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Saque e Voleio

Leo Azevedo: o Phil Jackson do tênis brasileiro, seus livros e a ascensão de Orlandinho e Felipe Meligeni

Alexandre Cossenza

10/10/2018 05h00

Na última vez que entrevistei Leo Azevedo, no fim do ano passado, lembro de ter mandado uma mensagem no dia seguinte ao da conversa. No texto, eu lamentava não ter abordado o hábito de leitura do treinador brasileiro que trabalha em Barcelona e que, desde o começo de 2018, vem sendo o principal responsável pela ascensão de Orlando Luz e Felipe Meligeni.

O que leitura tem a ver com tênis? Mais do que parece. E não era uma questão de falar apenas sobre livros. Era sobre traçar o perfil de Azevedo, mostrar mais a pessoa. Quem passa aqui pelo Saque e Voleio sabe que acredito muito em ir além do esporte. Tênis não é só tênis. É um esporte inserido em um contexto social, econômico, político e tudo mais. Do mesmo jeito, tenistas não são apenas rebatedores de bola. São gente com suas opiniões, crenças, experiências próprias, e tudo isso, de uma maneira ou de outra, forma o caráter da pessoa que está dentro da quadra, no jogo que acompanhamos pela TV, por streaming ou por aquele simples e diabólico placarzinho.

Pois é esse perfil de Azevedo, paulista de 42 anos e morando fora do Brasil desde 2003, que trago na entrevista de hoje. Uma conversa longa em que aprendi bastante. Falamos de livros, de como eles podem ajudar – ou não – atletas e de como é difícil usá-los na geração dos millennials e seus smartphones. Também falamos de filosofia, poesia e autoajuda. Durante boa parte, foi mais um papo do que uma entrevista. Por fim, abordamos a parceria da Confederação Brasileira de Tênis (CBT) que ajudou a mandar Orlandinho e Felipe Meligeni para a Espanha. Azevedo conta como os dois chegaram, os primeiros passos de sua evolução e o que ainda falta fazer.

A entrevista de hoje é um pouco mais longa do que as habituais – já longas – aqui do blog, mas não fazia sentido montar um texto sobre leitura para quem não consegue degustar uma boa conversa (além disso, as perguntas estão sempre em negrito justamente para o leitor pular facilmente até seus temas preferidos, então sem drama, né, gente?). Azevedo é um papo ótimo. Suas respostas são ricas em informações e detalhes que vocês vão gostar de saber sobre Orlandinho e Felipe. Então rolem a página – sem pressa – e conheçam melhor o técnico que vem ajudando duas das maiores promessas do tênis brasileiro no momento.

Seu hábito de leitura é algo que vem desde pequeno ou foi algo que você adquiriu quando foi para a Espanha, sozinho, em 2003?

Eu sempre gostei mais de ler do que as pessoas da minha idade. Tipo… Quando tinha livro para ler na escola, eu gostava e tal, mas não era um cara que, por exemplo, ia viajar e levava dois, três livros. Eu gostava. Quando eu fui morar em Villena, em 2003, fui para um quartinho pequeno, televisão pequena, não tinha internet no quarto, e, na verdade, não tinha muito o que fazer ali. Era ver filme ou ler. E comecei a ler mais. Comecei a gostar mais. Meu tempo na academia, quando não estava na quadra, era quase sempre voltado para a leitura. Me fazia e me faz muito bem. Não parei mais.

Mas você começou por onde? Pelo autores espanhóis?

Na Espanha ou aqui?

Lá.

Aqui, como toda criança, eu lia Marcos Rey.

Eu adorava.

Acho que todo mundo gostava, né? Eu adorava esses livros. Lá, eu lembro até hoje. Eu cheguei lá numa quarta. No domingo, o "El País" te dava um livro. Veio a antologia poética do Antonio Machado. Descobri o Machado. Gostei. E um dos meus programas de fim de semana, às vezes, era ir na Fnac de Alicante. E aí comecei a pegar um pouco os espanhóis, mas o filão que eu peguei mais quando cheguei na Espanha foram biografias de pintores. Li a do Picasso, li a do van Gogh, li a Frida… Ali, eu comecei. Depois, não parei mais de ler.

Seu Facebook tem menções a livros, frases famosas de técnicos e um monte de coisa de gente diferente.

