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Saque e Voleio

Bia Haddad: da organização made in Argentina ao salmão com arroz de Seul

Alexandre Cossenza

11/12/2017 07h00

Faz muito tempo que Bia Haddad Maia é vista como uma tenista com um enorme potencial. Que eu me lembre, com 14 anos a paulista já se destacava. Era mais alta e batia mais forte que a maioria de suas compatriotas. Diziam que era questão de tempo. Que cedo ou tarde seu jogo moderno encaixaria, e Bia seria sem dúvida uma top 100.

Demorou um pouco mais do que muitos imaginavam. Lesões aqui e ali retardaram a ascensão da paulista, mas ela aconteceu em 2017. Agora, com 21 anos, Bia Haddad Maia é a número 71 do mundo, com uma final de WTA no currículo e vindo de uma temporada de jogos grandes contra adversárias de peso?

A chave para o salto? A "organização" que o técnico argentino German Gaich trouxe. Batemos um papo durante o Challenger do Rio (Bia foi ver o namorado, Thiago Monteiro), e a número 1 do Brasil falou sobre o excelente 2017. Compartilhou suas sensações durante os jogos grandes, citou os motivos de sua evolução e contou a curiosa história do arroz com salmão em Seul, onde fez sua primeira final em um torneio de nível WTA. Role a página e curta o papo.

Foi, sem dúvida, o melhor ano da sua carreira. Em janeiro, você era #173 do mundo, agora é a #71, mas foi uma temporada que começou com um acidente caseiro em dezembro que te fez mudar planos. O que passava pela sua cabeça nesse início de ano? Inclusive nossa última entrevista foi muito pouco antes disso e você vinha super animada. Como foi esse baque?

É… No começo, fiquei um pouco surpresa. Foi da noite para o dia, mas eu aceitei rápido. Desde aquele dia, tentei pensar que nada era por acaso, que eu iria poder passar Natal e Ano Novo com a família e que não ia mudar muito. Era pouco tempo de repouso, eu ia poder voltar a seguir minha vida normal. Tentei seguir mais positiva, pensando coisas boas, me alimentar bem para recuperar logo e ficar focada no que eu tinha que fazer. Acabou que foi a melhor temporada.

Qual foi o grande aspecto de 2017 para você?

Como assim?

Eu falei "aspecto" justamente para deixar aberto, porque você poderia falar que foi a subida no ranking, que foi "melhorei isso", etc.

Ah, acho que foi a entrada do German (Gaich, argentino, seu treinador), que contou bastante este ano. Claro que todo trabalho que eu já vinha fazendo com a Tennis Route foi muito importante, principalmente na parte física, e acho que ele (German) entrou com uma maneira legal de organizar meu jogo. Acho que tecnicamente e taticamente, ele mudou bastante coisa. Fez bastante diferença para eu estar conseguindo jogar nesse nível, em que as jogadores são mais consistentes, mais rápidas e enfim… Consegui subir um pouco o nível que eu vinha jogando.

Como surgiu essa parceria? Quem colocou vocês em contato?

A gente não se conhecia. A primeira vez que eu o vi foi aqui no Rio. O João (Zwetsch) e o Duda (Matos) conheciam ele. Ele viajava com garotos para jogar ITFs de até 18 anos e aí acabei conhecendo ele na pré-temporada este ano. Ele abriu mão de estar na cidade dele para viajar este ano todo comigo. Ele é de Villa María.

Quando você diz "organizar meu jogo", ele mudou o que especificamente?

Ah, acho que tecnicamente algumas coisas no golpe, muito trabalho de pernas… Um pouco de cada coisa. E a tática do jogo, de tentar jogar mais como canhota, de usar mais meu forehand abrindo, usar as paralelas, buscar a rede… Coisas que eu estava fazendo, mas não tinha muita consciência disso. Saber o momento certo, na hora certa, o que eu poderia fazer, o que seria a melhor escolha… Acho que é mais por aí.

Qual foi o primeiro momento que você parou e pensou "este ano vai ser bom, a coisa está acontecendo"?

Acho que teve várias semanas positivas, Não teve uma, assim, que mudou. Uma das semanas que foi muito boa e que deu um clique foi Praga. Eu furei o quali e fiz quartas, ganhei da Stosur, da McHale e da Vekic e perdi para a (Krystina) Pliskova duro, na negra. Ali foi uma semana que eu consegui manter o nível durante bastante tempo. Jogadores agressivos – eu, por exemplo, que tento sempre pegar forte e tal – às vezes oscila bastante e naquela semana eu consegui ser consistente, jogando em alto nível com todas. Acho que foi a semana que deu um clique e falei "pô, acho que eu posso enfrentar elas", sabe? Meninas top 100 na época.

A vitória contra a Stosur foi mais fácil do que você imaginava quando entrou na quadra (Bia venceu por 6/3 e 6/2)?

