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Saque e Voleio

Na virada sobre Cilic, Nadal mostrou a versão tenística do 'saber sofrer'

Alexandre Cossenza

11/08/2018 02h08

É uma daquelas frases que invariavelmente surgem durante algum momento de uma mesa redonda na TV: "o time tal soube sofrer". É um jeito em voga de dizer que a defesa funcionou quando exigida. No tênis, o "saber sofrer" é um pouco diferente e mais literal. Se você não sabe exatamente do que se trata, busque ver a partida entre Rafael Nadal e Marin Cilic, válida pelas quartas de final do Masters 1000 de Toronto e vencida pelo espanhol por 2/6, 6/4 e 6/4.

Durante a maior parte dos 41 minutos iniciais, o número 1 do mundo conseguiu muito pouco. Sacou mal e errou mais do que o costume, mas, principalmente, enfrentou um Marin Cilic incontrolável, disparando winners de todas partes da arena e com todos ângulos possíveis. O croata empurrou Nadal para trás, plantou-se dentro da quadra nas devoluções e poderia ter vencido a primeira parcial ainda mais rápido.

Quem já viu, sabe como é. Quando Marin Cilic está on fire, o adversário mal consegue fazer algo além de assistir à partida. Pois o número 1 do mundo sofreu um bocado no primeiro set. Venceu apenas 33% dos pontos com o segundo serviço e viu seguidos winners furiosos passarem por ele no fundo de quadra. Só que se existe alguém que sabe sofrer e tem recursos para virar partidas, seu nome é Rafael Nadal.

O espanhol mostrou um esboço de reação no sétimo game do primeiro set. Foi quando salvou cinco set points e confirmou o saque num game de 11 minutos. Ali, soltou mais o braço, conseguiu finalmente aprofundar bolas com alguma consistência e mostrou que não daria nada de graça. Não salvou a parcial, mas foi um pequeno impulso para entrar no segundo set com outro ânimo.

"Como ele jogou naquele primeiro set foi imparável. Então eu resisti. Eu joguei com a tática certa. Eu tentei encontrar soluções, mas estava muito difícil. A dinâmica era ruim para mim e incrivelmente boa para ele", disse Nadal.

Cilic ainda parecia o senhor do jogo, mas perdeu o saque ao cometer seguidos erros não forçados. Ali, Nadal "entrou" no duelo. Salvou quatro break points e abriu 4/1. Naquele momento, o espanhol já sacava melhor e ganhava alguns pontos de graça com o fundamento. Porém, não o bastante para evitar uma quebra no nono game. Cilic continuava furioso no ataque, e o espanhol ainda sofria, preso no fundo de quadra e correndo atrás dos disparos do adversário.

Só que Cilic fraquejou outra vez. Sacando em 4/5 e 40/15, pertinho de empatar o segundo set, errou um smash nada complicado e viu seu tênis desandar. A sequência de falhas foi assustadora (vide tweet acima). Game e segundo set, Nadal. E todo mundo sabe o que acontece quando alguém abre uma fresta para o número 1 do mundo.

Rapidamente, a fresta transformou-se em janelão. No terceiro set, Nadal sacou ainda melhor. Variou mais, contou com mais erros de devolução e foi jogando mais dentro da quadra, tirando Cilic de sua zona de conforto. O croata, que já não mostrava a precisão do começo, salvou um break point no quarto game, mas sucumbiu no décimo ao errar um backhand – seu 43º erro não forçado no confronto.

Nadal, mais uma vez, foi brilhante e deu uma lição. Não se desesperou quando passou maus bocados, consertou o que havia de pior em seu jogo (nesta sexta-feira, o saque) e esperou que o adversário tivesse uma queda de nível – e não era mesmo justo esperar que Cilic mantivesse aquele tênis obsceno, vilipendiando o saque do espanhol. Quando teve a chance, Nadal agarrou-se a ela e tomou posse do jogo. Não existe definição melhor para saber sofrer.

E o que mais?

Nadal vai fazer a semifinal contra Karen Khachanov, que ainda não perdeu um set no torneio e bateu Robin Haase nesta sexta. A outra semi será entre Kevin Anderson (olha ele aí de novo) e Stefanos Tsitsipas, que derrubou seu terceiro top 10 em três dias e bateu Alexander Zverev por 3/6, 7/6(11) e 6/4, depois de salvar dois match points, para garantir sua entrada no top 20.

Zverev teve o jogo sob controle e múltiplas chances de vencer. Liderou por 6/3 e 5/2, sacou para o jogo em 5/3 no segundo set e, mais tarde teve match point com seu saque no tie-break. No terceiro set, esteve uma quebra à frente e, mais tarde, desperdiçou quatro break points com Tsitsipas sacando em 4/4. O alemão foi mal em vários desses momentos, dando pontos de graça e perdendo oportunidades.

A pífia lista de escolhas ruins de Zverev teve seu auge no último game. Sacando em 4/5 e 30/30, tentou um saque-e-voleio (mesmo ciente de seu histórico junto à rede) e perdeu o ponto. Na sequência, diante de um match point para o rival, cometeu uma dupla falta.

Coisas que eu acho que acho:

– Zverev disse, após o jogo, que a partida foi patética e que Tsitsipas nem jogou tão bem assim (um trecho da declaração está no vídeo acima). Okay, não foi a maneira mais politicamente correta de avaliar uma derrota, mas não passou muito longe do que aconteceu de fato. Tendo a concordar que o nível do jogo não foi alto – embora não usaria "patético" para descrevê-lo – e acho, inclusive, que muitos dos erros do alemão nada tiveram a ver com o tênis do grego. Tsitsipas teve o mérito de se segurar numa partida que teve dinâmica favorável ao alemão na troca de backhands, mas foi Zverev quem teve mais peso no resultado.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.