Eu não coloco muito pensando em "alguém vai ler". Eu leio, gostei, de repente no momento aquilo lá significou alguma coisa ou, raramente, quero botar alguma coisa que quero que meus jogadores leiam indiretamente. Felizmente – ou infelizmente – a mídia social é uma ferramenta de comunicação importante, mas são frases que eu gosto e às vezes eu volto e leio. Mas não é explicitamente para irem lá e…

Você lê tudo, né? Romance, poesia…

Eu só não gosto de ler policial e ficção científica. Mas poesia, ensaio, ficção, não-ficção… Eu gosto de tudo. Poesia é igual música clássica. É difícil um jovem gostar de poesia e música clássica. Aí, com o tempo, parece que o gosto vai refinando. Eu, agora, adoro poesia. Tenho sempre comigo um livro de ficção, uma "novela", um ensaio e um livro de poesia.

Não lê essas coisas pop como Dan Brown, Harlan Coben, John Grisham…?

O Código da Vinci eu lembro que já estava na Espanha. Comecei a ler e, mesmo não sendo expert, já vi que tinha muita informação ali que estava errada. Depois fizeram [listas de] todas informações que estavam erradas. Aí eu parei. Mas eu gosto ou de cara antigo, que eu sei que é bom, ou de escritor novo. Eu descubro muito livro… Toda cidade que eu chego, vou numa livraria. Aí falo "o que está vendendo bem aqui?" ou "Tem algum escritor novo na área?" Por exemplo, ano passado fui para o Uruguai, que eu estava com a geração dos uruguaios.

Eu vi esse post seu numa livraria!

Eu fui, mandei um email e falei para ele [dono da livraria]: gosto Vilariño, Benedetti, Onetti, falei "me prepara um apanhado do que você tem." Cheguei lá, cara… Tinha uns 70 livros. Passei a tarde com ele e saí de lá com uns 10-15. Mas livros que você não acha. E, às vezes, tento também mesclar com um pouco de esporte, apesar de que eu acho a literatura de esporte um pouco pobre.

Eu estou tendo um arrependimento agora. Tenho 41, né? Comecei a ver uma série espanhola chamada Ministerio del Tiempo. É um ministério fictício de agentes que voltam no tempo para corrigir falhas ou alguns desvios e manter a história sem mudar. Só que como a série é espanhola, eles passam por Dalí, Velazquez, Lope de Vega, Cervantes… Pegam todas figuras espanholas. E agora eu quero começar a entrar na literatura espanhola.

Tudo que é arte eu gosto. Eu gosto de pintar também. Gosto muito de quadro. Qual a maneira que você tem de conhecer quadro? Você vai no museu e você vê, mas às vezes você lê algumas coisas, como o cara pintou… Eu gosto muito de ler sobre exílio também. Gente que mora fora, gente que vai exilada porque quer – como eu -, gente que é exilada porque é forçada. E aí você começa a não só gostar do livro, mas vai ver um quadro com um olhar diferente. Ou música.

Uma coisa vai te levando para outra. Se você for curioso, vai sempre atrás de mais e mais e mais…

E o bom é que quem escreve esses livros são quase sempre bons escritores. Ou os próprios. Para mim, a literatura de esporte… É raro juntar uma boa história e bem escrita ao mesmo tempo. Às vezes, a história é muito boa e é mal escrita. E, às vezes, a história é muito bem escrita, só que o personagem não vale muito. Eu comprei agora, na Espanha… Tem um espanhol que escreve sobre basquete e escreveu sobre o [Gregg] Popovich, que é um personagem fascinante. Eu comecei a descobrir que o cara esteve no Exército muito tempo, então essa linha dele é porque esteve no Exército… Ele saiu de assistant coach de uma faculdade não muito grande direto para a NBA… Tem um monte de coisa ali… Só que o cara não escreve bem. E, para mim, é um personagem que eu adoraria ler. O cara que escreve sobre o Guardiola é um bom cara, só que é muito amigo do Guardiola. Tudo que ele escreve do Guardiola… O Guardiola é muito bom, só que não é possível que o Guardiola nunca fez nada errado na vida dele, nada na filosofia dele… (interrompendo) O cara é quase um porta-voz do Guardiola. Eu sinto falta de literatura boa esportiva.

Já leu o do Rod Laver?

Não, não li.

