Topo

Saque e Voleio

Tipsarevic: ateu, questionador e irônico até nas tatuagens

Alexandre Cossenza

19/02/2017 06h00

Janko Tipsarevic não é um tenista comum. Ele pensa, fala e age diferente. Hoje com 32 anos, o sérvio já foi descrito como alguém que mais se assemelha a um professor universitário de filosofia do que a um tenista "comum". Os óculos ajudam a dar essa impressão. A tatuagem no braço esquerdo, uma citação de um livro de Dostoiévski, reforça.

Não que os feitos tenísticos de Tipsarevic sejam "comuns". O sérvio foi top 10 em 2012 e acumulou mais de US$ 7 milhões ao longo da carreira. Quando sofreu sérias lesões que surgiram cerca de três anos atrás, poderia ter se aposentado com seus livros de filosofia. Preferiu passar por quatro cirurgias (duas no pé esquerdo, uma no joelho direito e um implante de células-tronco no tendão do mesmo joelho) e voltar. No período, ficou sem jogar por 18 meses. Retornou, jogou cinco meses e parou por outros nove.

O Rio Open, depois de dois resultados frustrantes em Quito e Buenos Aires, é o próximo passo desse retorno. Atual número 94 do mundo, Tipsarevic recebeu um wild card para o ATP 500 carioca e conversou comigo neste sábado, antes de saber que enfrentaria Dominic Thiem, cabeça de chave #2, na estreia. O papo foi … filosófico. Conversamos sobre os lados bom e ruim das sensações que o tênis desperta. Também falamos de Dostoiévski (ele falou, na verdade) e, brevemente, sobre moda – sua esposa é uma conhecida estilista. E, por fim, falamos de sua expectativa para o Rio Open.

A íntegra da entrevista está abaixo e espero que vocês curtam tanto quanto eu gostei de fazê-la.

Você já fez bastante no tênis e está bem resolvido financeiramente, casado e com uma filha, fora de quadra. Depois de duas lesões sérias e tanto tempo sem conseguir jogar, por que insistir?

Os problemas no meu corpo começaram quando eu tinha 29. Aposentar com 29 ou 30 anos, nesta época, eu acho que é cedo demais. Foi-se o tempo em que tenistas se aposentavam com 30. Muitos de nós estamos cuidando melhor de nossos corpos para que as carreiras sejam mais longas. Claro que existe um aspecto financeiro e todo mundo gosta de dinheiro, mas para mim não é isso. O que eu já ganhei investi inteligentemente, então a principal razão para eu voltar é acreditar que ainda posso jogar tênis. Vou ter o resto da vida para fazer outras coisas, mas eu posso jogar apenas mais duas, três ou quatro vezes em Wimbledon na vida inteira. Depois, nunca mais. O motivo principal é querer jogar mais tênis.

Sem tentar já ser muito filosófico, mas sempre gosto de perguntar a tenistas o que é que eles gostam mais no tênis. É a pressão de jogar um 30/40, um break point ou…

Não. Odeio! (risos de ambos) Não acho que exista uma pessoa que goste. Existem pessoas que lidam com isso melhor do que outras, mas não acho que ninguém goste dessa sensação nervosa antes de um jogo importante ou algo assim. Na quadra, você sente isso muito menos. É claro que às vezes você sente a pressão. Gosto um pouco de tudo no tênis. Tem o lado ruim e o lado bom. Se eu não jogasse tênis, não teria a chance de visitar todos esses lugares incríveis. Por outro lado, você está longe de casa, da família, da esposa e da filha.

É um equilíbrio difícil de encontrar…

É difícil de equilibrar. Por outro lado, sei que é um clichê e centenas de jogadores te disseram a mesma coisa, mas eu adoro jogar o jogo. Adoro competir. E mesmo com as partes ruins, no fim das contas é o que você ama fazer. Se você não ama, se você não consegue lidar com a pressão e o nervosismo, você precisa de aposentar.

Só para aproveitar o mesmo exemplo, quando você diz que não gosta de jogar um 30/40, a sensação é proporcionalmente inversa se você ganha esse ponto, não?

Durante a partida, acho que não se tem essas sensações. Mesmo nas quadras centrais, você não aprecia de verdade esses momentos até acabar a partida.

