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Zormann e a lição do juvenil: 'Hoje, eu não buscaria tanto as vitórias'

Alexandre Cossenza

16/11/2017 08h51

Uma das minhas muitas pequenas implicâncias no tênis é com frases iniciando com "Orlandinho e Zormann". De certo modo, é como se tratassem Zormann como uma espécie de amigo/primo pobre. Aquele de menos sucesso, menos potencial, menos tudo. Até entendo por que isso acontece. O gaúcho teve mais resultados como juvenil. Foi número 1 do mundo na faixa etária. A maior atenção se justifica.

O que não se justifica é menosprezar o paulista. Como profissional, Zormann tem um título de Future a mais (3 a 2). Quando Orlandinho levantou seu primeiro troféu, o amigo já tinha duas conquistas no currículo. E, embora aparentemente tenha problemas para derrotar o colega no truco – algo que testemunhei nos últimos dias – Zormann merece um pouco mais de atenção como atleta.

Aproveitei minha vinda ao Future IS Open Santos, onde estou a convite do Instituto Sports, para finalmente conversar cara a cara com Zormann. O que vi foi um garoto antenado no circuito, consciente de seus desafios e que sabe que teve problemas para lidar com uma temporada abaixo das expectativas (hoje, o paulista é o #706 do ranking depois de abrir 2017 como #546) e que perdeu um patrocínio importante, mas tem já planos para compensar a falta de dinheiro.

Foi uma conversa bem interessante, especialmente quando Zormann fala sobre contemporâneos juvenis que já estouraram no profissional, como Karen Khachanov e Andrey Rublev. Mais interessante ainda foi ouvir o que o paulista, agora com 21 anos, diz que teria feito de diferente antes de completar 18. Foi essa declaração que rendeu o título desta entrevista (e é algo que vai ao encontro do que conversei com Fernando Meligeni aqui em Santos recentemente – e que também estará no blog nos próximos dias). Leiam, entendam e conheçam melhor Marcelo Zormann.

Depois do seu primeiro jogo, você deu uma entrevista para o Instituto Sports dizendo que 2017 vem sendo um ano "bom e ruim". Você começou o ano como #546 do mundo e agora é o #706. Foi o primeiro ano desde que virou profissional que você perdeu mais do que ganhou. Como se administra isso?

Tenho que admitir que é muito difícil. Acho que também foi um pouco disso que acabou me atrapalhando e fazendo que eu entrasse numa sequência muito ruim, e eu, sinceramente, não soube lidar com essa questão. Eu tinha uma expectativa um pouco melhor para este ano. Ainda tenho este torneio e mais quatro até o final, então posso acabar recuperando e terminando com o ranking um pouco melhor, mas foi bem difícil. Agora que estou entendendo melhor todo o processo, essa questão da transição que acaba demorando um pouco mais. Eu também joguei quase todos meus torneios na Europa. Joguei na Tunísia também. Isso dificulta um pouco porque às vezes num Future, como aqui, que eu acabo pegando um jogo mais tranquilo, é muito difícil. Querendo ou não, parece que esse jogo não te traz tanto esforço para ganhar, mas acaba dando uma certa confiança.

Eu lembro que a entrevista que fiz com o Clezar, em Campinas, ele dizia que a principal diferença entre Futures aqui e na Europa é que aqui às vezes você tem jogos fáceis e que lá, a a frase que ele usou foi "não tem furo na chave". Não tem um cara que não saiba jogar.

A entrevista dele, na realidade, eu li e foi muito bom para mim.

É? Que legal!

Porque tipo… Ele é um cara que talvez serve um pouco de modelo para nós porque passou muito rápido por essa fase. Ele não ficou tantos anos assim nos Futures. Mas foi o que ele falou: "terminei um ano 200 e pouco, mas jogando só aqui no Brasil". Agora ele foi jogar uns Futures e acabou perdendo segunda rodada, não lembro exatamente. É isso, basicamente, que acontece. Muitas vezes, de fora, até nós mesmos olhamos o ranking de um cara que é um pouco pior, só que o cara joga bem. Talvez não tenha tanta regularidade, mas joga bem.

