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Tudo sobre a Nova Davis: o que muda, como a ITF aprovou as mudanças e quem vai pagar a conta

Alexandre Cossenza

16/08/2018 13h26

Nos últimos dias, houve acusações de todo tipo pela oposição. O presidente da Tennis Europe acusou a Federação Internacional de Tênis (ITF) de fazer um acordo ilegítimo para manter o presidente da Federação Francesa – condenado criminalmente por difamação em seu país – no board, o que lhe permitiria votar a favor da "nova Copa Davis". O vice-presidente da Federação da Polônia afirmou que a ITF deu pouquíssimas explicações sobre como será investido o dinheiro e que um diretor afirmou que a ITF iria à falência se o projeto não fosse aprovado. A Federação Tcheca denunciou que algumas federações foram ameaçadas de sofrerem duras consequências se votassem contra.

Nada disso adiantou. Na assembleia desta quinta-feira, em Orlando (EUA), a ITF conseguiu os 2/3 dos votos das federações do mundo inteiro e aprovou seu projeto de mudar radicalmente a Copa Davis, transformando o evento atual em uma competição de duas semanas, com 18 países disputando as finais em sede neutra, em sete dias, em duelos de três jogos, em melhor de três sets, no mês de novembro, depois do ATP Finals. Tudo isso começando já em 2019 e incentivado fortemente por um grupo de investidores chamado Kosmos (fundado pelo jogador de futebol Gerard Piqué), que prometeu colocar US$ 3 bilhões na competição ao longo dos próximos 25 anos para "ajudar a desenvolver o esporte no mundo inteiro."

Na prática, é o fim da Copa Davis, um evento de 118 anos, como a conhecemos, com seu formato atual de cinco jogos em melhor de cinco (ou melhor de três nos zonais), com cinco partidas disputadas ao longo de três dias e confrontos disputados simultaneamente em vários países do planeta. A ITF vai manter o nome da competição – principalmente por motivos comerciais – mas vai eliminar alguns de seus aspectos fundamentais. Faço nos parágrafos seguintes uma pequena análise das mudanças (baseada no texto que publiquei em fevereiro, quando a ITF detalhou seu plano)

Sede única

Sabe as torcidas barulhentas infernizando os visitantes? Ou os pisos marotamente escolhidos para dar vantagem ao time de casa? Em vez disso, a final da Nova Davis será jogada em sede neutra (encarecendo a vida de quem quer torcer por seu país), em um piso supostamente neutro (a ITF ainda não falou nada sobre isso). É claro que a intenção é transformar a Davis em uma Copa do Mundo, como a da FIFA, mas será que a atmosfera dos jogos não vai sofrer? É algo a observar.

Sim, haverá uma fase classificatória com 24 países, disputada em fevereiro com os times que ficaram do 5º ao 16º posto na Davis anterior mais os vencedores dos Zonais. Essa fase será em sedes espalhadas pelo mundo (como é hoje) e será a única chance de alguns países fazerem confrontos fortes diante de suas torcidas. Ainda assim, um país qualquer pode ficar anos sem ver seus melhores tenistas jogando em casa.

Novembro

O mês é importante porque é inverno no hemisfério norte. Logo, é de se esperar que a fase final a Nova Davis seja em um complexo indoor porque: 1) o frio não é fácil de suportar nessa época do ano (todas finais de Davis na Europa acabam sendo em arenas cobertas); e 2) se chover/nevar, atrasa a programação toda, e não é nada fácil fazer tantos jogos em uma semana.

A ITF já anunciou que as finais de 2019 serão em Madri (dá pra pensar em Caixa Mágica) ou Lille (vide apoio favorável da Federação Francesa). A decisão será tomada e anunciada nas próximas semanas.

Confrontos de três jogos

Cada simplista vai entrar em quadra apenas uma vez por confronto. Com apenas três jogos por duelo, diminuem as chances de variações táticas ou mudanças nas escalações durante o fim de semana. É um joguinho pra cada, pá-pum, e acabou. As duplas também ganham peso maior, já que passam a valer 33% do confronto em vez dos 20% anteriores.

A dúvida aqui é que a ITF ainda não especificou como será esse cruzamento. Joga o #1 do país contra o #2 do outro? Ou os dois #1 se enfrentam, como acontece na Fed Cup?

