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Saque e Voleio

Wimbledon, dia 6: o tênis mentiu para o mundo

Alexandre Cossenza

02/07/2016 16h46

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Quando começou, na sexta-feira, não parecia grande drama. Novak Djokovic perdeu um tie-break para Sam Querrey. Normal, era só o primeiro set contra um grande sacador. Acontece o tempo inteiro. Certamente, o número 1 do mundo se recuperaria a tempo de despachar sem sustos o azarão.

Veio, então, o segundo set. Nada. Djokovic estava ainda mais estranho do que antes. Querrey, mais solto. 6/1. A zebra se apresentava serelepe, saltitante e em cores vivas. Todas as duas. Faltava um set para o maior tombo do tênis mundial nas últimas 52 semanas. O campeão dos quatro Slams, com 30 triunfos consecutivos nas costas, se mostrava vulnerável depois de muito tempo.

Parecia demais. Houve ajuda. O céu, os céus, São Pedro ou talvez até Rafael Infante vestido de divindade polinésia tenha enviado aquelas gotas de alívio na noite de sexta. Eram 20h em Londres, e a chuva interrompeu a partida. A continuação seria na manhã seguinte. Djokovic teria tempo para apertar reset e chegar renovado na Quadra 1. Querrey teria o travesseiro para conversar sobre a ansiedade e o tamanho do feito ainda incompleto.

Chega a manhã deste sábado. Querrey saca. Djokovic quebra. Querrey saca de novo. Djokovic quebra mais uma vez. Outro dia, outro sérvio, outro americano. Outro jogo. As casas de apostas mudaram suas cotações. No início do quarto set, o americano pagava 4:1. O número 1, apenas 1,25:1. Era questão de tempo. Ou assim se desenhava o cenário para quem conhece a capacidade de Djokovic e se acostumou a vê-lo elevar o nível de jogo com tanta frequência em situações tão delicadas – e por tanto tempo!

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Começa o quarto set. Primeiro game. Três break points salvos por Querrey. Terceiro game. O americano se salva em mais três. Obviamente, ninguém resistiria por muito tempo diante da melhor devolução do planeta, da raquete que é buraco negro e estilingue para os serviços mais potentes da galáxia. Quinto game. Mais dois break points salvos por Querrey. Um roteiro de Christopher Nolan não confundiria mais os espectadores. Mas não duraria muito. Não poderia.

Nono game. Djokovic finalmente quebra o serviço do americano. "Game, set, match, Djokovic", pensei. Querrey já vinha bobeando e mostrando hesitação nos games de serviço de Djokovic. A partida mudava finalmente de direção. O número 1, senhor do circuito, tinha o controle do duelo. O barulho do público na Quadra Central soava como as 12 badaladas, encerrando o efeito do feitiço e transformando em abóbora a carruagem que levaria Querrey às oitavas.

Mas o tênis mentiu. O jogo que era de Querrey na sexta e passou a ser de Djokovic no sábado escorregou das mãos do número 1. Nole sacou em 5/4 e, no momento que normalmente é seu e só seu, fraquejou. Falhou. Deixou escapar o set. Querrey, com o vento proverbial de volta a seu favor, fez 6/5. O sérvio sacaria pressionado, mas ela, a chuva, voltou. Caiu como uma luva, um dilúvio, um delírio. Alívio imediato.

A partida recomeçou uma hora depois. Djokovic confirmou seu saque sem perder pontos. Querrey abriu o tie-break errando um smash. Mini-break. O número 1 venceu seis pontos seguidos. Era a hora de apertar o nitro e descer a ladeira sem olhar no retrovisor. Nole não conseguiu. Erro atrás de erro, deixou o oponente equilibrar o game de desempate. A cada rali, a insegurança ficava mais óbvia. O ultramegahiperconfiante e imbatível Djokovic, naquele momento, foi mortal. E, com um erro não forçado, humano, mundano, sucumbiu. Game, set, match, Querrey: 7/6(6), 6/1, 3/6 e 7/6(5).

As consequências

Com o naufrágio de Djokovic, vão por água abaixo a chance de fechar o Grand Slam e o Golden Slam. O sérvio ainda irá aos Jogos Olímpicos Rio 2016 com a chance de completar o Career Golden Slam, que Andre Agassi e Rafael Nadal também conseguirem fechar.

Também chega ao fim a sequência de 30 vitórias consecutivas de Djokovic em torneios do Grand Slam. É a terceira maior séria da história, atrás apenas de Don Budge (37, em 1937-38) e Rod Laver (31, em 1962-68 – o australiano se profissionalizou e foi proibido de jogar Slams de 1963 a 1967).

Quem ganha mais com isso (além de Sam Querrey)?

A queda do número 1 é boa para Milos Raonic, que enfrentaria o sérvio nas quartas de final. Roger Federer, que só foi derrotado em Wimbledon por Djokovic nos dois últimos anos, é outro beneficiado. O suíço, a propósito, vai enfrentar nas oitavas o americano Steve Johnson (#29), que freou a ressurreição de Grigor Dimitrov (#37), fazendo 6/7(6), 7/6(3), 6/4 e 6/2 neste sábado.

Andy Murray, vítima do #1 nas finais de Melbourne e Paris, também não deve ter ficado nada, nada chateado. O britânico bateu o australiano John Millman (#67) por 6/3, 7/5 e 6/2, neste sábado, e vai enfrentar o vencedor de Nick Kyrgios x Feliciano López. A partida foi adiada por falta de luz natural após o fim do segundo set. Cada tenista venceu uma parcial.

