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Saque e Voleio

Djokovic abriu o coração e deu uma lição sobre vulnerabilidade

Alexandre Cossenza

23/07/2018 07h00

Alguns dias depois de conquistar o título de Wimbledon, Novak Djokovic publicou uma bela carta em seu site. Falou sobre a emoção de conquistar o título com o filho na cerimônia de premiação, sobre a sensação de ser pai e de como a vida muda depois de colocar uma pessoinha no mundo, e de como não é simples encontrar o necessário equilíbrio entre o tênis e a família.

Mais do que isso, Djokovic abriu o jogo sobre o período em que conviveu com o cotovelo lesionado e não conseguiu vencer. Admitiu seus erros, sua impaciência, disse que faltou motivação. Finalmente se abriu, deu uma lição sobre vulnerabilidade e mostrou o que todos sabemos, mas quase sempre adoramos ouvir: que campeões também erram feio. Só os maiores deles, contudo, têm a grandeza de admitir, e o sérvio fez isso também. Transcrevo abaixo meu trecho favorito:

"Em 2017, a lesão no meu cotovelo direito era tão grave que fui forçado a ficar fora do circuito por seis meses. A lesão era um dos problemas. O outro grande era a motivação. Eu não tinha problemas para treinar e curtir a quadra de tênis, mas tinha obstáculos mentais quando precisava competir.

Um dia compartilharei mais a fundo que tipo de desafios eu precisei enfrentar e como me senti. Sempre respeitei pessoas que compartilham seus momentos mais vulneráveis como pontos de virada para achar a real força que inspira tanta gente. Eu estive vulnerável tantas vezes nos últimos anos. E ainda sou/estou vulnerável. Não tenho vergonha disso. Pelo contrário. Isso me torna mais verdadeiro para mim e para os outros. Permite que eu me aproxime das pessoas. Permite que eu busque fundo e analise o que está acontecendo de verdade dentro de mim. Quando eu descubro, consigo criar uma estratégia para superar esse problema e seguir em frente como um ser humano mais forte e mais sábio.

Nos últimos dois anos, não fui paciente com minhas expectativas no tênis. Não fui sábio em montar estratégias. E, certamente, não estava ouvindo atentamente o meu corpo me dizer que havia algo sério acontecendo com meu cotovelo. Eu estava tentando encontrar soluções em outro lugar, e a solução sempre esteve dentro de mim.

Depois de muitas mudanças no meu treinamento, na raquete, nos integrantes do time, eu não sabia se conseguiria chegar ao nível desejado de tênis. Na verdade, uma parte de mim sempre acreditou nas minhas próprias qualidades e capacidades, mas houve momentos de dúvida em que eu poderia ter agido de maneiras diferentes."

Atletas, de modo geral, não gostam de se mostrar vulneráveis. Não querem falar sobre momentos ruins, evitam comentar as derrotas que doeram, não querem admitir o quanto doeu (e escrevi um pouco sobre isso em um texto sobre a gestão da imagem de Thomaz Bellucci, em janeiro). Mesmo no pior momento – Miami e Indian Wells – Djokovic não deixou de dar coletiva nem fugiu das perguntas. Nem sempre deu as respostas que jornalistas e fãs queriam ouvir, mas fica claro agora que nem ele as tinha.

Também é cristalino que Djokovic se encontrou. Achou a motivação, buscou as vitórias e voltou à elite do tênis. Por isso, deu as respostas (e é obviamente mais fácil dar respostas com um troféu de Wimbledon nas mãos).

Mais do que responder a jornalistas numa coletiva fosse onde fosse, Nole falou com os fãs. Por isso, possivelmente, a carta em seu site. Era um recado para eles. "Olha, gente, passei por isso, isso e isso. Errei aqui e ali." Mostrou-se vulnerável. É isso que todo fã quer. Mais: é o que todo fã precisa. Ninguém quer torcer por uma maquininha que vence jogos, corridas ou campeonatos. O fã quer compartilhar sentimentos e emoções. Quer se identificar com alguém. Quer vibrar e chorar junto do ídolo. Quer quebrar a raquete junto dele. Quer rasgar a camisa depois de um jogo de quase 6h.

Um campeão que falha é um campeão mais humano, e Djokovic mostrou, mais uma vez, por que é um dos maiores personagens do esporte.

Coisas que eu acho que acho

– Há quem chame Djokovic de "marketeiro" e diga que ele "joga para a galera". Não consigo enxergar assim. Não neste caso. Não vejo algo forçado como, por exemplo, alguém que supostamente escreve uma carta intimista para uma publicação e depois não lembra do conteúdo da carta.

– Um problema com meu computador me deixou fora "do ar" por alguns dias. O volume de postagens vai, aos poucos, votando ao normal.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.