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Saque e Voleio

Um confronto para o Brasil nunca esquecer

Alexandre Cossenza

18/09/2017 04h00

Sabe aquela entrevista com o jogador de futebol saindo do gramado nem tão chateado com a derrota e com o discurso pronto? Ele vai sacar frases de uma lista que tem "o importante é que o time lutou até o fim", "infelizmente não deu", e "agora é olhar pra frente e pensar na próxima partida". Esse é o mesmo livrinho que tem o velho "foi um jogo pra esquecer", que parece ser o caso do Brasil que tinha uma chance rara e foi a Osaka enfrentar o Japão pelos playoffs da Copa Davis.

Parece, mas não é. Porque desde a convocação, há muita coisa que a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), seu presidente, Rafael Westrupp, o capitão João Zwetsch, Guilherme Clezar, Thiago Monteiro e o resto da delegação não podem esquecer. Nunca. A série de eventos que terminou na derrota por 3 a 1 diante de um Japão que não tinha Kei Nishikori, Yoshihito Nishioka nem Taro Daniel compõe um dos episódios mais lamentáveis da história do tênis brasileiro.

1. Rafael Westrupp não pode nunca esquecer que ele, enquanto ocupar o cargo máximo da CBT, não tem o direito de se comportar como o primo bêbado de uma pessoa famosa e sair postando vídeos com o tipo de ofensa que foi dita junto ao nome de um adversário. Westrupp não é o primo bêbado. Nessa equação, ele é o famoso. Quando assumiu a presidência da modalidade no país, ele perdeu o direito de pensar pequeno e de agir com a mentalidade de quem faz bico pra ganhar a vida. É preciso que ele aja e se comporte como o cargo exige. Simples assim. Apagar post e fingir que não aconteceu não é comportamento de dirigente que precisa dar exemplo.

2. João Zwetsch não pode nunca esquecer que é essencial manter um nível mínimo de comunicação com sua já pequena lista de convocáveis. A demora a contactar Rogerinho, o número 1 do Brasil, e informá-lo sobre seus planos fez o paulista recusar a convocação quando ela veio após a notícia da lesão de Thomaz Bellucci. O problema de comunicação (e de consideração, por que não?) do capitão fez o país perder a chance de ter um tenista experiente em um confronto que pedia maturidade. Em vez de contar com Rogerinho, Zwetsch se viu quase forçado a escalar Guilherme Clezar que, além de não viver seu melhor momento, jogava um Challenger no saibro e na altitude e nunca venceu um jogo de nível ATP na vida.

2.1 Que também não se esqueçam disso Daniel Melo e André Sá. Pelo que ouvi, o irmão de Marcelo é o mais cotado para assumir o lugar de Zwetsch, que já pensa há algum tempo em deixar o posto de capitão. O fiasco de Osaka talvez seja o momento escolhido pela CBT para efetuar a troca.

3. Guilherme Clezar não pode (e certamente não vai) nunca esquecer que seus gestos, em eventos de maior porte, serão observados e analisados com pente fino. Pela imprensa, pelo público e pela ATP – ou, no caso, pela ITF, que decidiu multá-lo em US$ 1.500 pelo gesto que ofendeu muita gente. Sim, o gaúcho se arrependeu e pediu desculpas, mas talvez ele só tenha percebido a gravidade do que fez por causa da repercussão. Clezar agora sabe não apenas que aquele gesto específico ofende muita gente, mas tem a noção de que precisará se comportar melhor quando e se começar a jogar torneios de nível ATP com mais frequência.

3. 1 Clezar se arrependeu e pediu desculpas, mas será mesmo que a CBT não deveria ter se pronunciado sobre a questão? Será que ninguém na entidade acha que é preciso dar uma satisfação pelo comportamento de um atleta enquanto este veste as cores do país? Ou devemos achar que fãs, tenistas juvenis e todos relacionados ao tênis brasileiro não merecem uma satisfação? Pelo que (não) se notou, parece que
Correios, Peugeot e Companion (ninguém se manifestou) são o tipo de parceiro que não se preocupa tanto assim com a boa imagem do esporte nacional.