Como a ITF conseguiu os votos

Em um mundo tão conservador como o do tênis, ninguém esperava que seria fácil para a ITF conseguir os 2/3 dos votos necessários para aprovação de mudanças tão radicais numa competição que tem 118 anos de história. Como, então, o presidente da ITF, David Haggerty, conseguiu isso? Fazendo política e viajando pelo mundo atrás dos votos. Eles vieram, principalmente, de América do Sul, África, América Central e Caribe. Todos votaram a favor das propostas, assim como a França, que tem grande peso na contagem.

Basta ler as notícias no site da ITF para entender parte desses votos. Nos últimos meses, Haggerty esteve no Kuwait, visitou Ruanda, Assunção e em Florianópolis. Na passagem pelo Brasil, inclusive, o presidente da CBT, Rafael Westrupp, pleiteou recursos para a expansão da sede da entidade e colocou o Brasil como candidato a receber a Assembleia Geral da ITF em 2020. Tudo isso entre outras viagens de Haggerty, claro.

Por que mudar?

A ITF se queixa da menor relevância da Copa Davis nos últimos anos. Os maiores nomes do tênis vêm disputando a competição com menos frequência (Nadal, Federer, Djokovic e Murray já foram campeões) e, consequentemente, a entidade vê uma perda de valor na marca da Copa Davis. Ao fazer um evento de uma semana no fim do ano, a ITF quer ter o mundo inteiro olhando para um lugar só e atrair os grandes nomes novamente para a Copa Davis.

Para onde vai o dinheiro?

Em entrevista ao "New York Times", Haggerty disse que uma parte significativa do investimento do Kosmos será dedicada à transformação da Copa Davis. Haverá também um "investimento substancial" no desenvolvimento das associações nacionais (leia-se: federações e confederações, as responsáveis pela aprovação do plano, receberão boladas) e do tênis em cadeira de rodas. O resto será investido em um dois novos eventos: um em abril e outro em setembro. Como aponta o jornalista Christopher Clarey, parece que a ITF vai aproveitar duas datas vagas pela Davis no calendário.

Coisas que eu acho que acho:

– Como eu escrevi em fevereiro, pode ser que a Nova Davis seja mesmo um evento bacana, legal de acompanhar in loco ou pela TV. Maaaaaas não é a Copa Davis como a conhecemos e nos apaixonamos. É uma competição totalmente diferente e desvirtuada do que aquilo que existiu por 118 anos.

– O sucesso da Nova Davis vai depender, principalmente, da adesão dos tenistas. Fica no ar, contudo, uma dúvida. Se os atletas decidiram, entre eles, formar sua própria Copa do Mundo (leia mais sobre ela aqui), que vai começar em dezembro de 2019, será que eles vão disputar essa Nova Davis um mês antes, enfraquecendo seu próprio evento? A conferir…

– Se um dos problemas da Davis era o calendário, que diabos a ITF pretende ao utilizar as datas de abril e setembro com outros eventos? Por que essas datas eram ruins para a Davis e serão boas para outras competições? Por que os tenistas da elite que não jogavam a Davis – supostamente por culpa do calendário – agora vão competir nessas datas? É um mistério para mim. Estranha a ITF conseguir aprovar um plano assim sem especificar em momento algum que eventos serão esses e quanto dinheiro será investido neles.

– As perguntas que não querem calar: 1) Se o Kosmos vai investir US$ 3 bilhões na Copa Davis, quanto valeria a Fed Cup para eles? 2) Por que a ITF não incluiu a Fed Cup no pacote e negociou um valor melhor? O problema de calendário não é o mesmo nos dois circuitos?

– Não sei o que dizer sobre esses dois "wild cards" que a ITF guardou para distribuir anualmente na final da Davis. Parece, a princípio, uma medida política e que dá margem para todo tipo de acordo de bastidores. Para quem gosta de política, bacana. Para o esporte, pode ser péssimo.

– Falando em política, imaginem a final da Davis em Lille, numa cidade francesa. Sim, no país da Federação Francesa que supostamente teve um presidente protegido pela ITF para votar a favor da Nova Davis. Leiam o link no primeiro parágrafo deste post e compreendam a profundidade do buraco.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.