Topo

Saque e Voleio

4 motivos para acreditar que o retorno ao #1 é o maior feito de Federer

Alexandre Cossenza

16/02/2018 18h25

Vamos com calma porque essas comparações são quase impossíveis de fazer e nunca existe certo ou errado. Existem opiniões que, por natureza, já são exacerbadas quando o assunto é Roger Federer, dono de uma lista de feitos que rivaliza em tamanho com as relações de inscritos em concursos públicos no Brasil. Só que a vitória desta sexta-feira sobre Robin Haase, que o colocou nas semifinais do ATP 500 de Roterdã, assegurou sua volta ao topo, aos 36 anos, como o mais velho #1 da história do tênis masculino.

E voltar ao topo agora é um feito que pode muito bem ser a maior realização do tenista suíço. Porque não é algo conquistado em uma ou duas semanas e porque veio diante de alguns obstáculos que Federer não teve no período de 2004 a 2008, o mais vitorioso – em números absolutos – de sua carreira. Meus argumentos para justificar a opinião seguem abaixo.

1) O físico de 36 anos

Não cabe comparar o físico de Federer com o dos outros. O suíço é privilegiado. Joga um tênis leve, suave, quase artístico, e seu corpo sofre menos com isso. Federer não é regra, é exceção. Não é tão espantoso assim que ele ainda esteja em grande forma aos 36. Dito isso, é espetacular que não se veja grande diferença entre o Federer de hoje e o Federer de 2011 ou o de 2008. Aqueles foram superados no ranking por Rafael Nadal e Novak Djokovic, mas não por falta de velocidade lateral ou resistência em partidas longas. O que é realmente admirável é a comparação Federer-Federer. Não há queda notável. Especialmente após uma cirurgia no joelho realizada aos 34.

Ver o Federer de hoje, tão plástico quanto em seus melhores dias e ainda encontrando maneiras diferentes de vencer jogos, no sol ou na sombra, em três ou cinco sets, é tão encantador quanto 10 ou 15 anos atrás. A diferença é que hoje, mais do que nunca, é preciso admirar o esforço feito pelo suíço para estar nessas condições. Porque a plástica e a leveza naturais só levam alguém até certo ponto. É preciso ralar muito para conservar isso. Muito mais do que em 2004, 2009 ou 2012, os outros períodos de reinado federesco.

2) A matemática

Roger Federer vai assumir a liderança do ranking com dois títulos de slam, três de Masters 1000 e um par (pelo menos) de ATPs 500. Até aí, nada muito acima do que é esperado de um número 1 do mundo. O que faz a diferença aqui é o aproveitamento. É preciso ver o cenário de cabeça para baixo. Federer alcança a liderança SEM JOGAR um slam e cinco Masters 1000. Só aí, são 7 mil pontos que o suíço deixou na mesa. Sete mil. É muito. Marin Cilic, o atual número 3 do mundo, tem 4.960 pontos. Contando do início de 2017 até agora, já são 62 vitórias e apenas cinco derrotas: 92,% de sucesso, uma porcentagem obscena.

É possível até imaginar que Federer não venceria tanto no saibro e que competir na terra batida poderia desgastá-lo e, quem sabe, até tirá-lo de Wimbledon. Mas não seria nada exagerado imaginar que o suíço seria capaz de somar pelo menos três mil pontos (em uma expectativa bem pessimista, ainda mais sem Djokovic e Murray em grande forma) contando o saibro e os Masters de Cincinnati e Paris. A briga pelo número 1 – que pode continuar pelos próximos meses – nem sequer existiria neste momento.

3) A evolução

Não consigo dizer que o Federer de hoje venceria o Djokovic de 2015-16 (mais sobre isso no parágrafo abaixo), mas é bem possível que o Federer de 36 anos seja a melhor versão de Roger Federer. É um tenista que tem mais atenção com os aspectos táticos, que saca tão bem quanto em qualquer outro momento da carreira, que tem o melhor backhand da vida e que aprendeu a encurtar a duração de seus jogos. Trata-se de um atleta bem diferente do que reinou de 2004 a 2008. Aquele Federer tinha recursos aos montes e ganhou 12 slams em cinco anos. O de hoje, com calendário enxuto, não vai somar aqueles números, mas é um tenista superior.

O que é apaixonante aqui é a vontade de evoluir. Nunca é demais lembrar: falamos de um multimilionário, casado e com quatro filhos, que poderia estar há anos aposentado e contando dinheiro na beira de um lago nos Alpes. Ou numa ilha grega. Ou num palácio com 18 Ferraris, 20 falcões treinados e 50 camelos nos Emirados. Tanto faz. Federer sempre quis melhorar. Trocou de técnicos (Tony Roche, Paul Annacone, Stefan Edberg, agora Ivan Ljubicic), testou raquetes e inventou jogadas (SABR). Melhorou o que parecia perfeito.

4) A freguesia invertida

Nos últimos 20 anos, ninguém dominou o circuito como Novak Djokovic fez em 2015-16. Foi a única vez que um tenista foi considerado favorito ao título em todo tipo de circunstância. Até na grama de Wimbledon e no saibro de Roland Garros, Nole foi o mais cotado no seu auge. Não por acaso, triunfou nos quatro slams em sequência, algo que Federer e Nadal não conseguiram.

Nem na primeira e longa Era Federer (2004-08) foi assim. Havia Rafael Nadal, o Rei do Saibro. De 2005 em diante, o espanhol sempre foi o favorito na terra batida. Rafa evoluiu, venceu todos os slams e somou um retrospecto assustador em confrontos diretos contra o suíço. Até 2014, eram 23 vitórias de Nadal contra 10 de Federer. Pois o suíço conseguiu inverter essa tendência e agora soma cinco triunfos seguidos contra o rival – que, destaquemos, é um adversário tecnicamente superior ao de dez anos atrás.

O grande obstáculo daqueles dias pouco incomoda o Federer que hoje é número 1. Nas 52 semanas que contam para o ranking atual, há três vitórias (Indian Wells, Miami e Xangai) sem perder um set. Frutos de um backhand melhor, de uma devolução que machuca e de um saque mortal (além de todo o resto). E lembremos que a opção por não jogar no saibro também acabou se tornando uma arma no duelo mental. Nadal não derrota Federer há quatro anos, e quanto mais tempo passar assim, melhor para a confiança do suíço.

Coisas que eu acho que acho:

– Como escrevo no alto do post, não existe certo ou errado nesse tipo de comparação. Muita gente vai dizer que ganhar 20 slams – o conjunto da obra – vale muito mais, e tudo bem. Ou o número obsceno de semifinais seguidas em slams. Ou as 92 vitórias e cinco derrotas de 2006. Ou o número total de semanas como #1. Ou os US$ 114 milhões em prêmios. Ou qualquer outro item da quilométrica lista de recordes do cidadão. E tudo bem também.

– Mas será que para um tenista como Federer é mais difícil chegar a essa idade acumulando 20 slams ou voltar ao topo somando "apenas" as 52 semanas em que ele tinha 35-36 anos? E sem disputar sete mil pontos? Para mim, é um tema delicioso para se debater vendo tênis e com uma cerveja na mão. E quem quiser falar pessoalmente sobre isso, basta me procurar no Rio Open semana que vem. O bar da Stella fica de frente para o telão da quadra central.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.