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Thomaz Bellucci, sobre fase ruim: 'Vi que o buraco era muito mais embaixo'

Alexandre Cossenza

01/10/2018 05h00

Thomaz Bellucci foi número 21 do mundo e passou a maior parte dos últimos 10 anos no top 100. Conquistou quatro títulos em torneios de nível ATP, somou mais de US$ 5 milhões em prêmios e ficou mais de 200 semanas entre os 50 melhores tenistas do planeta. Nos números, é o segundo maior atleta do tênis masculino brasileiro. Mas os últimos 12 meses não foram nada bons para o canhoto de Tietê (SP).

Em outubro do ano passado, Bellucci era #90 do mundo. Seu ranking começou a cair com uma suspensão de 5 meses por doping e, após o gancho, os resultados não vieram. A parceria com o ex-técnico André Sá não trouxe os pontos desejados, a ansiedade bateu, e o paulista, hoje com 30 anos, passou pelo pior momento da carreira.

Perdeu jogos ganháveis (o velho "perdeu chances", imortalizado pela antiga assessoria de imprensa do jogador), viu-se com problemas para derrotar adversários mais fracos e acabou com a confiança abalada. A espiral fez Bellucci despencar para além do 300º posto no ranking, mas, como ele mesmo diz, trouxe aprendizado. Hoje, o paulista valoriza mais seus feitos e vê que "o buraco é mais embaixo".

É com essa mentalidade, com as expectativas reajustadas e moderadas, precisando buscar cada pontinho, que Bellucci começa, nesta segunda-feira, sua caminhada no Challenger de Campinas (torneio que cubro a convite do Instituto Sports). O atual #262 do mundo e eu conversamos neste domingo, e Bellucci detalha cada parte de seu momento ruim. Fala das derrotas que machucaram, do que não deu certo com André Sá e da rotina nos Estados Unidos, para onde se mudou em janeiro. Conversamos também sobre Copa Davis e a possibilidade de Bellucci voltar a defender o Brasil. O papo segue abaixo, na íntegra.

Você fez uma semifinal há pouco em Gênova, voltou a estar no top 300, agora é #262 do mundo. O pior já passou?

O pior já passou? Depende do que você considera pior (risos).

O que você considera o pior?

Eu acho que estou na pior fase da minha carreira, com certeza. Nunca passei por esse período. Para mim, é tudo mais ou menos novo. Antigamente, eu saída do top 100, batia 120-130, ganhava um torneio e estava 80-90 de novo. Para mim, era muito mais fácil de aceitar cair no ranking. Em uma semana, eu já estava de volta. Hoje em dia, preciso muito mais do que isso. Preciso ganhar três ou quatro torneios, e isso tem sido mais difícil, tanto pelo meu nível de jogo, que eu não consegui voltar ao que estava jogando antigamente, tanto pelo nível mental, de aguentar as derrotas, de perder vários jogos que estavam na mão… Isso tem influenciado no ranking que eu estou hoje, mas que todos jogadores passam por isso. Difícil ver um cara que fica 10-15 anos no top 100 e não vai sair nunca. São raridades. É uma fase normal, mesmo porque ano passado eu fiquei quase seis meses sem jogar. Os primeiros meses foram difíceis para voltar a ritmo. É absolutamente normal. Estou confiante, estou acreditando que posso voltar ao ranking que tinha antigamente.

O André disse que o que mais te "machucou" foi ter jogados esses primeiros Challengers e não ter voltado rápido para o top 100. Porque, de repente, a coisa começou a acontecer ao contrário. Você está 150 e começa a "andar pra trás". Pra você, isso foi mesmo o mais duro? Aceitar, mentalmente, que a coisa não estava fluindo como você esperava?

