufruir do know-how dessas pessoas que estão por aí, que são quem conhece de tênis, né? Por exemplo, o Portal tem relação com o André [Sá]. O André está no tênis – acho que desde antes de inventarem o tênis, o André já jogava.

(Risos) Ele vai adorar essa frase.

Pô, mas eu lembro do André… Até eu era moleque, o André já jogava tênis. Eu tô velho, o André ainda joga tênis (risos)! Para mim, o André é herói nacional do esporte brasileiro e, infelizmente, pouco se fala do cara, mas a minha reverência ele vai ter sempre. Mas, então, a ideia é que como o Portal conhece todas essas pessoas que são do meio, o meu negócio é guardar dinheiro para pagar essa conta. E ficar supervisionando os possíveis deslizes que acontecem com uma menina de 14 anos que tem uma condição familiar boa, uma condição social boa, o que eu acho que seja a briga maior – essa condição de ser atleta profissional com 14-15 anos e a condição social e familiar que a vida apresenta. O trabalho meu e da minha mulher é nesse sentido. E ficar ali, observando e torcendo para que as coisas aconteçam. O que eu acho que a gente tem de vantagem é assim: se você não foi tenista, não jogou tênis – porque o cara que tentou jogar tênis e não conseguiu…

(interrompendo) Pode transferir isso para o filho.

É. Isso eu não tenho. Se amanhã ela falar "Pai, não dá mais. Tênis é duro, não quero mais jogar", beleza. Eu vejo. Conheço bem a Teliana, outros atletas, sei que ser atleta profissional não é o glamour que as pessoas imaginam que seja. Esse é o meu papel. Atrapalhar o mínimo possível.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.