E se você ganha, né?

E se você ganha! Ou até mesmo se você perde. É aí que você tem a chance de admirar o que apreciar de verdade o que aconteceu nas últimas duas, três ou quatro horas. Porque o esporte é tão intenso que você não tem muito tempo para comemorar ou viver no momento de um belo winner em um ponto importante de uma partida. O ponto seguinte começa em 25 segundos ou você leva um point penalty. A boa sensação que tenho com o esporte é absorver toda a boa experiência depois que partida acaba. Depois de todo o drama. Sei que parece muito dramático na TV ou na arquibancada e que parece que estou me divertindo quando estou jogando bem, o que obviamente eu faço, mas o prazer de verdade vem quando tudo acaba. É aí que você consegue relaxar pelo menos por um dia ou dois e ver o que você realizou.

Muito se escreve que você gosta de ler sobre filosofia e…

(interrompendo) Eu costumava.

Sei que você diz que não se acha mais inteligente do que ninguém por ler sobre o assunto, mas é uma pergunta meio pessoal porque já li um bocado desses livros na faculdade e nenhum me interessou bastante. O que é que te atraía neles?

Embora minha família seja muito religiosa, eu sou ateu por natureza. No momento da minha vida em que eu estava lendo esses livros, eu era muito jovem para entender de verdade. Eu tinha 21, 22, 23 anos.

É uma época em que se questiona muitas coisas…

Eu questionava, mas não era um questionamento inteligente. As pessoas dizem e acredito que é verdade… O mesmo livro, se você ler a cada cinco ou dez anos, ele te deixa uma impressão completamente diferente. Então é diferente se você tem 25, 35 ou 45. Acho que é porque você tem experiências diferentes em partes diferentes da sua vida. O que me atraiu a esses livros foi… O que é filosofia? Não é a verdade. É a busca constante pela verdade. E o fato de que não só o livro, mas a humanidade por si própria está o tempo todo mudando e evoluindo, e a ciência está sempre se questionando e nunca dizendo "isso é verdade" porque daqui a dez anos aquilo pode mudar.

Tudo está mudando o tempo todo…

É por isso que hoje gosto de ler sobre sociologia moderna . É mais sobre relações humanas. Todos esses escritores que eu gostava de ler, como Nietzsche ou Schopenhauer… No fim da estrada, sempre existe dor, sempre existe tristeza, sempre existe escuridão. Não existe emoção como esperança ou crença ou nada do tipo porque não está no cérebro filosófico usar essas expressões para provar alguma coisa. E, na minha opinião, [a filosofia] não combina com o tênis porque embora o esporte seja muito complicado, você precisa simplificar as cosas e até acreditar em algumas coisas que talvez não sejam possíveis naquele momento. É preciso ter esperança por um futuro melhor e ter a esperança de que fazer e acreditar nas coisas certas vai levar a um futuro melhor. É por isso que não acredito que a filosofia "case" bem com o tênis.

"A beleza vai salvar o mundo" (frase que Tipsarevic tem tatuada no braço esquerdo). O significado disso mudou para você com o tempo?

Não. Não tem nada a ver com o tênis. É uma frase de um livro de Dostoiévski chamado "O Idiota". Na verdade, é uma ironia do livro, onde o personagem principal, Michkin, acredita que a beleza vai salvar o mundo. No livro, isso significa que ser bom para outras pessoas vai fazer outras pessoas serem boas com ele, mas por causa dessa crença, ele morre no fim.

Você vive seguindo essa crença?

Eu, não. Eu, não. Na verdade, eu acho que ser bom para os outros é uma virtude. Embora eu seja ateu, eu pratico a regra de "não faça aos outros o que você não gostaria que os outros fizessem a si mesmos". Mas a ironia do livro é que ele [Michkin] estava cegamente tentando ser bom para todo mundo e ser bonito para todo mundo porque isso salvaria o mundo se todos os outros fossem assim. Infelizmente, na sociedade em que vivemos, não importa de onde sejamos, não é assim que funciona. É preciso ser um pouco mais cuidadoso.

Mudando de assunto, sua esposa é estilista. Além de ser personagem de alguns ensaios, você se envolve, se interessa por moda, ajuda a desenhar algo?