Tem um livro dele chamado "Education of a Tennis Player". Achei fantástico. Eu já era muito curioso pela história do Rod Laver. Depois, me apaixonei por ele.

Tem alguns livros que… Se eu não fosse treinador de tênis e tivesse tempo, eu gostaria de escrever um livro sobre a geração de ouro da Austrália. Se você perguntar para todos grandes treinadores e grandes jogadores da época pré-Agassi, Sampras, não sei o quê… Você pergunta para Lendl, Higueras, etc. Eles vão falar que os australianos eram [incríveis]… Rod Laver, Tony Roche, Newcombe, toda essa geração. E não só dentro da quadra. Acabava o jogo, os caras iam tomar cerveja juntos, viajavam oito meses juntos. Foram os primeiros caras que brincavam "amanhã vou jogar com você, vou jogar assim." Hoje em dia, ninguém pode falar. Eu tenho muita informação e gostaria de escrever um livro sobre o Higueras [Jose Higueras, ex-tenista e técnico espanhol que foi chefe de Azevedo na USTA, a federação americana de tênis]. É um cara com uma história de vida incrível, além de tenisticamente ser uma enciclopédia. Mas vou me manter como leitor (sorriso).

Agora… Isso tudo, como é que você leva para a quadra? Óbvio que tudo forma a sua personalidade, mas como passar para o atleta? O que pode ir para a quadra? O que não pode?

Tem alguns estágios de como eu tento fazer isso. Quando eu comecei, com o García-López, eu não me metia muito. No Brasil, o Ricardinho [Mello] não gostava muito de ler. O Saretta gostava de ler, mas não lia. Eu falei "já que você gosta, vou te dar uns livros." O Thomaz, não sei se ainda lê, mas gostava de ler também. Acho que é uma boa maneira de usar seu tempo livre sem se desgastar. Quando eu fui para a USTA, já começou essa febre de smartphone. É uma boa maneira de você se distanciar do telefone. Quando tive [atletas] adolescentes, "vamos trocar o telefone pelo livro um pouco." Acho que, no fim das contas, acho que a maneira de usar isso é a seguinte: o tênis é um esporte em que a concentração é muito importante. Você estar bem consigo mesmo é muito importante. Saber lidar com o silêncio é muito importante. Treinar a mente para estar quieta é importante. Por exemplo, eu pego muito no pé do Felipe [Meligeni] para ele ler porque ele é muito explosivo. Cara que é explosivo, pegar meia hora num livro sentado, acha chato. Mas isso, mais para a frente, ele vai ver que vai ajudá-lo como jogador. Minha filosofia é: quanto melhor você é como pessoa, melhor você pode ser como jogador. O cara que sabe interpretar coisas fora da quadra – um texto, um livro, um filme, uma história – na quadra, em algumas situações interpretativas, ele vai conseguir interpretar melhor. Acho. Estou dando uma opinião. De repente, alguém vai chegar e dizer "não tem nada a ver." Tem muito jogador que lê. Eu sou favorável a que o lado pessoal, quando você cresce como pessoa, você cresce como jogador. Esse lado de estar sozinho, como o tênis é um esporte muito solitário, te dá maior paz de espírito ou um tempo ocioso de qualidade.

Essa geração do Orlandinho e do Felipe é completamente diferente da nossa. É uma geração que nasceu com celular na mão. Como fazer para um garoto largar um smartphone?

Quando eles chegaram na Espanha, eu já tinha pronto um kit para os dois. Eu dei três livros para cada um. Dei a biografia do Alex ["Alex, a Biografia", de autoria de Marcos Eduardo Neves] …

(interrompendo) Você está me contando isso, eu já estou pensando em fazer esse texto te chamando de "Phil Jackson brasileiro" (risos).

Olha só! Eu dei o livro do Alex, eu tenho uma boa relação com ele, falei "manda com autógrafo para os dois". Dei o livro do Phil Jackson, "Onze Anéis", olha que coincidência…

Risos

E dei "O Mundo de Sofia", que é um livro filosófico, só que é quase para criança. Então falei "bom, dou um livro de futebol porque todo mundo gosta de futebol, dou um livro de um cara que é uma lenda no esporte, que dá para você transferir essas coisas para o tênis e para a vida, e dou um livro que, se eles tiverem alguma curiosidade de filosofia…" – e é uma história legal "O Mundo de Sofia". A história em si eu acho legal. Foi um dos livros que eu li antes de ir para Espanha que mais gostei. Me deram na faculdade, minha professora de sociologia. O que aconteceu? O livro do Alex eles leram rápido. Até porque eu falei "vocês têm uma semana, senão vou ligar para ele e vou falar ele te ligar." E o Alex ia vir para Barcelona. O livro do Phil Jackson, eles não conseguiram fazer o link. E "O Mundo de Sofia", nem se fala.