Ano passado, nessa época, você fez a gira de Challengers na América do Sul. Quali, chave, quali, chave… E agora você tem um calendário de Futures. No que se baseou essa escolha de calendário?

Ano passado, foi a minha primeira gira só de Challenger. A ideia era tentar furar um quali ali, tentar dar um salto maior, que nem aconteceu com o Sorgi. A gente estava viajando junto na época quando ele fez a semi em Guaiaquil. Era o que eu estava buscando, mas não consegui. Este ano, busquei jogar mais Futures para ter um volume, um número de jogos e subir no ranking. Infelizmente, acabou não acontecendo.

Sei que não é mais novidade para você, mas qual foi a parte mais dura do seu primeiro ano como profissional? É a parte técnica/física, de pegar caras mais velhos e mais fortes, ou é a questão financeira de ter que começar a pagar um calendário cheio?

Sinceramente, o pior ano mesmo está sendo agora. Acho que o primeiro ano nem foi tão duro. Nessa questão física, eu não tenho problema. Consigo ficar 3h em quadra e no outro dia estar bem. Tenho bastante confiança no meu físico, isso me ajuda bastante. Mas este ano, por eu não ter conseguido fazer uma final, ter ganho, ou mantido meu ranking ali por 550, isso está sendo mais difícil para mim. A questão financeira acabou pesando um pouco também.

Muito feliz com titulo do future aqui de Bol na Croacia !!! #issoéentrega #engemon #asics #head #pacific

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Quando você fala que é mais difícil porque não está ganhando jogo, quer dizer mais difícil para a cabeça, né?

Basicamente isso. Treinando, eu sinto que sou um jogador melhor. Tenho melhor nível do que no ano passado, quando era juvenil ou quando tive alguns resultados, mas estou com essa dificuldade de colocar isso em quadra na competição, sabe? É uma coisa em que eu venho trabalhando. Não vai acontecer da noite para o dia, mas venho batalhando para isso. E também acho que acabei, vendo agora, assim, depois, colocando um pouco demais de pressão em cima de mim. Eu queria muito os resultados, queria ir bem e acabou que não aconteceu. Isso acaba frustrando um pouco.

Eu falo sempre que isso é uma bola de neve. Quanto mais você se pressiona, mais o negócio complica…

É! E eu sei! Todo mundo sabe, mas fazer na prática é muito mais difícil.

Pois é. Identificar talvez seja o menos complicado do processo. Mas o que se precisa fazer para evitar, né? A solução não é tão simples. Você olha o Kyrgios… Um puta jogador. Tem todos os golpes. Tem jogo que ele começa a discutir com o árbitro e volta jogando bem, mas tem jogo que ele discute e sai da partida. Esse processo é complicado. Não tem fórmula mágica.

E aceitar também. Muitas vezes eu ia antes de um jogo, sentia que eu estava tenso, nervoso, mas não queria aceitar a situação. Se você não aceita aquilo, você acaba não fazendo o que tem que fazer para superar o problema.

E financeiramente, como estão as coisas? Eu sei que a CBT te ajuda ainda com treinamento na ADK, mas e o que mais?

A CBT ajuda com treinamento e algumas viagens este ano também. Eu tinha um patrocinador, que é uma empresa de São Paulo, de engenharia, chamada Engecon, e a partir do ano que vem, não vou ter mais. Então ano que vem eu vou acabar buscando jogar mais torneios de grana, que aqui no Brasil está tendo muitos. Como está muito caro para fazer Future, os caras acabam fazendo bastante torneio de grana. Acho que é bom também. Eles ajudam com as despesas e tudo mais, e é uma maneira de competir e não ficar só juntando dinheiro parado. Vou tentar também jogar uns Interclubes na Europa.

Como se faz para conseguir uma vaguinha num Interclubes?

