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Saque e Voleio

5 observações sobre Bia Haddad Maia, Oceania e o tabu de 53 anos

Alexandre Cossenza

18/01/2018 11h14

A quinta-feira não foi nada boa para Bia Haddad Maia, número 1 do Brasil e 70 do mundo. Na segunda rodada do Australian Open, a paulista de 21 anos foi derrotada por 6/1 e 6/1 pela tcheca Karolina Pliskova, ex-líder do ranking e atual sexta colocada na lista da WTA. Foi uma partida em que poucas coisas deram certo para Bia, e acho que vale registrar alguns pontos sobre o que aconteceu na Hisense Arena e sobre a passagem da brasileira pela Oceania.

1. Os números

Do fundo de quadra, Bia Haddad Maia cometeu 16 erros não forçados (nove com o forehand, sete com o backhand). Além disso, foram quatro duplas faltas. São 20 pontos de graça em 12 games, o que é muita coisa contra qualquer tenista. Diante de Pliskova, o tamanho do buraco ficou maior ainda. A brasileira também disparou 12 winners – dois menos que a tcheca.

O serviço da paulista entrou razoavelmente bem: 64% de aproveitamento de primeiro saque. O problema é que os pontos não vieram. Bia venceu apenas 57% dos pontos com o primeiro serviço e 15% (2/13 !!!) com o segundo.

2. Plano tático

Antes do jogo, Bia falou que sua intenção era ser agressiva, atacando primeiro e tentando movimentar Pliskova. É, afinal, o que todo mundo faz contra a tcheca, que não se mexe lá tão bem assim. Mas o dia da brasileira foi tão ruim que qualquer análise tática fica prejudicada. Bia quase nunca tomou a dianteira dos ralis. Nas poucas trocas mais longas, era geralmente Pliskova quem dava as cartas. A tcheca também saiu da defesa para o ataque com mais eficiência do que a brasileira quando precisou.

É claro que num dia em que o tenista está descalibrado, executar qualquer plano de jogo fica complicado. De qualquer modo, Bia insistiu metodicamente no que não vinha funcionando. Não tentou variações. Não tentou atacar menos e alongar pontos. Nada garante que isso funcionaria contra Pliskova, só que Bia sequer se deu a chance de descobrir isso.

3. A solidez de Pliskova

Pliskova é sabidamente uma das tenistas mais inteligentes do circuito. Suas análises sobre tática e estratégia estão entre as melhores da WTA. Ao perceber a dificuldade da brasileira em devolver mais de três bolas por ponto, a tcheca não forçou mais do que o necessário. Ditou pontos com boa margem de segurança e cometeu apenas quatro erros não forçados.

A ex-número 1 encaixou 63% de seu primeiro serviço, ganhou 79% dos pontos com ele e executou cinco aces. Também conseguiu uma porcentagem altíssima de sucesso com seu segundo saque: 71%.

4. A campanha na Oceania

Talvez tenha ficado meio em segundo plano porque Bia Haddad, ao avançar para a segunda rodada em Melbourne, se tornou a primeira brasileira desde Maria Esther Bueno a vencer um jogo de chave principal no Australian Open. A passagem da brasileira pela Oceania, porém, não teve nada de espetacular. Uma derrota na estreia em Auckland e reveses na segunda rodada em Hobart e Melbourne. Bia só somou duas vitórias, e elas vieram sobre a mesma tenista: Lizette Cabrera, uma jovem de 20 anos que é #161 do mundo.

Bia teve bons momentos contra Radwanska (que não foi nada espetacular naquele dia em Auckland) e contra Cabrera em Hobart. Em Melbourne, errou demais na estreia – e só venceu porque a fragilidade da rival permitiu uma bela reação – e na segunda rodada. Para quem é #70 do mundo, a brasileira venceu os jogos que deveria vencer, mas fez muito pouco nas partidas contra Radwanska, Mertens e Pliskova.

5. O que significa o tabu quebrado

Considerando o nível de tênis de Bia Haddad Maia, vencer Lizette Cabrera, uma jovem que vinha de quatro derrotas, era mais do que esperado. E foi esse resultado que quebrou o tabu que vinha desde 1965. Um tabu que, para mim, diz mais sobre a história do tênis feminino brasileiro do que especificamente sobre Bia e sua carreira.

Isso não é tirar mérito (pelo contrário), é contextualizar a coisa. É constatar que o tênis feminino brasileiro passou muito tempo abandonado. Sem apoio de patrocinadores, sem a devida atenção da CBT, sem público. Virou um esporte de baixinhas e lutadoras. Meninas com mais de 1,80m têm mais incentivos para jogar vôlei, um esporte de clubes, com estrutura melhor e gastos muito menores. Até o basquete, cuja modalidade feminina passou muito tempo maltratada pela CBB, é uma opção mais viável.

Por ser talentosa e alta desde pequena, Bia teve patrocinadores, ajuda financeira da CBT e da ITF. Treinou sem pagar em ótimos locais. Tanto com Larri Passos, em Camboriú, quanto hoje, na Tennis Route. Aproveitou suas chances brilhantemente e, apesar de lesões sérias, chegou longe (e ainda pode fazer muito mais). Mas quem sabe o que aconteceria se o Brasil tivesse sempre umas cinco ou dez meninas treinando com o tipo de auxílio que Bia teve ao longo da carreira? Talvez o próximo tabu dure menos de 50 anos…

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.