"O Mundo de Sofia" não foi muito popular na minha turma. Acho que me deram para ler no primeiro ou no segundo ano do segundo grau [atual Ensino Médio].

Para mim, deram no primeiro ano da faculdade, em 1996. Aí, conversando com eles… O Felipe não tem muita paciência para ler. Lógico que é difícil. Eles estão acostumados a cada segundo ter uma informação no telefone. Falei "não, ler tem que ler com o livro na mão". Se você está lendo o livro aqui e te mandam uma mensagem, já "acabou" o livro. É difícil, até porque eles são adultos, né? Eu, na USTA, quando treinava meninas e meninos, era meio que obrigatório. Eu falava "no clube, não tem telefone, e se vocês quiserem ler, eu dou o livro." Eu dava o livro. Dinheiro meu. "A gente vai trocar. Eu dou o livro, vocês não usam o telefone no clube." Ótimo. E uma das mães, que é mãe da Clare Liu [hoje com 18 anos, #139 do mundo], veio me falar quando eu parei de treinar "Olha, quero te agradecer muito pelo que você fez por ela tenisticamente. O hábito de leitura que você ensinou para ela eu não consegui ensinar em casa." Foi um dos maiores troféus que eu tive. Com o Orlando e com o Felipe… Tá difícil.

Fora o que você tentou… Eles, por conta própria, não leem nada, né?

Não.

É uma geração difícil mesmo. Até no Kindle é difícil.

Eu falo para eles… Não os critico. É a geração. Você entra numa sala de jogadores, ninguém vai estar lendo. O cara vai entrar lá e se sentir um bobo.

Essa era a vantagem do Phil Jackson. Ele fez isso na década de 1990, quando não existia smartphone. Quase não existia internet.

O Guillermo [García-López] lia. Você fica na academia, num quarto, o que você vai fazer? Para mim, ler ver filme… Eu falo para eles? Não gosta de ler? Vê um filme legal. O negócio dessa geração é essa comunicação superficial, que morre. E eu falo muito pelo seguinte: a importância de, um dia, você sentar com um patrocinador ou dar uma boa entrevista e saber falar de todos assuntos. Se você é o Federer, você não vai precisar disso daí, mas se você é o cara que está ali no meio, 30-40 [do mundo], e, sei lá, a Swatch tem um patrocínio para dar para dois caras… De repente a maneira com que você se apresenta, a maneira com que você fala, o que você conhece de outras coisas… De repente, isso vai fazer diferença. Mas essa geração é difícil. Eu espero que um dia eles entendam.

Eu conversei ano passado com o Tipsarevic no Rio Open…

Lê muito!

A gente conversou sobre "O Idiota", de Dostoiévski, e ele fala do personagem principal, que acredita que ser bom vai resolver os problemas dele, que aquilo geraria bondade e que as pessoas seriam boas de volta com ele. Mas isso não funciona muito bem para ele. Aí a gente entra em Schopenhauer, que é um cara de conceitos pessimistas, né? Até tem muita frases dele espalhada por aí…

Que não são tão pessimistas!

É! E ele [Tipsarevic] fala "olha, eu li muito, entendi, mas não posso levar isso para a quadra." Ele diz que no tênis, para ganhar alguns jogos ou para sair de determinadas situações, você precisa acreditar em coisas muito improváveis ou quase impossíveis. "E se eu me apegar a Schopenhauer…"

(interrompendo) Para o jogador de tênis, seria melhor ler autoajuda ruim do que Schopenhauer.

Risos

Se você lê Schopenhauer, no primeiro break point acabou o jogo (risos).

Vamos para o tênis dos garotos agora. Quando eles chegaram para você, o que você viu e achou de cada um? Primeiro, o Orlandinho. Que direção você quis dar para o tênis dele e como foi a resposta?

Ele chegou muito mal. Chegou muito mal. Fisicamente, muito mal. Chegou com muitos quilos acima. Não sei bem por que, se tinha saído de férias ou não, mas ele chegou fisicamente muito mal.

