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Derrota histórica para a Colômbia mostra como o tênis brasileiro estagnou

Alexandre Cossenza

08/04/2018 03h47

De 1969 até 2017, Brasil e Colômbia se enfrentaram oito vezes na Copa Davis, e sempre com o mesmo resultado: vitória brasileira. Eis que chega 2018, e o time de João Zwetsch fez história em Barranquilla. Escalado com Thiago Monteiro, Guilherme Clezar, João Sorgi, Marcelo Melo e Marcelo Demoliner, o elenco acabou derrotado pela Colômbia por 3 a 2. E não foi a Colômbia forte de 2012, que tinha Alejandro Falla e Santiago Giraldo em bom momento. Foi a Colômbia de 2018, que não tinha sequer um top 250 em sua lista de simplistas. O revés também significa que o Brasil ficará fora dos playoffs do Grupo Mundial – a primeira divisão da Davis – pela primeira vez desde 2005.

Não que seja uma zebra esta formação brasileira sair derrotada no confronto de Barranquilla. Pelo contrário. No post de sexta-feira, escrevi que seria um duelo equilibrado e imprevisível por uma série de motivos. Até aí, tudo normal. O que é preocupante é que o Brasil tenha precisado jogar com essa escalação. Que João Zwetsch tenha apelado para João Sorgi, #359 do mundo e sem nenhuma campanha brilhante recente, para fazer a quinta e decisiva partida. É isso que precisa ser avaliado, pesado, pensado e repensado por muita gente.

Faltou renovação

Quando Fernando Meligeni disse nesta entrevista que o Brasil parou no tempo, não é algo que aconteceu da noite para o dia. A geração pós-Sá/Daniel/Saretta/Mello tinha Bellucci, mas era também tinha menor quantidade de bons tenistas. E a geração pós-Bellucci/Feijão é ainda mais fraca. Com o canhoto de Tietê chegando aos 30 em mau momento e Rogerinho também optando por não jogar, restou a Thiago Monteiro assumir o posto de simplista número 1. Ninguém está sequer perto do nível do cearense.

Monteiro, contudo, ainda não é um grande tenista de Copa Davis e, para piorar, chegou a Barranquilla vindo de seis derrotas seguidas. Venceu um jogo em que Santiago Giraldo pouco lhe exigiu, mas tombou no momento mais importante: quando precisava fechar o confronto contra o jovem Daniel Galán, 21 anos e #257 do mundo. E não foi só neste confronto. Esteve mal na República Dominicana e também deixou a desejar no ano passado, contra o Japão. Davis não é fácil e não é todo mundo que lida bem com a pressão de defender o país. O cearense pode chegar lá, mas hoje não é um #1 sólido o bastante para dar tranquilidade a um segundo simplista.

É justamente por isso que esse peso também caiu sobre os ombros de Gulherme Clezar (#234) e João Sorgi (#359), os outros simplistas levados por Zwetsch para Barranquilla. O gaúcho de 25 anos vive momento instável, com muitos altos e baixos em quadra e perdendo de virada jogos que poderia vencer. O paulista de 24 venceu cinco dos últimos dez jogos (quase todos em nível Future). Nada de especial. Mas ambos toparam tentar ajudar o time porque… não tinha ninguém melhor. Ou quase isso, o que me leva ao tópico seguinte.

Capitão desgastado

Feijão disse estar "cagando" para a Copa Davis, e isso tem muito a ver com seu desgate de confrontos passados com o capitão brasileiro, João Zwetsch. Ele falou sobre isso em entrevista recente ao Globoesporte.com. Sim, Feijão vive má fase, é o atual número 306 do mundo e vem de quatro derrotas seguidas no circuito – a última delas, para o mesmo Daniel Galán (jogo decidido por 7/5 no terceiro set). Só que João Souza tem 29 anos, mais experiência de Copa Davis e um retrospecto de sete vitórias em dez jogos contra Alejandro González. Quem teria mais chances num quinto jogo? Feijão, Clezar ou Sorgi? Sobrou para Sorgi, que correu, lutou, vibrou, mas não conseguiu.

E o que dizer da ausência de Rogerinho, outro que se mostrou magoado com a postura de Zwetsch? É bem verdade que o paulista tinha 80 pontos para defender no Challenger da Cidade do Panamá, mas será que sua decisão não teria sido diferente se não houvesse essa mágoa com a CBT?

Zwetsch acha que não precisa dar satisfação de suas convocações (o que me parece uma postura um tanto autoritária num país com tão poucos convocáveis). Rafael Westrupp, presidente da CBT, afirma que não vê problema de desgaste dos jogadores com o capitão. Logo, não parece que esse cenário vai mudar em breve. Sorte que Monteiro treina na Tennis Route, academia de Zwetsch, assim o Brasil não corre o risco de perder também o cearense na Davis.