4. Thiago Monteiro não pode nunca esquecer que seu tênis precisa de mais. Mais variação, mais opções, mais inteligência. Em Osaka, o cearense apresentou muito pouco além da louvável luta para esticar o primeiro jogo contra Go Soeda, ainda na sexta-feira. Nessa mesma partida, porém, faltou leitura de jogo e faltou explorar melhor o esgotamento do rival. Na segunda-feira, contra Yuichi Sugita, Monteiro bateu muito e errou muito. Faltou tentar coisas diferentes. Faltaram slices, curtas, voleios e subidas à rede eficientes. Quase toda vez que sai do fundo de quadra, Monteiro encontra problemas. Suas deficiências se repetiram durante boa parte da temporada e agora, para piorar, estão mais conhecidas no circuito.

5. A Confederação Brasileira de Tênis não pode nunca esquecer de incluir, numa delegação de 15 pessoas, um fotógrafo ou, pelo menos, um assessor de imprensa. Não é coincidência a falta de fotos – em todos veículos de imprensa – com boa visualização dos patrocinadores da entidade.

6. A Confederação Brasileira de Tênis não pode nunca esquecer do tamanho do estrago que faz um texto mal redigido. A situação de Guilherme Clezar só piorou quando a entidade publicou em sua conta no Facebook um texto dizendo que houve uma "interpretação equivocada" do gesto do tenista gaúcho. O atleta se explicou melhor quando conversou comigo e refleti sua intenção neste post. Dizer, no entanto, que o mundo inteiro deu uma interpretação errada ao gesto é de uma ingenuidade sem tamanho. Todo mundo viu o que aconteceu – inclusive a ITF, que multou o brasileiro. Ou será que a Federação Internacional de Tênis se equivocou na interpretação também?

6.1 Cliquem acima e leiam: os comentários dos seguidores da CBT no texto citado e incluído acima dão a noção exata de quão ruim foi a tentativa da entidade de apagar esse incêndio. A lista inclui até um "Hahaha ! Tô de camarote !" postado por João Souza, o Feijão.

7. A Confederação Brasileira de Tênis não pode nunca esquecer que seu dever é dar aos tenistas e ao país as melhores condições possíveis para vencer um confronto. No fim das contas, quem ganha e perde sempre são os atletas, mas a entidade nunca pode se isentar de culpa, seja na escolha de uma sede que ajuda o time visitante (como Florianópolis contra a Croácia), seja na formação e na escalação de uma equipe que vai enfrentar os playoffs. A CBT, como conjunto, falhou feio em Osaka.

Coisa que eu acho que acho:

– A única nota positiva do fim de semana fica por conta da vitória de Bruno Soares e Marcelo Melo. Ano entra, ano sai, e a dupla mineira continua sendo o ponto mais sólido do Brasil. É de se lamentar que os dois não tenham mais apoio dos simplistas.

– É mais fácil fazer piada e desmerecer as críticas do que refletir, fazer autoanálise e considerar seriamente o que precisa mudar. Enquanto a CBT continuar liderada por gente que se acha autossuficiente e só se elogia em público (e eles mesmos se criticam nos bastidores), o tênis no Brasil seguirá com vários dos velhos problemas que o atormentam desde a gestão Lacerda. Trocar posts e dar parabéns no Instagram não vai desenvolver tenistas nem fazer brotar um centro de treinamento, muito menos ganhar confrontos de Davis.

Notinhas sobre outros brasileiros:

– Teliana Pereira, que não joga desde junho, está dando um tempo do tênis. A pernambucana, que já foi top 50 e ocupa hoje o 344º lugar na lista da WTA (texto escrito às 3h35min de segunda-feira), vai se casar em outubro.

– Thomaz Bellucci não é mais agenciado pela IMM e também dispensou a assessoria de imprensa que mantinha desde 2007. Segundo o blog de José Nilton Dalcim, Bellucci será representado pela Linkin Firm, empresa de Márcio Torres que também agencia Bruno Soares, Thiago Monteiro e Teliana Pereira. É certamente uma mudança radical. Se isso significa que Bellucci está motivado para voltar a brigar por coisas maiores no circuito, ainda é cedo para saber. Esperamos que sim.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.