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Saque e Voleio

Federer ou Nadal? Por que não ambos?

Alexandre Cossenza

23/04/2018 06h00

Em uma das mudanças visuais do Saque e Voleio – foram várias desde o primeiro post, em abril de 2007 – decidi alterar também a descrição do "sobre o autor" e incluir o seguinte trecho, que sobrevive até hoje, aqui no UOL, em uma versão atualizada: "Alexandre Cossenza acredita que é possível apreciar Federer e Nadal em medidas iguais." Sei bem que são poucos que levam isso a sério, e tudo bem se você também não acredita. Creia, porém, em uma coisa: tenho pena de quem não consegue enxergar isso.

Cada um de seu jeito, Rafael Nadal e Roger Federer foram os dois maiores representantes do tênis nos últimos 15 anos. Ganharam mais slams do que qualquer outro homem na história da modalidade. Viajaram pelo mundo enchendo ginásios famosos, quadras de treino e arenas de touradas. Duelaram até numa quadra mezzo saibro, mezzo grama.

Roger Federer e Rafael Nadal viveram uma das rivalidades mais incríveis de todos os tempos. Fizeram nove finais em torneios do grand slam. Levaram e representaram o tênis mundo afora, incluindo o Mercadão de São Paulo e o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Isso tudo – não poderia ser diferente – atraiu muito público e gerou uma rivalidade também entre os torcedores. Amor a um, ódio ao outro. Saibro é chato, dizem uns. Grama é para pastar, afirma a outra metade. Um é feio, o outro é bonito. Um é arrogante. O outro, falso humilde. O bombado contra o banguela.

Enquanto essa discussão se alonga, os envolvidos deixam de aproveitar o melhor de dois mundos. Queiram ou não os fanáticos, Federer e Nadal se completam. Suíço e espanhol são suavidade e força bruta, instinto e estratégia; metrópole e cidadela, duty free e mercadão, Mercedes e Kia. São Vincent Vega e Jules Winnfield, Porto Real e Winterfell, Gryffindor e Sonserina, Super-Homem e Batman, Walter White e Jesse Pinkman, Yoda e Luke. Ou, em uma analogia mais tipicamente brasileira, Flamengo e Fluminense.

O dilema é que esse Fla-Flu tenístico causa cegueira. Torcer é apoiar seu time, gritar na beira do gramado e odiar momentaneamente o adversário. Isso não impede ninguém de, após o fim do embate, reconhecer que o outro foi superior, que o gol de bicicleta do Cristiano foi mais bonito que o de falta do Messi ou que o Klopp deu um nó tático no Guardiola. Ou, claro, que Federer sacou e voleou melhor. Ou que Nadal esteve impecável do fundo de quadra e foi uma fortaleza mental.

Há quem prefira menosprezar o outro. "Nadal é só saibro" ainda é um dos argumentos mais comuns (apesar de três títulos de US Open, cinco finais de Wimbledon e quatro decisões no Australian Open). Bobagem, até mesmo porque diminuir Nadal é automaticamente encolher Federer. Muitos acham que o suíço é o melhor da história. Mas não dá para afirmar isso e, ao mesmo tempo, dizer que Nadal é baloeiro e só joga na terra batida. Ou alguém pode ser o melhor de todos sendo freguês de um mero baloeiro por tanto tempo? Obviamente, essa é a lógica da cegueira.

Em vez disso, por que não admirar os contrastes? Enquanto Federer vence seu jogo em 50 minutos por 6/2 e 6/2, Nadal triunfa pelo mesmo placar em 1h30min. O adversário do suíço sai de quadra rápido, atordoado, sem anotar a placa ou entender como foi atropelado. O oponente do espanhol vê a placa, reconhece o modelo do veículo, calcula a velocidade e, mesmo assim, não consegue fazer nada para evitar o atropelo. Ambos vão parar no mesmo leito de hospital, cientes de que foram vítimas de gênios.

É menos feliz o cidadão que não consegue entender que matar um ponto com uma direita e um voleio pode ser tão bonito e eficiente quanto uma sequência de forehands que vai empurrando o oponente para trás a ponto de forçá-lo a golpes desesperados e de baixa porcentagem. Ou que um simples slice às vezes funciona tanto quanto aquela passada em que a bola faz uma curva lateral até quicar na borda da linha, lá no fundo da quadra. E se é brilhante subir à rede em duas bolas, também é genial fazê-lo depois de meia dúzia de golpes, com o ponto construído e preparado para aquilo.

Será mesmo tão difícil para tanta gente entender que dois gênios podem se expressar de maneiras tão diferentes? Não dá para apreciar Beethoven sem odiar Steve Harris? É preciso desprezar Kubrick para amar Tarantino ou curtir aquele Spielberg de vez em quando? Ou será que David Foster Wallace (enorme fã de Federer!) só pode ser lido por quem ignora J.K. Rowling? E se você, leitor, passou os últimos 15 anos odiando Federer ou Nadal, sinto informar: sim, é possível apreciar os dois e ser muito feliz fazendo isso.

De nada.

Vida longa a #Fedal.

Coisas que eu acho que acho:

– O comentário mais engraçado que aparece nas redes sociais do Saque e Voleio é aquele do tipo "seu texto pra uma semifinal de Wimbledon ficou muito melhor do que o da final de Roland Garros" ou "você escreveu duas linhas a mais sobre Nadal do que sobre Federer". Quase sempre, vem acompanhado do raciocínio "logo, é óbvio que você torce por [insira aqui o rival do seu tenista preferido]". O pior é que não estou usando exemplos fictícios. Esses dois comentários – e muitas variações deles – aparecem sempre.

– Vale para qualquer texto, em qualquer lugar, sobre qualquer assunto: quem lê não sabe se o autor estava doente, brigou com o parceiro (namorada, esposa, etc.), estava endividado, tinha um parente no hospital, foi assaltado ou computador estava quebrado. Já bloguei em todas situações acima. Todas mesmo. Jornalistas, colunistas e blogueiros sempre querem fazer seu melhor, mas quem precisa escrever com data e horário fixos nem sempre pode esperar "aquela" inspiração. Às vezes, ela vem. Às vezes, não. Paciência.

– Sei bem a rotina. Se publicasse este texto na temporada de grama, o drama de certos leitores seria "não sei por que lembrar de Nadal quando Federer está ganhando tudo". Logo, os que forem escrever o contrário agora ("lembrar de Federer, que não está jogando", etc.) podem economizar tempo e energia. Eu conheço o chororô. Só não vou mudar meu jeito de blogar por isso.

– Em tempo: no Big Four, torço por Andy Murray. Por uma série de motivos, que esticariam este post além do desejado para hoje (este texto aborda alguns deles). Quem lê meu Twitter e ouve o podcast Quadra 18 sabe disso há eras. E vou amar Federer e Nadal até a morte.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.