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Saque e Voleio

Falta de ritmo pode ser o menor dos problemas de Novak Djokovic

Alexandre Cossenza

24/03/2018 09h01

Na atual década (2011 em diante, não custa lembrar), o maior vencedor de slams não foi nem Roger Federer nem Rafael Nadal. Suíço e espanhol levantaram, juntos, 11 troféus. O mesmo número de vezes que Novak Djokovic, sozinho, fez um discurso de campeão. O sérvio, também vale lembrar, foi o único dos três a possuir, ao mesmo tempo, os títulos de Australian Open, Roland Garros, Wimbledon e US Open. Esse Djokovic foi um tenista completo, com ataque, defesa, força mental, preparo físico espetacular e uma capacidade de recuperação incrível.

Por isso – tudo isso – foi difícil reconhecer o Nole que esteve em quadra em Indian Wells e Miami, onde sofreu duas derrotas em estreias. Especialmente na Flórida, onde tantas partes de seu "pacote" lhe deixaram na mão muito cedo diante de um Benoit Paire que nem precisou fazer uma grande apresentação para aplicar 6/3 e 6/4, com quatro quebras de saque. Faltou um pouco de tudo a Djokovic, e o pior não parece ter sido a derrota ou a falta de ritmo. O que deve preocupar mesmo seus fãs tão acostumados com o aguerrido ídolo é que Nole não pareceu especialmente irritado com o que aconteceu.

Mas calma, vamos por partes. Primeiro, analisemos o que aconteceu dentro de quadra. O saque entrou razoavelmente bem (62% de aproveitamento no primeiro serviço) e com velocidade bem próxima da obtida com o movimento anterior – Nole mudou sua mecânica antes do começo do ano – alcançando uma média na casa dos 185 km/h. Para efeito de referência, Roger Federer teve 188 km/h de média na final do US Open. Djokovic também conseguiu algumas boas devoluções, sua marca registrada.

O problema mesmo foi nos ralis. O ex-número 1 esteve descalibrado, sem confiança, longe de mostrar seu impecável tempo de bola e, além de tudo isso, ofegante ainda no set inicial. Uma combinação kamikaze para entrar em quadra. Após a eliminação, Djokovic disse que foi a Indian Wells e Miami "para ver se conseguia jogar uma partida" e concluiu que "obviamente, não estava pronto para isso." Obviamente. Indagado se estará no Masters de Monte Carlo, respondeu que "não estou esperando nada. Obviamente, estou enfrentando vários desafios no meu jogo e na minha saúde. Estou tentando entender as coisas e ver o que acontece."

Por fim, o ex-número 1 declarou que ama o tênis e que infelizmente não está no nível que ele e seus fãs gostariam de ver. "Mas é o que é. A vida continua." E é essa frase que deve preocupar os fãs do Djokovic tenista. Sim, o tenista. A pessoa está com os bolsos cheios, saudável, casado, e pai de dois filhos. É mais do que a maioria da população do planeta. O tenista, porém, está longe e seus melhores dias, não mostrou o "olho de tigre" de outros dias e soa pouco incomodado com o momento (e não era essa, afinal, a queixa de Boris Becker quando os dois deixaram de trabalhar juntos?).

Ou talvez "pouco incomodado" não seja a melhor expressão. Talvez seja o caso de Nole não estar incomodado o bastante para fazer o que precisa para voltar ao topo. O caminho até lá, ele sabe melhor do que ninguém, é longo e árduo. E será que um tenista que venceu tanto, que realizou os maiores feitos da década atual, que hoje tem 30 anos e que já afirmou que suas prioridades mudaram, vai conseguir voltar a adotar a mentalidade de três anos atrás? Não é tão fácil assim e, a julgar pelos últimos jogos e pelas declarações recentes, não parece tão provável assim.

Coisas que eu acho que acho:

– Aqui cabe o mesmo comentário que fiz no texto sobre Serena Williams. Não será demérito nenhum de Djokovic decidir que não quer mais se sujeitar aos rigores do circuito. Ele tem todo o direito de escolher curtir a família, os filhos, o dinheiro e abraçar árvores no momento que achar devido. O mundo do tênis vai lamentar, mas prioridades mudam e, como Nole disse, "a vida continua".

– Importante lembrar: Djokovic afirmou que a lesão no cotovelo forçou algumas mudanças e comprometeu alguns de seus golpes. Nas entrevistas, pelo menos, o sérvio diz que abraçou a causa (a mudança na mecânica dos tais golpes) e quer voltar a 100% de seu tênis.

– De tudo que vi e não vi nos jogos de Indian Wells e Miami, o que mais senti falta foi o "sangue nos olhos" do sérvio. Não houve irritação, raquete quebrada, gritos de desabafo. Suas duas derrotas passaram uma esquisita sensação de comodismo, aceitação. Tempo de bola, preparo físico, ritmo de jogo… tudo isso é fácil de adquirir para quem tem o talento de Nole. Atitude, garra, vontade… não vêm com um estalar de dedos. Esse, para mim, é o maior desafio do ex-número 1.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.