Eu lembro que no Rio Open, tinha uma turma chamando ele de Orlandão.

É. Ele chegou… O 2017 dele, juntando lesão e tudo que aconteceu… Este ano, ele está 38 e 17 de vitória e derrota. Em 2017, foi 18-17. A confiança dele estava lá embaixo. No fim do ano, perdeu para cara sem ponto… Chegou muito mal. Sempre que eu começo com um jogador, tem que ver muito vídeo. Do Orlandinho, tinha mais coisa na internet. Pedi alguns vídeos da época que ele estava jogando bem. Ele mandou um vídeo de quando jogou com o Guido Pella [quartas de final do Challenger de São Paulo em 2015 – Pella, atualmente, é o #67 do mundo]. Cheguei no fisio e falei: "faz uma avaliação." Você via que ele estava completamente fora [de forma]. A gente teve que fazer um acerto no olho dele. Estava errada a graduação da lente. Nos vídeos, eu vi que tinha muito erro de devolução de saque. Mas muito erro! Não era normal. Eu falei para ele: "tem alguma coisa aí que não enquadra." Levamos no oculista, ele falou "está errado". Ele tinha feito a operação [para tratar ceratocone, doença degenerativa que provoca a deformação da córnea e causa visão embaçada, entre outros sintomas] e parece que antes de reduzir, cresce [o grau da lente]. É um negócio estranho. Acertou o negócio do olho, acertou o negócio físico, eu falei para ele: "quero que você jogue no começo do ano três torneios na quadra rápida. Você tem que pisar na quadra rápida de novo para ver algumas coisas que, se você jogar o ano inteiro no saibro, você não vai ver." Ele vinha de dois anos em que jogou uma semana ou duas na rápida, se não me engano. E não estou criticando ninguém de antes nem nada. Na minha visão de tênis, acho que o cara, numa idade de formação, tem que jogar em todos tipos de quadra. Logicamente, o Orlandinho vai jogar mais no saibro porque o jogo dele está feito mais para o saibro. Fizemos físico, ajeitamos o negócio do olho, fizemos uma bela pré-temporada de seis semanas. O que foquei no começo com o Orlandinho foi tentar ganhar um pouco mais de ponto com o primeiro saque. Ele é um cara que usava o saque só como começo de jogada, nunca tentar finalizar o ponto com o saque ou ter a primeira bola mastigada. Era muito kick e começar, kick e começar. Isso era uma. Outra era dar para ele outras opções de devolução. Não só devolução atrás. Os bons devolvedores têm as duas. O Nadal escolhe devolver atrás. Por mais que as pessoas falem que ele tem que ir para a frente, ele devolve atrás. O Djokovic gosta um pouco mais à frente, mas dependendo da quadra, do adversário, você tem que ter essa versatilidade. E eu achei que ele estava jogando muito atrás. Tentei fazer ele jogar um pouquinho mais para a frente. E, de novo, não vai fazer ele jogar na linha. Cada um tem o seu estilo. Mas onde ele estava jogando, não tinha muito para onde crescer. E organizar um pouco mais o começo de jogada. Saque e primeira bola. Hoje, saque e primeira bola, devolução e primeira bola… 75% dos pontos estão ali. E aí, pouco a pouco, usar um pouquinho mais de slice, mas ele melhorou muito fisicamente. Isso deu uma confiança para ele. A gente começou o ano perdendo na primeira rodada de quali. Na segunda semana, última de quali. Na terceira semana, ganhou jogo que era para ter perdido e perdeu segunda rodada. Mal. Começou o ano mal. Na rápida. Mas eu tinha explicado para ele que era normal. A melhora física ajudou muito ele, e aí ele começou a ganhar pouco a pouco um pouquinho aqui, um pouquinho ali… Para mim, do jeito que ele chegou, não imaginaria que ele estaria agora como ele está [#385 do mundo, uma semana depois de atingir o melhor ranking da carreira – #384]. Ele me surpreendeu um pouco. Estou contente com a evolução dele. Tem muito que melhorar ainda, mas está bem.

E o Felipe?