Eu não sei, na realidade. Eu estava conversando com o (Fabrício) Neis, ele joga por um time da Alemanha. Acho até que subiram para a segunda divisão agora, não sei exatamente. Comentei com ele para ele ver e a gente jogar junto.

Paga bem?

Depende muito do jogador, da divisão e tudo mais. Dizem que você consegue tirar, em média, uns 800 euros por jogo na Itália, que paga um pouco melhor. Na Alemanha, se não me engano, são sete domingos, então é uma grana muito boa, ainda mais convertendo para a nossa moeda. É uma grana que se for fazer em Futures…

Não é o ideal pensando em circuito, mas chega uma hora que não tem solução, né?

É, mas acaba sendo bom também. Lá tem caras desconhecidos, que não têm ranking, só jogam torneio de grana, e você pode acabar se surpreendendo. É um nível bom até, dependendo da divisão que você joga. Acaba sendo um treino, e você faz um dinheiro.

Hoje, com o o que você tem de dinheiro e ajuda, consegue montar um calendário do jeito que você quer pensando em 2018? Ou melhor, nem 2018. Em 2017, você já conseguiu jogar o que queria?

Este ano, eu consegui. Eu tive esse patrocinador e consegui. Claro que tive que fazer duas giras de três meses seguidos porque as passagens estavam muito caras para ir e voltar e tudo mais, mas consegui ficar lá (na Europa) e não ter nenhum problema.

Olhando o seu histórico de juvenil na página da ITF, o nome que mais aparece repetido é o Khachanov…

(risos)

Você jogou com ele umas cinco ou seis vezes, ganhou e perdeu, em jogos e torneios importantes…

Na realidade, a primeira vez que eu joguei com ele foi no Mundial de 16 anos, que foi em Barcelona. A gente caiu num grupo que era nós, Japão, EUA e Rússia. A Rússia… A Rússia eu vou deixar por último (risos). O Japão era o mais fraco… A gente perdeu para os três, mas os EUA eram o Donaldson (atual #53 aos 21 anos), o Rubin (21 anos, atual #201) e o Kozlov (19 anos, #135 hoje). E a Rússia era Medvedev (21 anos, #65), Khachanov (21 anos, #45) e Rublev (20 anos, #39). Os três estão top 100 hoje. O Rublev era mais novo. Ali foi a primeira vez que eu joguei com o Khachanov. Foi um jogo duro, pegado, mas via um pouco a diferença de nível. Depois eu peguei ele no primeiro ano de 18, duas semanas seguidas na grama. Muito difícil jogar com ele. As chances que eu tinha para quebrar, tomava sempre ace. E em Roland Garros, onde eu ganhei dele, foi um jogo com chuva, para, volta… Eu cheguei a ganhar por 9/7 ou 8/6 no terceiro (o placar foi 6/7(3), 6/4 e 9/7), que é set longo. Foi uma das melhores vitórias da minha vida, não só pelo fato de hoje ele ser quem é. Na época, ele já era…. Até tinha entrado com ranking profissional, não tinha ranking juvenil. Era um cara que era um grande desafio para mim. Eu tive que jogar meu melhor o tempo inteiro.

Não é uma crítica, até porque a intenção aqui não é comparar nada nem ninguém, mas eu até toquei nesse assunto com o Orlandinho quando falei com ele sobre o Rublev em Campinas… E eu quero saber sua opinião para explicar por que o sul-americano, de modo geral, demora mais para chegar nesse nível? É dinheiro que falta, é falta de gente forte para treinar, falta de treino, falta de técnico, o que você acha?

Acho que tem muita coisa envolvida. Essa questão de talvez ter poucos torneios e ter que viajar nem é a principal. Acho que uma das principais é a questão do amadurecimento. Às vezes aqui a gente acaba valorizando demais uma carreira juvenil. Criam-se expectativas muito grandes. A cultura também é um fator importante.

Você diz de o brasileiro ser mais apegado à família e esse tipo de coisa?