Antigamente, eu ia para os Challengers e, se perdesse na final ou na semi, era um resultado ruim. Eu ia para ser campeão. Só ser campeão adiantava pela quantidade de pontos. Hoje em dia, é diferente. Fazer uma final ou semifinal, é um resultado bom para o ranking de hoje. Mas foi o período mais difícil, sim. Você sempre entra com uma expectativa maior quando está jogando um torneio menor. De ganhar o torneio, de chegar na final, de passar por cima dos caras, como eu fazia antigamente. O nível era mais baixo do que eu estava acostumado. Mesmo não jogando bem, ganhava de todo mundo. Hoje em dia, já é diferente. Tenho que lutar muito mais, virar jogos contra quem antigamente eu não tinha tanto risco de perder… Então foi difícil, sim. Eu estava #150 e tinha muito ponto para defender naquela época. Isso me causou um pouco de ansiedade também. Eu tinha ponto de ATP pra defender nos Challengers! Tinha que fazer sempre semifinal e final para defender. Não estava jogando bem, não estava ganhando jogo, e acho que isso foi o período mais difícil. Mas é aprendizado também. Uma fase que eu nunca tinha vivido antes. Com 30 anos, nunca precisei passar por isso. Na verdade, aprendi muito a valorizar tudo que conquistei na minha carreira. De saber que existem caras 300-400 do mundo que são super competitivos hoje em dia, de ter a molecada que está vindo aí, com 18-19 anos, com muita vontade de ganhar de você. Quando o cara joga com você, é o jogo da vida dele.

Eu ia chegar nessa parte. Tem isso com você, né? Todo mundo quer ganhar do cara que foi top 20.

É. Todo mundo que joga comigo nesse nível dá o seu máximo, quer ganhar de mim, dificilmente vai desistir no meio do jogo. Os caras dos Challengers querem me ganhar porque eu nunca joguei nesse nível, nesse tipo de torneio. Para os caras, é um jogo importante. Eles jogam sempre bem contra mim, às vezes até melhor do que estão acostumados a jogar. Acho que com a minha bagagem, com a minha experiência, tenho que saber lidar com isso, jogar tão motivado quanto esses caras nos torneios menores.

E você está conseguindo essa motivação?

Eu acredito que sim. Minha motivação é a mesma de jogar um grand slam, um ATP e de vim jogar aqui em Campinas. Não desmerecendo o torneio. Eu sei que é um estágio que eu preciso passar para voltar ao que eu era antes, então, para mim, cada jogo hoje é mais importante do que antigamente porque eu sei que preciso muito desses 7-8 pontos. Para mim, hoje em dia, 8 pontos é bastante. Eu preciso subir 30 posições pra entrar num outro Challenger que eu estou fora, então hoje em dia um valorizo muito mais. Isso é motivo para eu tirar motivação desses resultados pequenos que, talvez, pareçam irrelevantes, mas pra mim, hoje em dia, são importantes.

Houve algum momento específico que te machucou mais? Algum jogo específico, uma derrota mais doída? Uma sequência de derrotas, talvez? O que te abalou mais nesse período?

Talvez tenha sido naqueles três torneios de saibro dos Estados Unidos. Eu estava jogando bem, estava treinando super bem. Estava com uma expectativa muito grande. Nos treinos, estava ganhando de todo mundo. Você acaa gerando uma ansiedade normal. Acabei jogando com o Bagnis [Facundo Bagnis, #223 do mundo na época] em Sarasota, estava ganhando 4/1 dele no terceiro, acabei perdendo [3/6, 6/4 e 7/5 nas oitavas de final] . Isso me tirou um pouco a confiança, mas continuei jogando bem. Fiz quartas em Tallahassee, acabei perdendo um jogo também que tive set point, tive chance de ganhar [o boliviano Hugo Dellien, então #172, fez 7/5 e 7/6(2)]… Daí, em Savannah, a mesma coisa aconteceu com o Christian Harrison [o americano, #244, fez 7/5 e 6/4 nas quartas]. Se eu jogo bem nesses três torneios, hoje em dia eu estaria numa situação muito diferente. Então nesses três torneios foi onde… Minha pior fase foi logo depois. Perdi muito a confiança, vi que o buraco era muito mais embaixo, que eu tinha que melhorar, que eu tinha que seguir trabalhando, que não seria um ou outro resultado, que eu precisaria correr mais atrás de uma sequência de resultados. Foi o período mais difícil. Hoje, já estou numa situação diferente. Já consigo ganhar mais jogos, já estou me sentindo muito melhor.