Bom, o Felipe… Uma outra coisa do Orlando para terminar, porque é um bom contraponto para o Felipe. O Orlando precisa estar muito organizado para jogar. Não é um cara que vai lá e vai te sacar 20 aces por jogo, não é um cara que, em um golpe, te desestabiliza. Ele precisa ser um reloginho, bem organizado. Ele não pode ter um ponto de anarquia alto.

"Anarquia" é a palavra. Você estava falando em "organizado", eu já pensava em "anarquia" porque chegaríamos no Felipe. Eu achava que você ia usar essa palavra.

É. O Felipe, você já precisa dar para ele um ponto de anarquia. Pela personalidade. Não é ser completamente anárquico, mas você tem que respeitar ele estar na corrida e, de repente, tentar uma bola que não está na porcentagem [certa]. Por quê? Porque ele tem golpes que podem te desestabilizar de quase qualquer lugar da quadra. A bola dele anda muito. É a personalidade dele. Se você fecha o Felipe numa caixa, você vai matar ele. Tem que organizar o geral dele, mas você tem que dar esse ponto anárquico. O Orlandinho tem que estar mais organizado. É como se fosse Nadal e Federer. O Nadal, taticamente, fica mais no que ele faz ali. A primeira bola vai ser ali, o primeiro saque do game em 95% das vezes vai no T… O Federer, de repente, faz um negócio que não tem nada a ver. Não estou comparando o nível, pelo amor de deus.

Sim, sim.

O Kyrgios… Você não pode treinar o Kyrgios e falar "Kyrgios, não." Só que o Felipe chegou lá completamente anárquico. Agora… É um ser superdotado fisicamente. Começou a fazer os testes lá, o cara chegou para mim e falou: "isso aqui é nível de atleta top mundial."

É mesmo?

Top. Top mundial. De qualquer esporte.

Mas de explosão, resistência, o quê?

Explosão, resistência, velocidade, tudo. Tudo! Todos os testes que ele fez, ele está no top. Top. Todos. Todos. Com essa informação, você fala: "você não pode jogar um tênis que vá muito diferente de um tênis físico." Você não pode queimar em uma bola. Então com o Felipe, foi entender que às vezes a bola dele anda mais do que qualquer cara top e, às vezes, não precisa. Precisa jogar numa velocidade que ele controle. Ele achou um pouco isso. Foi legal. Na parte técnica, como a bola dele andava muito, ele dava muito tapa. Era como que objetivo dele era pegar na bola. Ele perdia muito na sensibilidade do golpe. Ele ia para bater e parava. Ia para bater e parava.

O swing parava no meio?

Parava no contato com a bola. Então a gente fez ele girar um pouco mais dos dois lados. Como o Fino, ele tem boa soltura de golpes, voleia bem, joga bem dupla… E outra: com a personalidade dele. E, fora da quadra, entender que ele é jogador de tênis. O Orlando já tinha isso um pouco mais claro. Até porque o Orlando começou um pouco mais cedo a jogar os Challengers, teve alguns resultados. O Felipe chegou na academia, era #1200. Nunca tinha feito uma final de Future de US$ 15 mil. O melhor resultado dele era quartas de final. Então, com o Felipe, era fazer ele ver que "com os golpes que você tem, alguma coisa está errada." O que está errado? Primeiro, é uma anarquia total jogando. "A gente vai te dar esse ponto de anarquia, mas você precisa ter mais ou menos uma ordem de 'com esse placar, posso fazer isso ou não', 'quando estou nessa posição, a porcentagem é maior de acerto se eu fizer isso', e tentar fazer ele ver que a rotina de um jogador de tênis ele tinha que ter. De tudo. De comer, de dormir, alongar, tudo, tudo, tudo. E fez bem para os dois essa saída, e chegar lá assim. E o bom do Felipe é que em três meses ele ganhou o primeiro Future dele, e ganhou do Orlandinho na final. Para mim, independia quem ganhasse, mas vendo o lado do Felipe… "Sempre estive atrás, sempre estive atrás, e na primeira final de Future, o cara treina comigo, eu vou lá e ganho dele", fez muito bem para ele. Depois dali, ele teve muitos jogos bons. Agora… ele ainda peca por oscilar.

Mais tecnicamente ou mentalmente?

O mental leva ao outro, né? Eu ainda falo para ele: "gostaria que você fizesse mais jogos nota 7 do que jogar dois nota 10 e dois nota 4." O melhor e o pior dele têm que estar mais perto.

