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Sobre abandonos, cinco sets, 'prize money' e Marcos Daniel

Alexandre Cossenza

04/07/2017 17h20

O segundo dia de Wimbledon foi um tanto frustrante para quem tinha ingressos da Quadra Central. Primeiro porque o adversário de Novak Djokovic, Martin Klizan, abandonou no início do segundo set. Depois, na partida seguinte, foi a vez de Alexandr Dolgopolov, rival de Roger Federer, desistir na segunda parcial. E nem foram as únicas desistências do dia. Ao todo, a primeira rodada viu oito abandonos.

Toda vez que tenistas começam a cair lesionados na chave masculina, levanta-se a tese: será que não é hora de mudar para melhor de três sets? O tênis não estaria pedindo demais do físico dos atletas, impossibilitando duelos de cinco sets? É inegável que o esporte está mais exigente no aspecto físico do que anos atrás, mas a resposta para as duas perguntas levantadas neste parágrafo passa por uma série de questões.

Uma delas, claro, é a questão da melhor de cinco sets. Se um tenista sente dores no primeiro set e perde a parcial, ele sabe que será difícil ficar mais três (pelo menos!) em quadra. Ainda mais se o adversário for de nível sabidamente superior (no caso de hoje, Federer e Djokovic). É melhor abandonar e preservar o corpo do que agravar uma lesão em uma partida fadada a um resultado negativo. E não é só isso. A questão dos cinco sets também é matemática. Se o jogo demora mais, é maior a chance de alguém sentir uma lesão durante o confronto. Óbvio.

Só que há outros aspectos que precisam entrar nessa conta. Os torneios de cinco sets são os mais importantes do circuito. Valem mais pontos. Ninguém quer ficar fora. Logo, vários tenistas com lesões leves que se poupariam em um ATP 250 tentam entrar em quadra nos slams. É perfeitamente compreensível. Você, leitor, desistiria facilmente de participar de um evento tão importante? Pois é. Alguns desses que tentam não conseguem jogar e abandonam no meio de suas partidas. É outro fator.

Assim como é um fator inegável a preparação exigente para esses slams. Antes de Roland Garros, por exemplo, muita gente joga em Monte Carlo, Barcelona, Madri e Roma. São quatro torneios fortes, com partidas longas e pouco tempo de descanso entre eles. Não é por acaso que vários tenistas chegam a Paris com dores aqui e ali. Assim como outros escorregam, torcem tornozelos e joelhos ou lesionam as costas na grama antes de Wimbledon. Este ano, por exemplo, Kyrgios se lesionou em Queen's e tentou jogar em Wimbledon. Não deu. Entrou para a estatística dos abandonos. Logo, nota-se que o calendário também pesa bastante nesses números.

Por último, abordo a questão do prêmio em dinheiro, o famoso "prize money". Os slams pagam bem. Quem perde na primeira rodada da chave de simples em Wimbledon embolsa 35 mil libras, o que equivale a cerca de R$ 150 mil. E nem precisa terminar o jogo. Basta pisar na quadra. Imagine que você, leitor, é um tenista que ocupa ali por volta do 80-90º lugar no ranking, misturando ATPs e Challengers no calendário. Jogaria fora esse dinheiro por causa de uma lesão? Não é segredo que há tenistas lesionados que entram em quadra por causa do prize money. Estou longe de sugerir uma redução nesse valor (até porque não é algo que acontece com tanta frequência assim), mas é preciso levar em conta tal fator.

Isso me lembra do caso de Marcos Daniel, que completa 39 anos nesta terça-feira. O gaúcho sentiu dores no joelho durante os treinos em Melbourne, pouco antes do Australian Open de 2011. Não tinha patrocinador, não era apadrinhado da CBT e precisava do dinheiro (20 mil dólares australianos). Só que, para receber o cheque, precisaria entrar em quadra contra Rafael Nadal, que na época era campeão de Roland Garros, Wimbledon e US Open. Daniel assumiu o risco de passar vexame na Rod Laver Arena e foi jogar. Abandonou quando perdia por 6/0 e 5/0. E o que pouca gente lembra sobre aquele episódio é que o primeiro alternate era Rogerinho. Antes do jogo, o gaúcho foi conversar com o paulista. Disse que estava lesionado e que precisava do dinheiro. Por isso, entraria em quadra. O compatriota entendeu.

Resumindo: reduzir os slams para melhor de três sets resolveria a questão? Longe disso. É possível que em vez de desistências, teríamos atletas se arrastando por três ou quatro games até o fim de suas partidas. Em que mundo isso é melhor do que um abandono precoce? Não me parece fazer sentido.

A melhor opção parece ser a já adotada pela ATP – e ressaltada por Djokovic nesta terça-feira: em caso de problema físico, o tenista pode abandonar o torneio antes de sua estreia e, ainda assim, receber o prêmio em dinheiro pela primeira rodada. Cada atleta tem direito a esse prize money em até dois torneios (não-consecutivos) por temporada. A ITF, que regula os quatro slams, não adota a mesma regra. Quem abandona antes da estreia em um slam fica sem dinheiro. Andy Murray já falava disso em 2015.

Coisas que eu acho que acho:

– Mantendo a conta: até agora, Wimbledon já soma oito abandonos: Nick Kyrgios, Denis Istomin, Viktor Troicki, Alexandr Dolgopolov, Martin Klizan, Janko Tipsarevic, Feliciano López e Anastasia Potapova (o único na chave feminina).

– A questão do prize money também vale para tenistas que não têm grandes pretensões no torneio, mas aparecem para receber um cheque gordo. Em Wimbledon, sempre dá para perceber isso olhando os placares, as atitudes e o histórico de alguns tenistas no All England Club. Tem gente que não faz nem questão de se preparar na grama. Ninguém quer deixar 35 mil libras em cima da mesa.

Second round ✅ See you again at the prestigious London address #sw19🎾

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– Sobre os resultados do dia, nenhuma grande surpresa a comentar. Todos favoritos venceram sem sustos, inclusive Karolina Pliskova e Angelique Kerber, que brigam pela liderança do ranking mundial.

– A lamentar mesmo, mais uma derrota de Thomaz Bellucci. O paulista foi superado pelo desconhecido austríaco Sebastian Ofner, de 21 anos, que nunca na vida havia vencido uma partida de nível ATP. O jovem de 21 anos fez 6/2, 6/3 e 6/2. Em oito participações no slam da grama, Bellucci agora soma quatro vitórias em 12 jogos. Sua melhor campanha veio em 2010, quando superou Ricardo Mello (#92), Martin Fischer (#164) e caiu diante de Robin Soderling (#6). Mello, aliás, foi o último top 100 derrotado pelo paulista em Wimbledon. Sete anos atrás.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.