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Saque e Voleio

Djokovic precisa de uma intervenção

Alexandre Cossenza

05/04/2018 06h00

"Novak Djokovic continua focado e com vontade de voltar mais forte e mais resiliente da longa pausa por lesão que afetou seu jogo e sua confiança. Ele está contínua e apaixonadamente procurando maneiras novas e diferentes de reconquistar sua forma vencedora." É isso, pelo menos, que diz o texto de seu site – o mesmo comunicado que informou sobre a saída do técnico Radek Stepanek.

Seria mais fácil acreditar – ou pelo menos ter uma visão otimista sobre o ex-número 1 do mundo ao ler o tal comunicado – não fosse pela sequência estranha e desagradável de acontecimentos que envolveram Djokovic dentro e fora da quadra desde o título de Roland Garros em 2016. Isso inclui, claro, a lesão no cotovelo que o tirou da segunda metade da temporada de 2017, mas também declarações dele e de seus técnicos.

Como já escrevi após a derrota em Miami, falta de ritmo não parece ser o maior dos problemas. O Djokovic que entrou em quadra nos dois Masters 1000 de quadra dura nos EUA tem, certamente, uma mentalidade diferente daquela que o levou a vencer tanto e por tanto tempo. Aquele sérvio possivelmente nem teria pisado em Indian Wells e Miami. Essa mudança, tão preocupante para quem quer vê-lo ganhando, não aconteceu de um dia para o outro. Analisemos, então, essa linha do tempo resumida.

Agosto de 2016: surge o guru

É dessa época a primeira evidência da relação entre Djokovic e o ex-tenista profissional espanhol Pepe Imaz, que prega "amor e paz", longos abraços e foi logo rotulado como guru (Fernando Meligeni uma vez relatou que Imaz gostava de abraçar árvores). A relação só foi conhecida pelo grande público em novembro, mas o vídeo acima, de agosto de 2016, é a primeira ilustração da parceria. Mais tarde, Nole confirmou que Imaz fazia parte de seu time, mas não como guru.

Setembro/Outubro de 2016: "Vencer slams não é mais minha prioridade"

Cerca de quatro meses depois de conquistar Roland Garros e tornar-se campeão dos quatro slams ao mesmo tempo – feito que Roger Federer e Rafael Nadal não alcançaram – Novak Djokovic disse com todas as letras: "Não quero mais pensar em conquistar títulos e ser número 1 para evitar colocar pressão em mim mesmo. Coloquei pressão demais depois de ganhar Roland Garros e não gostei." Afirmou também que "nos últimos meses, todo o papo sobre fazer história trouxe pressão demais".

Outras frases importantes: "Essa é a minha prioridade agora: voltar a ter aquela alegria interior e a sensação de felicidade na quadra, e todo o resto vem depois" e "quando eu entrar em quadra, vou querer fazer o melhor para ganhar a partida. A mudança, eu diria, está na prioridade e na mentalidade em relação ao tênis, à carreira, à minha vida. É diferente agora."

Na entrevista de setembro, em Belgrado, Nole falava de voltar ao circuito em Xangai e mencionava que o problema no cotovelo era uma microlesão que poderia se tornar em um problema mais sério. "Estou perto de 100% recuperado, mas a lesão ainda está afetando meu saque." Como sabemos hoje, ele só parou mesmo para tratar a lesão em julho de 2017, quando foi eliminado precocemente no Torneio de Wimbledon.

6 de Dezembro de 2016: fim da parceria com Boris Becker

Quando começou, poucos levavam muita fé. A combinação Djokovic-Becker, no entanto, alcançou coisas incríveis. Foram 25 títulos, seis slams e 14 Masters 1.000. Números impressionantes. O anúncio oficial tratava a separação como "consensual", embora houvesse boatos de que Becker não andava nada satisfeito com a influência do "guru" Pepe Imaz. E olha o que aconteceu uma dia depois…

7 de dezembro de 2016: "Novak não treinou o suficiente"

Um dia depois da separação, Becker "entregou" o ex-parceiro. O alemão também disse que a separação foi por decisão mútua, mas foi severo na avaliação: "Ele não passou tanto tempo na quadra de treino nos últimos seis meses quanto deveria, e ele sabe disso. Sucesso assim não acontece com o apertar de um botão. Sucesso assim não acontece apenas aparecendo em um torneio. Você tem que ralar o traseiro porque os adversários fazem o mesmo."