Fala um pouquinho da sua mudança para os EUA. Já se adaptou? A esposa está adaptada? Como está a vida lá?

Desde o meio do ano passado, antes de acontecer tudo que aconteceu [Bellucci foi suspenso por doping], eu já estava pensando em me mudar para lá. Um dos motivos de eu parar de trabalhar com o João [Zwetsch] foi eu querer mudar. Eu falei "não vai dar certo você no Rio, e eu aqui nos EUA. Vamos acabar a parceria, e eu vou para os EUA." Aí eu fui para o US Open, já fiz minha preparação lá. Depois, fiquei lá. Aí veio tudo que aconteceu, eu acabei voltando para o Brasil para resolver tudo, não consegui me mudar. Acabei me mudando só em janeiro deste ano. Era uma mudança que eu precisava. Eu estava numa zona de conforto muito grande aqui em São Paulo. Nos últimos anos, muitos caras pararam de jogar, e eu não tinha com quem treinar. Era sempre muito difícil encontrar parceiro de treino, não tinha uma rotina pré-definida. Quando chovia, não tinha onde treinar… Eu ficava um pouco frustrado porque via que não tinha mais uma estrutura como os caras bons, que estão lá em cima. Achei que aquilo podia e prejudicar e, por isso, mudei para os EUA. Mesmo os resultados não vindo como eu gostaria, achei que foi uma decisão certa. A qualidade de vida lá é maior, eu estou mais perto dos torneios, eu viajo menos, é mais fácil encontrar parceiro de treino…

O Feijão falou um pouco sobre isso comigo. Tem questão de segurança, de você saber que vai sair e, quando voltar, não vai ter acontecido nada na sua casa com esposa, filho, que você vai voltar inteiro, etc…. Mas me conta como é sua rotina quando você está lá.

É muito diferente daqui. Lá, eu treino com o Germán López, um espanhol que está há cinco anos nos EUA. Era treinador da IMG, que me cede as quadras, toda estrutura. Eu tenho que agradecer à IMG pela ajuda. Eu tenho uma boa relação porque era agenciado pela IMX, que era da IMG. Então hoje em dia, nos EUA, eu tenho sempre cinco ou seis opções de jogadores pra treinar – desde juvenil até profissional. Você chega lá, tem um carrinho de bola nova para você treinar. Aqui, você chegava, não tinha com quem treinar, às vezes tinha que treinar com caras muito abaixo do meu nível, e não saíam treinos bons. Às vezes eu chegava num torneio e não estava tão bem preparado quanto eu gostaria. Lá, é diferente. Eu consigo treinar na quadra rápida, as quadras são muito parecidas com as dos torneios, e é tudo redondinho. Não tem com o que me preocupar. Eu chego lá, meu técnico já tem parceiro de treino, quadra reservada, meu preparador físico já tem o plano de trabalho para a semana inteira… Para ir para o treino, eu levo 15 minutos. Aqui, eu levava 15 minutos ou 1h30, dependendo do lugar. Então ficou mais fácil assim. Eu tenho uma rotina mais redonda.

O André Sá me contou que você trocou de raquete. Ele disse que ficou feliz, que te ajudou a dar spin, que ajudou no saque… Você já tá redondo? Não muda mais?

Não cheguei a uma conclusão ainda. A outra raquete eu gostava bastante, estava com as mesmas configurações há muito tempo, e o André queria que minha bola saísse mais, que não estava andando muito. Aí a gente optou por jogar com 16×18. Eu jogava sempre com 18×20. Acho que foi em março ou abril que a gente fez essa mudança. No começo, eu senti bem a diferença, mas hoje eu me adaptei bem. Não vejo tanta diferença. Hoje, eu acho que a raquete está legal, mas não descarto voltar. Tudo depende dos resultados, né?

Falando nisso, o que foi que faltou com o André? Resultado mesmo?