Quem mais falhou?

Talvez tudo escrito acima não fossem problemas se o Brasil fosse uma maior fonte de tenistas com nível para Copa Davis. Isso é tudo o que país não foi nos últimos 12 anos. Desde que assumiu a CBT, Jorge Lacerda (padrinho político de Westrupp) contribui para acabar com os grandes circuitos nacionais juvenis, ameaçou árbitros, atletas e até perseguiu uma promotora (tudo isso está linkado e documentado neste post).

Menos eventos, menos estímulo, menos patrocinadores… Menos tenistas. E quem tem poucos tenistas não pode se dar ao luxo de apostar errado. Pois a CBT apostou e errou com o Projeto Olímpico, com times nacionais e com a transição de alguns atletas. Orlandinho e Marcelo Zormann – só para citar dois exemplos – estagnaram treinando na ADK, academia parceira da CBT (e isso não é culpar nem os atletas nem a academia, mas constatar que o trabalho não rendeu os frutos esperados).

A Confederação, obviamente, não é a única culpada. Essa conta também vai para tenistas que tiveram oportunidades e não se dedicaram o suficiente e para técnicos que se preocuparam mais em manter o emprego do que em exigir, cobrar e preparar atletas para o tênis profissional. O Brasil continua cheio de gente com bons resultados no juvenil e que sofre na transição. Não dá para jogar a culpa só na velha desculpa do "é cultural" ou no papo de que "sul-americano" amadurece mais tarde.

E agora?

O Brasil não cavou esse buraco em um dia e não dá para esperar uma Talia al Ghul para resgatar a equipe desse poço. A não ser que Thiago Wild, Orlandinho, Felipe Meligeni ou Marcelo Zormann evolua enormemente no próximo ano, é possível imaginar um Zonal duríssimo em 2019. No pior dos cenários, o Grupo I das Américas pode ter Argentina, Colômbia, Chile, Uruguai e Canadá.

Sem Bellucci – o bom Bellucci de Copas Davis passadas, e não o paulista que perdeu na primeira rodada do qualifying em Houston e vai sair do top 200 – o time que está aí vai precisar contar com algo muito improvável para voltar aos playoffs do Grupo Mundial.

A elogiar

De positivo deste confronto, apenas a grande atuação da dupla formada por Marcelo Melo e Marcelo Demoliner, que bateu Robert Farah e Juan Sebastián Cabal por 7/6(5) e 6/4. Mineiro e gaúcho jogaram em nível altíssimo do começo ao fim, não cederam break points e derrotaram a fortíssima parceria da casa.

Demoliner, principal alvo dos ataques colombianos, foi incrivelmente sólido em seu primeiro jogo realmente duro de Copa Davis. Em momento de escassez de simplistas, é um alento ver que o Brasil terá pelo menos um ótimo duplista depois que Bruno Soares, 36 anos, e Marcelo Melo, 34, se aposentarem.

Falando em Melo, o número 1 do mundo foi mais uma vez uma rocha. Mais velho da equipe, mostrou-se mais uma vez o líder que o time precisa. Pena que sua presença não conte mais do que um ponto no fim de semana.

Coisas que eu acho que acho:

– Mesmo em má fase, Bellucci faz falta a esse time brasileiro. Impossível dizer que o resultado teria sido outro com ele em Barranquilla, mas é importante ressaltar: o canhoto de Tietê já defendeu tanto o país na Copa Davis que não pode ser criticado se optar por nunca mais disputar a competição. E se o Brasil esteve sempre nos playoffs desde 2006, Bellucci é o principal responsável por isso.

– Monteiro também está em má fase no circuito e poderia ter dispensado a Davis para correr atrás de pontos e se classificar para Roland Garros. Optou por Barranquilla e complicou seu calendário. Se não foi o #1 que o Brasil precisava na Colômbia, o cearense merece o reconhecimento por ter colocado o país em primeiro lugar.

– O vídeo do tweet acima é do confronto entre Espanha e Alemanha, no Grupo Mundial. Mostra uma arena de touradas lotada para uma partida de duplas que durou 4h40min e teve Rafael Nadal e Alexander Zverev na beira da quadra, torcendo e vibrando com seus compatriotas até o fim. Muito longo? Pouco relevante? Sem atmosfera? E a ITF quer acabar com isso…

– Um último vídeo, cuja descrição traz "clima de Copa Davis", para terminar meu argumento de sempre.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.