Em termos de desenhar, não. Em termos de decidir um caminho até onde não só ela, mas nós como família queremos estar daqui a dez anos. São decisões de carreira. É nisso que ajudo. Mas decidir se algo deve ser branco ou preto ou o que seja, não. Não sou um guru da moda nem nada parecido. Ela às vezes pede minha opinião e digo o que acho, mas usei casacos de atleta a vida inteira. Ela diz que eu tenho um bom olho para decidir se algo está certo ou errado, mas talvez ela só esteja sendo simpática comigo. Em termos de tomar decisões, não sirvo de guia de modo algum. É um ramo traiçoeiro. Você ganha muito dinheiro, mas você também pode perder não só muito, mas tudo que você conquistou nos anos anteriores…

E muito rápido!

E muito rápido. É um negócio muito traiçoeiro. É por isso que eu tento ajudá-la a tomar decisões inteligentes no começo da carreira – até mesmo sacrificando algum lucro agora, mas por um bem maior. Com sorte, dentro de dez, 15 anos, uma renda alta vai começar a entrar.

E você pede conselhos sobre o que vestir?

Eu peço, eu peço.

E existe algo que ela recomende que você não gosta de vestir?

Ela gosta que eu me vista bem demais às vezes, o que eu não concordo. Não estou falando de paletós, mas digamos que ela goste de camisas de cores vivas, o que eu não gosto de forma geral. Eu me visto de maneira muito simples porque visto roupa de atleta a vida inteira, então esse é o única discordância que temos. No fim das contas, eu faço o que ela diz (risos).

É uma decisão inteligente.

Esposa feliz, vida feliz.

#whatsuprio #riodejaneiro #keeppushing #atpworldtour @atpworldtour @tipsarevicjanko @castjf

A post shared by Janko Tipsarevic (@tipsarevicjanko) on

Para terminar, um pouco de tênis. Como você está fisicamente hoje?

Estou me sentindo muito bem.

Não vi seu jogo contra o Dolgopolov em Buenos Aires, mas…

(interrompendo) Que bom que você não viu [Tipsarevic foi derrotado por 6/3 e 6/3]. (risos)

Mas eu vi seu jogo contra Bellucci em Quito. Mas Quito não é bem tênis. É algo que lembra tênis, mas muito diferente, não?

Acredito que em Quito, depois de Victor Estrella Burgos, Bellucci é o pior cara para se enfrentar. Eu gosto de altitude, mas esses dois caras são conhecidos no circuito por somarem a maior parte de seus pontos em Gstaad, Quito e esses torneios malucos. Mas eu errei ao não ir para Buenos Aires mais cedo. Eu decidi ficar em Quito e trabalhar no meu condicionamento por causa da altitude e cheguei em Buenos Aires no domingo à tarde. Por sorte, meu jogo foi só na terça, mas choveu no domingo e na segunda. E antes do jogo contra Dolgopolov, eu nem consegui me aquecer porque estava chovendo. São pequenas desculpinhas bobas, mas vindo de 2.800m de altitude e sem jogar outdoor por dois dias, enfrentar um adversário bom…

Que não dá ritmo nenhum!

Não. Eu senti que estava jogando bem, em forma e tudo mais, mas ele me matou.

E o que você espera do Rio Open, além de uma chave melhor, é claro? (a entrevista foi antes do sorteio da chave, que aconteceu na noite de sábado)

Eu gostaria de jogar contra alguém e que eu possa jogar algum tênis. Estou na América do Sul há três semanas, treinei bem por uma semana e na primeira rodada em Quito venci por abandono. Depois, contra Thomaz, não foi tênis de verdade. Foi luta uma por sobrevivência, colocando a bola na quadra de algum modo. E por 1h03min joguei contra Dolgopolov um total de seis pontos com mais de cinco golpes.

Só seis?

Seis pontos com mais de cinco golpes! E ganhei todos os seis (risos). Então o que espero é jogar contra alguém que jogue tênis de saibro. Eu não me importo. Quer dizer, não é bem verdade. Não quero jogar contra Nishikori ou Thiem, mas tudo bem. Me deem alguém contra quem eu consigo jogar algum tênis.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.