É… Fácil, não, né? (risos). No resultado, pareceu, mas eu joguei muito bem taticamente. Eu sabia que ela tem um segundo saque muito bom, o saque kick dela é muito bom, ela corre muito também e ela é muito experiente. Eu tinha que ser agressiva desde o começo, acho que encaixou o meu jogo com o dela. Acho que eu consegui ficar tranquila também porque às vezes a ansiedade toma um pouquinho de cont, né? Nesses jogos que você pensa na adversária… Mas acho que deu certo aquele dia.

É a sua vitória preferida na temporada?

Acho que é a dela, sim.

Por ter sido a primeira?

Ah, e ela já ganhou grand slam! Acho que é.

Justo. E, além dessas vitórias, foi uma temporada de jogos grandes. Você enfrentou a Venus em Miami, a Halep em Wimbledon, a Muguruza em Cincinnati e a Ostapenko em Seul. Teve Vesnina em Roland Garros também. Conta pra mim jogo por jogo, as sensações…

É, elas são todas… Todas têm estios diferentes. A primeira foi com a Venus, acho que o emocional ali…

Você estava bastante nervosa.

É (risos). O emocional tomou bastante conta, acabei não conseguindo jogar tão tranquila. O jogo em si teve bastante erro dela e meu, mas foi uma experiência muito boa porque eu joguei à noite. Nunca tinha jogado tão tarde, quadra grande, contra uma mulher que eu assisti a vida inteira. Quando eu nasci, meus pais já viam ela jogar. Com a Halep em Wimbledon, foi um jogo bom. Eu consegui começar bem, já não senti o nervosismo que senti com a Venus, mas, enfim, acabei falhando bolas…

Você sacou em 5/3…

É. Tive chances também. Enfim, ela é uma jogadora sólida, você não pode dar muita brecha que ela aproveita. Com a Muguruza, eu senti bastante. Ela pressionou muito durante o jogo todo. Ela vinha de um momento muito bom (foi campeã em Wimbledon um mês antes e acabou levantando o troféu em Cincinnati) e realmente eu não consegui fazer ali… Fiz o meu melhor, mas não estava me sentindo bem mesmo jogando. A Ostapenko foi um jogão. Foi 6/4 no terceiro set. Eu ganhei o primeiro de 7/6. Depois, ela jogou muito bem o segundo. Talvez minha bola ficou um pouquinho mais curta e acho que a direita dela abrindo aqui… Ela tem uma cruzada baixa que é angulada, mas é funda, não sei, é muito louca. Eu até voltei ao 4/4 (no terceiro set), mas perdi o saque e acabei perdendo o jogo.

Entre Halep, Ostapenko e Vesnina, qual você acha que esteve mais perto de ganhar?

Ah, acho que Ostapenko e Vesnina. Foi o mesmo resultado, 6/4 na negra. É muito detalhe, né? Acabei perdendo o saque ali, e a Vesnina é uma excelente jogadora, também joga muito reto. Pelo saibro, eu tive minhas chances, mas não deu.

Eu tinha separado três resultados antes aqui antes da gente começar a conversar. Quartas em Praga, semi em Bol e final em Seul. Qual dos três foi o melhor momento? Praga, pelo que você falou antes?

Não, Seul. Seul. Seul foi legal (sorrindo). Foi diferente porque foi a primeira vez na Ásia. Era legal. Para essa semana, a gente veio dos Estados Unidos, e acabou que o furacão estava vindo, então a gente ficou viajando pra caramba, uns quatro dias para chegar. No aeroporto que estava aberto para ir para Dallas, ficamos uma semana lá treinando porque tivemos que sair antes, aí as malas não chegaram em Seul. Só chegaram dois dias antes de jogar. Estava dando tudo errado. A gente não conseguia nem falar direito para pedir comida. Pouca gente fala inglês lá. Aí a gente achou um restaurantezinho no metrô que um cara sabia falar salmão e arroz. Então era todo dia salmão com arroz (risos). E o cara nem fazia ideia que a gente era atleta. E acabou dando certo, né?

Você é supersticiosa do tipo que volta no ano seguinte e come no mesmo lugar?

Ah, é que na semana de Seul tem um torneio grande, que acho que é… (ninguém lembrou na hora, mas é o Premier de Tóquio) Aí pode ser que a gente mude. Mas eu não sou apegada assim de ter que voltar no torneio.

Quando a temporada é boa e a coisa vai fluindo assim, chega um momento que você não quer parar pra tirar férias e quer continuar jogando e subindo?

Não, quando eu tirei férias, eu brinquei com o German assim… Claro que é gostoso viajar quando você está aproveitando e tal. A gente nem estava no desespero. Às vezes, dá aquele desespero de tirar férias. Não, se tivesse que jogar mais, eu jogaria. Mas eu acho que a gente conseguiu cumprir os objetivos deste ano. A gente priorizou o físico, então não precisava prolongar tanto a gira da Ásia e aí a gente achou melhor tirar férias antes e começar a pré-temporada já.