Acho que o óbvio, né? Faltou resultado, com certeza. Acho que houve algumas coisas que aconteceram no meio do ano que a gente não esperava. Ele teve alguns compromissos a mais do que esperava, então algumas semanas eu tive que viajar sozinho. Isso pesou um pouco porque eu sempre investi muito na minha equipe, sempre prezei por estar viajando com técnico, preparador físico na maioria das semanas… Naquele momento, eu senti que estava mal amparado em questão de acompanhamento da minha equipe. Mas não foi culpa de ninguém. Foi mais os compromissos que ele teve com a ITF. Eu estava nos EUA, a gente tinha fechado um número de semanas… No meio do caminho, eu achei que eram poucas semanas também. O André não tinha como se comprometer com mais semanas para viajar, então acho que foi uma questão também de logística. Ele é de Blumenau, eu estava em Sarasota. É muito longe. Às vezes, ele levava um dia e meio pra chegar aonde eu estava. Achei que naquele momento, não era o que eu precisava. Mas o André me acrescentou bastante, com a experiência que ele tinha como jogador, de chegada para a rede, de aproximação, de devolução de saque. Nisso tudo, ele ajudava bastante porque sempre foi o ganha-pão dele.

Tecnicamente, você vem treinando algo diferente depois do André?

Com a maioria dos técnicos, eu bato muito numa tecla. Eu não acho que tenho que fazer nada de diferente do que eu fiz na minha carreira inteira. Até mesmo porque eu estou com 30 anos, não tenho que começar a fazer saque e voleio, começar a dar mais slice… Acho que se eu cheguei a 20 do mundo jogando o que eu jogo hoje, por que eu vou querer mudar e fazer alguma coisa mirabolante e diferente? Acho que eu tenho que aperfeiçoar o que estou fazendo. Algumas coisas, eu tenho que melhora. Não mudar.

Daqui de Campinas, o que você espera?

O que eu espero?

Ganhar? (risos)

(risos) Minhas ambições são menores hoje em dia. Não ambições (se corrigindo). Minha realidade é tentar jogar bem. Eu, jogando bem, os resultados podem vir. Eu, jogando bem, sei que posso ganhar o torneio. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que tem caras competitivos aqui. Thiago Monteiro, Rogerinho, o próprio Londero, com quem eu vou jogar, já ganhou três torneios este ano. Então são caras que eu preciso jogar bem para ganhar. Se eu jogar mais ou menos, vai ser difícil. Meu primeiro objetivo é jogar bem. Um pouco de altura favorece meu saque [Campinas fica 685 metros acima do nível do mar], meu jogo é mais agressivo, então eu tenho que estar com a cabeça tranquila, calma, de dar meu melhor dentro de quadra, e os resultados vão vir.

Este ano, 2018, você abriu mão de jogar a Copa Davis. Considera jogar ano que vem, no novo formato, ou já é passado pra você?

Posso considerar. Com o novo formato, eu me animei um pouco. Era uma das coisas que eu conversava muito com o André porque ele estava nesse processo de relações com os jogadores. Para os jogadores, sacrificar duas semanas é aceitável. Quatro ou cinco, era muito difícil. Ser em melhor de três sets, pra mim, também é melhor. Antigamente, a gente jogava cinco sets em dois dias. Eu perdia a semana anterior porque ficava treinando com a equipe, e a semana seguinte, eu até jogava. Até consegui um resultado em Houston, que era uma semana depois da Davis, mas você chega despreparado para o torneio. Você chega em cima, cansado, então hoje é mais fácil me comprometer com a Davis. Agora, se eu vou jogar, ainda não sei. Depende do capitão.

Tem chance de você jogar o qualificatório?

Tem. Mais do que no ano passado [na verdade, Bellucci fala de 2018]. Eu descartei totalmente porque precisava recuperar meu ranking. Não que hoje, eu não precise, mas sacrificar uma semana não é tão mais difícil. O novo formato é positivo para o tênis também.

Para terminar: você tem candidato para presidente? Quem e por quê?

[responde com um sorriso] Ah, cara, eu não gosto de falar muito sobre isso, não.

Mas você tem candidato?

Tenho, tenho. Eu nem vou votar, na verdade. Acho que não consegui votar nas últimas quatro eleições.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

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