Março de 2017: "Tênis era minha prioridade #1 antes de Stefan nascer. Agora é o contrário"

Após a derrota para Nick Kyrgios, no ATP 500 de Acapulco, Djokovic deu a declaração acima. Sim, ele também disse "continuo jogando tênis com a mesma paixão e o mesmo amor de quando peguei a raquete nas mãos pela primeira vez" e "quero melhorar e ter uma carreira longa", mas a atitude em quadra não mostrava isso com a intensidade de antes.

Aqui vale uma observação que sempre faço quando questionam essa declaração de Nole. Stefan, seu filho, nasceu, e é normal que um pai mude suas prioridades. Não quer dizer, necessariamente, que o tênis ficará em segundo plano. Não aconteceu assim como Federer nem com o próprio Nole, que voou em quadra até Roland Garros/2016. Maaaaaas, olhando agora, dentro de todo o contexto e observando o que aconteceu depois (vide post abaixo), é uma frase preocupante.

Maio de 2017: Equipe inteira demitida

Se houve ou não influência de Imaz, o fato é que de uma vez só, Djokovic sacou de sua equipe o técnico, Marian Vajda, o preparador físico, Gebhard Phil Gritsch, e o fisioterapeuta, Miljan Amanovic. O anúncio veio em um comunicado cheio de elogios a todos, mas sem uma explicação realmente convincente. A não ser que você, leitor, tenha acreditado na teoria da "terapia de choque" que Nole argumentou na ocasião.

Maio de 2017: Agassi se junta à equipe

Era uma união improvável e que aconteceu em termos curiosos. Andre Agassi se ofereceu para ajudar Djokovic de graça. Não, o americano nunca recebeu salário. Nole, claro, aceitou a ajuda, sabendo que Agassi não poderia estar a seu lado em todos os torneios.

Novembro de 2017: Stepanek aparece na história

Ao vivo no Instagram, Djokovic apresentou Radek Stepanek como seu técnico full-time. O sérvio não competia desde julho, em Wimbledon, e só voltou no Australian Open, em janeiro de 2018.

Março de 2018: Agassi e Stepanek saem

Durante o Masters de Indian Wells, Agassi revelou à ESPN que não estava mais ao lado de Djokovic. O americano falou pouco. Disse apenas que eles discordavam com mais frequência do que o desejado. Alguns dias depois, o sérvio oficializou também a saída de Stepanek, que foi técnico oficialmente por apenas três torneios (três vitórias e três derrotas). O comunicado disse pouco, inclusive sobre Agassi. A única frase sobre o americano diz que "a cooperação entre Novak e Andre Agassi também acabou."

Resumo da história? Sim, a lesão no cotovelo afetou. Sim, a pressão para vencer os quatro slams exerceu uma carga mental violenta sobre Djokovic. E sim, o sérvio precisa de uma intervenção. Para ontem. E isso fica claro quando a gente para e pensa em tudo que está descrito acima, que aconteceu após Roland Garros/2016. Não é só falta de ritmo. Não é o novo movimento de saque. A carreira de Nole hoje é um GPS que repete enlouquecidamente a palavra "recalculando" a cada curva. Ele está perdido, sem saber como jogar, com quem trabalhar, que rumo tomar.

É triste constatar que um tenista que – repito – ganhou tanto por tanto tempo e dominou o circuito de um modo que nem Federer e Nadal conseguiram tenha estacionado em lugar como aquela estação de metrô do filme Matrix chamada "Mobil Ave." – não por acaso, um anagrama para "limbo". É preciso encontrar urgentemente uma saída. Antes que os últimos anos de sua carreira sejam desperdiçados com mais derrotas ou o pior cenário possível: um afastamento precoce como o de Bjorn Borg.

Coisas que eu acho que acho:

– Se não estava claro ainda, que fique agora: a ideia para este post veio do tweet acima, da Sheila Vieira.

– Já falei algumas vezes no podcast Quadra 18 e vou repetir agora: não vejo problema em uma queda de rendimento após Roland Garros/2016. Djokovic viveu um período de muita pressão, jogando e vencendo muito. Seria normal um período de resultados inferiores. O que não é normal é a sequência com trocas de técnicos, é entrar em quadra sem o preparo físico ideal, é perder e se mostrar pouco incomodado com o resultado. Hoje, Nole está mais longe do que nunca do sérvio vencedor da primeira metade da década.

– Volto amanhã com um texto sobre Copa Davis. O que esperar do interessante Brasil x Colômbia que vai animar o fim de semana dos fãs do tênis.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.