Tenista curte mais as férias quando a temporada é boa?

Não. (risos)

Não relaxa mais a cabeça?

É claro que quando você trabalha, acho que não só no tênis, quando você começa a ver que seu trabalho está dando resultado, claro que você fica um pouquinho mais feliz, mas acho que… Minhas férias, eu sempre estou com minha família, minhas primas, meus amigos. O máximo que faço é… Não sei. Às vezes vou pro Guarujá, fico em casa, vou no clube. Acabo fazendo exercício também, não fico 15 dias parada, não. Mas dá pra curtir.

Nem fica mais ansiosa pra começar a temporada?

Ah, voltando a treinar, cansa um pouco mais. O coração, as pernas sofrem um pouquinho, então claro que três semanas atrás, quando comecei a treinar, você sabe que precisa se preparar muito ainda para poder jogar. Mas agora que já estou ficando em forma e jogando pontos, já dá vontade de voltar.

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Você estava falando que a partir de um momento, você começa a ver e acreditar que pertence àquele grupo, que consegue jogar com elas e tal. Você já está à vontade nos WTAs? Pergunto isso porque todo mundo fala que tem um período de adaptação.

É muito diferente.

Tanto de ambiente, porque você está com pessoas diferentes e pode ser difícil arrumar um parceiro de treino, quanto de nível de jogo.

É, eu senti bastante diferença dos Challengers pros WTAs, mas acaba que muitas meninas que jogam os qualis dos WTAs são as que jogam Challenger também. Acaba que o ambiente muda um pouco… Acho que as meninas são mais fechadas na WTA. Mas em questão de quadra e clube, tem Challengers que são muito bons também.

E de nível de jogo?

Já (está à vontade). Tem muita menina que estou conhecendo que já joguei contra ou que estou treinando. Elas também estão me conhecendo e acostuma. O jogo é o jogo. Challenger Future ou grand slam.

Qual vai ser a diferença de expectativa quando você entrar num grand slam agora? Sendo 70 do mundo comparando com quando você era 170?

Ah, zero.

Nada?!

Nada. Não.

Você não espera fazer quartas ou algo assim?

Não, eu acredito que nesse nível, principalmente no feminino, qualquer uma pode ganhar de qualquer uma. A Ostapenko comprovou isso sendo 40 e pouco, 50, e ganhando um grand slam. E isso é bom porque acho que todas as meninas acabam acreditando. Inclusive eu, mas sem se pressionar. Quando é para ser, vai ser. Estou bem preparada. Posso enfrentar qualquer menina e…

Mas você acreditava do mesmo jeito no começo do ano passado?

Ah, não. Um ano atrás, não. Não dá pra falar. A minha cabeça… Hoje eu acredito muito mais em mim que a Bia de um ano atrás contra essas meninas. Com certeza.

E o que falta para seu jogo chegar mais longe? É muito, é pouco? E de onde isso vai vir?

É muito ajuste. Melhorar… (pausa) Tudo, né? (risos) Tenho que melhorar meu saque, minha movimentação…

Todo mundo fala que tem que melhorar tudo, e eu sei que é verdade, mas vamos fazer só uma hipótese aqui… Se você só puder melhorar uma coisa, o que você vai escolher?

Ah, vou treinar tudo! (risos)

Ah, Bia… (risos)

Ah, acho que minha cabeça, um pouco do meu… Tudo! Tem que treinar tudo. Não tem nada a mais.

(risos) Você sempre fala da movimentação e que como você tem 1,85m, nunca vai se movimentar como uma Halep na quadra. Você está satisfeita hoje com o que você tem de velocidade lateral, de arranque…

Estou feliz com a evolução, mas tenho que melhorar muito também. É uma das coisas que eu boto como objetivo.

Você se acha muito mais lenta que a Kvitova, por exemplo, que é quem você sempre cita como alguém a "copiar"?

Não acho que lenta, não. É mais a questão de conseguir enxergar o jogo. Tem caras como Djokovic, Federer, Halep, Muguruza… Às vezes você assiste o jogo e se tapar o corpo, as pernas nem parecem que são tão mais rápidas que pessoas que ficam intensas o tempo inteiro, se mexendo e tal. Elas conseguem cortar o tempo e olhar a bola, pegar um pouquinho mais na frente, vão ganhando um milésimo de segundo e acabam sendo às vezes mais rápidas.

Você fala de reação e de ler o jogo, né?

É, você tem que saber ler, enxergar, se mexer bem e saber usar curva, ângulo…

E isso você já faz muito melhor do que no começo de 2017?

Ah, aprendi bastante com o German, mas ainda tem que melhorar muito.

E teve um pior momento na temporada?

É normal, tenista ganha e perde. Não tem nenhum momento que eu descartaria. Se eu perdi, aprendi alguma coisa.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.