Não diria por esse lado. Acho que até nós, jogadores, acabamos criando uma pressão de querer despontar logo. Lá fora, acabam saindo esses jogadores (as exceções, como os top 100 mais jovens), mas porque o número de jogadores é muito maior. Se lá existem, por exemplo, 500 mil jogadores, vai sair jogador novo. Aqui, a gente acaba não fazendo. Aí tem a pressão familiar, a pressão de si mesmo… E também tem uma coisa que eu percebi, que é boa e ruim. Isso me ajudou bastante nos resultados juvenis, mas talvez no juvenil eu teria feito algo diferente. Eu não buscaria tanto as vitórias assim. Eu buscaria jogar de uma forma – não que eu joguei passando bola ou algo assim – mais solta, sabe? Procurando fazer coisas diferentes. Eu treinava e, no jogo, tinha aquela dúvida. No juvenil, o Zverev mesmo, que a gente acompanhou bastante, ele não tinha uma direita tão boa, mas estava sempre buscando bater forte a direita. Ele errava uma na parede e quando a próxima vinha, ele não tirava a mão para a bola ir dentro. Ele batia mais forte ainda. Isso vai criando uma confiança, vai fazendo o cara evoluir para competição, o que é importante, mas existem muitos outros fatores.

Isso é algo que você vem tentando fazer hoje em dia? Ou é tarde demais? Ou melhor, existe um "tarde demais" para essas coisas?

Acho que não. É uma coisa que eu venho buscando, sim. É trazer a competição para mais próximo do treino. Eu, treinando, eu sei a diferença. Eu chego na Davis, eu bato de frente, por exemplo… Em Belo Horizonte, na quadra rápida, cheguei a ganhar um set de treino do Rogerinho. Talvez se fosse um Challenger, eu não ganharia. Claro que não é uma base concreta, o cara está treinando de repente uma coisa que ele não faz, não sei. Mas, mesmo assim, é o Rogerinho. O próprio Bellucci mesmo eu consigo fazer frente, mas na competição não consigo fazer isso tão solto. É uma coisa que eu ainda estou buscando.

E é um momento mais difícil para fazer isso, né? Porque se você entra no juvenil, perde dois jogos, tudo bem. "Estou evoluindo, posso perder." Depois, no profissional, se você perde dois ou três jogos, você perde ponto, deixa de somar, não ganha dinheiro… É mais complicado. E aí vem o que você falou sobre a pressão…

É! Daí você vai se pressionando porque o ranking cai e você não ganha muitos jogos e assim vai indo. E no profissional os caras percebem isso também. O cara vão olhar seu seu histórico e ver que você tomou três primeiras rodadas… O cara já entra "vou pra cima desse cara que ele não está jogando bem", sabe? São várias coisas. Os caras são mais experientes também.

Vou te fazer a mesma pergunta que fiz ao Orlandinho sobre o Rublev. O Khachanov joga hoje muito diferente em comparação com quatro anos atrás?

Não. Eu acho que não. Acompanhei um pouco do Next Gen Finals. Todos eles eu vi jogar e joguei contra alguns ali. Não acho que está muito diferente ou que os caras melhoraram demais. Acho que, por exemplo, com o Khachanov e o Medvedev, que são caras mais altos, o saque é uma coisa que ajuda bastante. Em uma semana na quadra rápida que o cara está sacando um absurdo, o golpe fica confiante, o cara vai lá e ganha um Challenger, por exemplo. Mas caras como o Rublev, que saca bem, mas não é o saque que faz o jogo dele, desde a vez que jogou com o Orlando em Roland Garros… Ele joga do mesmo jeito. Tanto que quando ele está mal no jogo, ele começa a colocar tudo para fora. Ele perde a sensibilidade, bate muito forte. Mas ele vem fazendo isso há muito tempo. Isso é que é um pouco diferente. É o que eu falei sobre o juvenil. O cara veio formando o jogo dele para o profissional. É o nosso objetivo também, mas na prática, valendo mesmo, temos essa dificuldade.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.