Nicolas Mahut, adversário de Querrey nas oitavas de final, é outro que se deu bem. O francês, afinal, derrotou o americano nas duas vezes que os dois se enfrentaram, e a última delas foi em 's-Hertogenbosch, mês passado. Quem aí consegue imaginar Mahut nas quartas contra Raonic? Eu consigo.

O mistério

Uma resposta de Novak Djokovic na coletiva após a partida deixou todo mundo com uma pulga na orelha. Ao ser questionado sobre sua forma física, o número 1 do mundo disse não estar 100%, mas que não era a hora para falar sobre isso. Em seguida, deu mérito a Querrey pela vitória.

Lesão ou não (o bem informado jornalista português Miguel Seabra disse que se comenta sobre um problema no ombro), Djokovic anunciou que não jogará a Copa Davis e, quando lhe perguntaram se disputaria algum torneio antes dos Jogos Olímpicos, afirmou não saber. A reação gerou até uma especulação sobre a possível ausência do sérvio no Rio de Janeiro. Nada além disso por enquanto.

O melhor tweet

Bruno Soares continua sua sequência espetacular de tweets irônicos sobre o Efeito Lendl (#thelendleffect). Hoje, depois de Querrey eliminar Djokovic, escreveu que o americano acidentalmente tomou o café de Ivan Lendl.

O imortal

Lleyton Hewitt aposentou em janeiro e desaponsentou em março para jogar a Copa Davis. Aposentou de novo em seguida e se desaposentou outra vez quando ganhou um convite para jogar a chave de duplas de Wimbledon. E Rusty, o imortal, já fez valer o wild card. Ele e o australiano Jordan Thompson venceram Nicolás Almagro e David Marrero no jogo boyhoodiano do dia: 6/7(6), 6/4 e 19/17.

Vale lembrar que a chave de duplas de Wimbledon foi jogada em sistema melhor de três (com terceiro set longo) em vez do tradicional formato em melhor de cinco por causa dos atrasos provocados pela chuva.

Cabeças que rolaram

Petra Kvitova (#10), bicampeã de Wimbledon, deu adeus em mais uma atuação errática – com a colaboração de uma competente Ekaterina Makarova (#35), é claro. A russa fez 7/5 e 7/6(5) e avançou para enfrentar Barbora Strycova (#26) na terceira rodada. O jogo será disputado neste Middle Sunday, junto com o resto da rodada que está atrasada, e a chave é boa para Makarova, já que a oponente de oitavas sairá do jogo entre Elena Vesnina e Julia Boserup.

Kvitova foi a principal cabeça de chave eliminada no sábado, mas não chega a ser uma surpresa total para uma tenista que não ganha três jogos seguidos desde abril. Além disso, Sabine Lisicki (#81), que não era cabeça de chave mas estava bem cotada em Wimbledon, também se despediu. A alemã tombou diante da cazaque Yasoalava Shvedova (#96) por 7/6(2) e 6/1.

Correndo por fora

Entre os jogos de terceira rodada encerrados neste sábado, houve poucas surpresas. A lista de vencedoras inclui Simona Halep (#5), que bateu Kiki Bertens por 6/4 e 6/3; Madison Keys (#9), que eliminou Alizé Cornet (#61) por 6/4, 5/7 e 6/2; Angelique Kerber, que passou por um tie-break aperado, mas superou a compatriota Karina Witthoeft (#109) por 7/6(11) e 6/1; Agnieszka Radwanska (#3), que passou fácil por Katerina Siniakova com parciais de 6/3 e 6/1; e Dominika Cibulkova (#18), que ampliou sua sequência para oito vitórias na grama ao fazer 6/4 e 6/3 em cima de Eugenie Bouchard (#48).

Entre os homens, vale citar as vitórias de: Milos Raonic (#7) sobre Jack Sock (#26) por 7/6(2), 6/4 e 7/6(1); Kei Nishikori (#6) em cima de Andrey Kuznetsov (#42) por 7/5, 6/3 e 7/5; e Marin Cilic (#13) diante de Lukas Lacko (#123) por 6/3, 6/3 e 6/4.

Correndo por fora e atrasado

Na turma que precisou jogar ainda a segunda rodada neste sábado estavam Sloane Stephens (#22), Timea Bacsinszky (#11) e Alexander Zverev (#28). Os três venceram e voltarão à quadra no domingo para a terceira rodada. Se continuarem vivos, provavelmente voltarão na segunda-feira para as oitavas.

Os adiamentos

Obviamente, Wimbledon não conseguiu completar a terceira rodada masculina neste sábado. Quatro partidas foram suspensas por falta de luz natural. John Isner (#17) vencia Jo-Wilfried Tsonga (#12) por 2 sets a 1, Lucas Pouille (#30) liderava por 2 sets a 1 o jogo contra Juan Martín del Potro (#165); Richard Gasquet (#10) superava Albert Ramos (#36) pelo mesmo placar; e Nick Kyrgios (#18) e Feliciano López (#21) empatavam em 1 set a 1.

Os brasileiros

Na chave de duplas, Marcelo Melo e Ivan Dodig venceram sem problemas e avançaram às oitavas. As vítimas do dia foram Santiago González e Scott Lipsky, e o placar final foi de 6/2 e 6/3. O outro Marcelo, o Demo, foi eliminado também na segunda fase. Ele e o paquistanês Aisam Qureshi foram superados pela dupla de Treat Huey e Max Mirnyi: 6/4, 6/7(7) e 6/3.

Nas duplas mistas, André Sá e a tcheca Barbora Krejcikova estrearam com vitória sobre John Peers e Samantha Stosur por 6/4, 4/6 e 6/4. Demoliner também estraria na modalidade, mas seu jogo foi cancelado. Ele e a americana Nicole Melichar enfrentarão Treat Huey e Alicja Rosolska.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.