Eu vi alguns jogos dele ano passado, em Santos. Foram os primeiros jogos que eu vi dele como profissional, e achei que ele falava muito. Você vê isso como prejudicial ou não necessariamente?

Teoricamente, é prejudicial. Tira a concentração.

O Saretta falava muito também. Me lembrou um pouco o Saretta…

O Felipe tem um quê de Saretta. A soltura, a personalidade, esse negócio explosivo… Eu falo para ele: o Saretta, quando começava a sair faísca, ele conseguia se manter jogando. O Felipe, quando começa a sair faísca, ele queima ele próprio. Melhorou muito, mas ainda fala. Quem que fala e consegue jogar alto nível? Murray. E o Fognini – e talvez se o Fognini falasse menos, estivesse melhor. Mas é difícil. Eu falo para eles: "o que vocês fazem que não está no livro, vocês têm que provar para mim que funciona para vocês." Se você estiver pronto para jogar o próximo ponto, você pode falar. Cada um é cada um. Lógico que o Djokovic vai falar mais que o Nishikori, que o Murray vai falar mais que o Nadal. Cada um tem sua personalidade. Se você mostrar para mim que, quando você fala, você joga mal cinco pontos seguidos, é porque você não pode falar. Isso, no começo, eu fazia ele ver.

Porque às vezes enquanto o cara está falando, ele não está pensando no que vai fazer.

Uma: às vezes você fica cego, não consegue ver. Você não consegue interpretar. O Felipe ler… É uma maneira de estar uma hora quieto. Uma hora quieto! O que, para ele, é difícil. Para mim, seria super importante ele pegar. E outra coisa que eu fazia ele ver é que um ponto mal jogado, para ele, custava um game. Um game mal jogado custava um set. Um set mal jogado custava jogo. O custo de um ponto é um ponto! O custo de um game é um game! O custo de um set é um set! Ponto. Melhorou bastante, amadureceu bastante, mas ainda tem alguns altos e baixos. Daqui para a frente, é o que a gente tem que estar mais atento com ele.

Seu boné diz Instituto Stella Demarco. O que é?

Eu conheci uma pessoa que teve – vou deixar bem claro que não tenho nenhum ganho econômico – uma filha, e a filha faleceu de um câncer que chama neuroblastoma. É um câncer infantil, e a menina chamava Stella. Essa pessoa e o médico decidiram montar um instituto voltado para melhorar umas alas de hospitais que tratam crianças com câncer. E acho super legal porque eu vejo…

Onde é?

Em São Paulo. Em geral, eu vejo muito pouco instituto voltado para saúde. Lá na Espanha, é muito forte o instituto do [José] Carreras. Ele ajuda pessoas com leucemia. Meu pai foi transplantado de leucemia. Eu, um dia, de novo… Tenho meu livro para fazer, mas um dia também quero montar meu instituto para ajudar não só os doentes de leucemia, mas ajudar as famílias dos doentes, o que é super importante. Então montaram esse instituto para ajudar pessoas com neuroblastoma, e eu achei super legal quando conheci. Falei "quero que você me dê alguns bonés e quero fazer propaganda." Acho super válidos os institutos voltados para o esporte. Alguns são voltados para a educação, mas vejo muito pouco instituto [no Brasil] voltado para saúde. O Carreras, o tenor, ele teve leucemia e tem uma fundação muito legal em Barcelona.

Leo, muito obrigado…

(interrompendo) Nunca me fizeram uma pergunta, vou te falar.

Qual?

Se eu voltaria para o Brasil. Mas não é você, é todo mundo.

E você voltaria?

Se eu tivesse um projeto legal, se eu tivesse essa chance implementar os valores que eu falo, de juntar um pouco com educação, leitura, e fazer um pouco o que eu fiz com a USTA… Seria uma opção minha de futuro. Não hoje. No futuro, seria. Eu sou paulista. Em São Paulo, por exemplo, não vejo um negócio assim. Eu vejo o Instituto Tênis mais como um negócio nacional. Acho o Instituto muito legal, acho que o [Cristiano] Borrelli faz um super trabalho. Se eu tivesse a chance de fazer um negócio desses, eu faria, só que eu sou conhecido aqui no Brasil. Por isso que te falei… Seria uma maneira de eu voltar para o Brasil, com a liberdade de fazer um negócio desses, voltado para o tênis e colocando algumas coisas juntas.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.